Conto: Um namoro incomum (?)
O conto de hoje foi inspirado na canção "Alguém como você", gravada (e composta) por George Israel e pela ex-dupla Sandy e Junior. (Acompanhe a letra aqui)
Apenas
dez meses de namoro e se dependesse de meu pai, Stênio e eu já estaríamos
casados e com uns cinco filhos. Raramente se vê isso: o pai da garota
rapidamente se afeiçoa ao namorado da filha. Stênio e eu alcançamos a
maioridade havia pouco tempo, ainda éramos estudantes universitários; ele na
veterinária e eu em publicidade e propaganda, ambos na mesma instituição
pública, mas ainda dependíamos financeiramente dos nossos pais. Ou seja,
casamento estava fora de questão, e o motivo nem era esse. Nós sabíamos que
nosso namoro tinha prazo de validade, eu só não podia imaginar que ele
terminaria tão cedo.
Naquela
tarde de sábado, festejávamos na casa dos meus avós, Nívea e Valter, o
aniversário de 70 anos da minha avó, ao lado da maior parte dos nossos
familiares. Papai e vovô receberam Stênio com um filho. Meu namorado me deu um
selinho e, discretamente, disse no meu ouvido:
- Preciso
falar com você. Agora.
- O que
houve?
- Chegou
a hora, Gabrielle. – Stênio me respondeu, austero. A expressão “chegou a hora”
significava o fim do nosso namoro. Avisamos aos meus pais que iríamos subir
para o meu quarto e concordaram sem hesitar. Minhas amigas reclamavam que elas
não poderiam ficar sozinhas no quarto com o namorado. Stênio ganhou a confiança
da minha família logo ao se conhecerem. Ele realmente cativava qualquer um com
facilidade. Mas muito daquilo era fingimento nosso.
Antes de
subirmos, mamãe e vovó apareceram e puxaram Stênio para um abraço. Mimado ao
extremo.
- Tia
Helô, - Stênio falava com minha mãe – Heline está vindo pra cá. Ela pode subir
assim que chegar, tá legal?
- Tudo
bem, filho. – mamãe concordou amavelmente.
- Depois
venha almoçar. – chamou vovó. – Fiz a lasanha que você tanto gosta.
-
Obrigado, dona Nívea. – agradeceu Stênio, embaraçado. - Quase me esqueci. Feliz
aniversário pra senhora. – desejou, num abraço.
Alan
parabenizou minha avó e entregou a ela um pequeno embrulho de presente. Subimos
para esperar Heline, minha melhor amiga desde os tempos do Ensino Médio.
Ela se comunicou com Stênio e não comigo, algo incomum. Normalmente, Heline me
telefonava antes de ir à minha casa ou aparecia de surpresa. Naqueles últimos
dias, no entanto, ela estava distante. Eu tinha um péssimo pressentimento.
No calor
do meu quarto, Stênio se ventilava com a própria camisa, exibindo sua barriga
morena, lisa e esbelta. Além do tanquinho, as pernas grossas também chamavam
atenção. Minhas primas e amigas não se vergonhavam em dizer o quão me invejavam
pelo namorado que eu tinha. “Ele é bom de cama, não é?” ou “O documento dele é
grande?” eram perguntas frequentes e as minhas respostas eram todas positivas,
embora ele e eu nunca tivéssemos transado uma vez sequer. O máximo de
intimidade que já tivemos foi de um ver o outro seminu ou de trocar uns bons
beijos. Nada mais.
Abri a
janela, já que meu ar-condicionado estava quebrado, deite-me na cama ao lado de
Stênio, que informou:
- Jade me
pediu em namoro. E eu aceitei.
- Como é
que é? Você aceitou sem antes me consultar?! – inquiri, exasperada.
- Não
resisti, Bielle. Fui pego se surpresa. Você sempre soube da minha paixão por
ela. E sempre soube também que nós estávamos nos encontrando.
- Não. Eu
não sabia que vocês estavam se encontrando. – levantei-me da cama e fiquei
dando voltas, pensativa. – E agora pra todos os efeitos, eu levei um chifre,
não é?
- Acho
que sim. – Stênio fingiu um sorriso.
- Heline
já sabe, então?
- Já. –
respondeu, olhando para o céu nublado pela janela do quarto.
- E o que
ela achou disso tudo? Odiou, não foi?
- Cê vai
ficar sabendo quando ela chegar. - respondeu, com um ar de mistério.
Naquele
instante, papai entrou no quarto com duas garrafas de cerveja.
- Muito
obrigado, tio Ítalo. – Stênio pegou as garrafas. Papai comentou:
- O clima
aqui tá meio pesado.
- Tá tudo
bem, pai. – menti.
-
Certo... Se precisarem de mim, estarei lá em baixo. Vou deixá-los sozinhos. – e
piscou para mim, saindo do quarto. Secamos as duas garrafas quase que num só
gole. Heline não chegava. Estávamos ansiosos. Desde que papai saiu não trocamos
uma única palavra, nem nos olhávamos. Esse dia chegaria cedo ou mais tarde. Eu
também já achava que... Estava na hora. Estava na hora de assumirmos. “Assumir”
nem é a palavra. Quem assume algo é como se estivesse cometendo um crime ou
escondendo algo gravíssimo.
Heline
bateu à porta e entrou no quarto, trancando-a, em seguida. Ela sorriu para
Stênio, abraçou-me e me beijou nos lábios. Um beijo de quem não se encontrava
havia menos de uma semana, mas era como se fossem meses. Heline engordara um
pouco naqueles últimos dias, e, pra mim, essas gordurinhas eram seu charme.
Carinhosamente, afastei seus cabelos loiros e curtos das orelhas e a beijei
mais uma vez.
Meus
cabelos longos e pretos eram as partes do meu corpo que Heline mais gostava, ou
uma delas. Ela se surpreendia com o cuidado que eu tinha com eles e com meu
corpo de modo geral. Agoniada, Heline se julgava por estar mais gorda e eu mais
magra, mas isso não era um defeito. Eu era apaixonada por ela. Ser apaixonada
por uma garota fazia de mim uma lésbica? Pode ser. Já fiquei com outras garotas
antes dela e com o próprio Stênio, que se tornou meu melhor amigo. Então eu era
bissexual? Pode ser. Não sei. Apaixonei-me pela pessoa que Heline era, e com tudo
o que vinha no conjunto, não pelo fato de ela ser mulher. O ser humano tem a
mania besta de rotular tudo, e nem sempre é necessário. Isso me dava nos
nervos.
Heline me
soltou e abraçou Stênio. Nós nos sentamos ao lado dele e nos olhamos por uns
segundos. Heline finalmente quebrou o silêncio:
- Pois
é... Acho que o nosso namoro termina aqui, não é?
- Termina
aqui? Não! Claro que não. – respondi, incisivamente. Stênio e Heline se
espantaram. Não era a reação que eles esperavam.
- Claro
que terminamos, Bielle. Stênio não vai mais poder fingir que namora você. A
Jade não vai gostar nada dessa história. – lembrou Heline. - E com razão.
- Afinal,
ela não sabia que você e eu somos namorados? – perguntei ao Stênio.
- Eu
disse que tínhamos terminado. – suspirei de raiva ao ouvi-lo. – O que você
queria que eu fizesse, Gabrielle? Eu sou apaixonado por ela faz tempo e você
sabe. Agora que ela me deu uma chance, não posso deixar passar.
- Você
foi a segunda opção da Jade. Ainda não percebeu isso? – irritada, levantei-me
de novo e coloquei a cabeça para fora da janela.
- Pra mim
tanto faz, Gabrielle. – Stênio, como um bobo apaixonado.
-
Gabrielle... – Heline se levantou e me abraçou por trás. – O Stênio tem todo o
direito de acabar com a nossa farsa. E a gente pode namorar escondido, como
antes...
- Não.
Acho que já passou da hora de assumirmos o nosso namoro. – fui veemente. Ela me
olhou barbarizada. Stênio se levantou e me lançou o mesmo olhar. Heline, delicadamente,
como se eu pudesse falar outra abobrinha, tentou uma solução:
- Não
precisa, Gabrielle. Vamos namorar escondido. É melhor.
- Não,
não é melhor.
- É sim!
Não vai dar certo. Seus pais não vão aceitar, e nem os meus. E você sabe que
seu pai é preconceituoso. – teimou Heline. Infelizmente, eu já esperava que ela
não me apoiasse. Desde que começamos a ficar, tentei revelar o namoro, mas ela
discordou. Heline se preocupava muito com o preconceito dos outros, se prendia
pelos meros cochichos alheios, ao contrário de mim, que não dava ouvidos a
ninguém. Nós duas não nos largávamos mais e só descobri que meus familiares
desconfiavam de nossa amizade porque meu primo Guga, nas férias passadas, me
deu o seguinte toque:
“Prima,
ouvi, sem querer, que a tia Helô e a vó Nívea estavam achando estranha a sua
amizade com a Heline.”
“Quando
você ouviu isso?”
“Ontem
mesmo. Bom, pensei que você iria gostar de saber”.
Guga e eu
também éramos amigos, mas depois que ele foi morar em outra cidade nos
distanciamos um pouco. Percebi que nossa relação permanecia intacta após essa demonstração
de cumplicidade. Heline e eu não conseguíamos ficar longe uma da outra e nem
esconder que não éramos apenas amigas. Todos no colégio sabiam que ela e eu nos
pegávamos, e como eles já eram bem crescidinhos, o preconceito era mínimo. No
entanto, havia aquele em que a mente aberta superava as demais: Stênio.
A paixão
que Stênio sentia por Jade era antiga, mas ela já tinha namorado e mal sabia da
existência de meu amigo. Nossa amizade se aperfeiçoou quando fomos aprovados
para mesma universidade e ele, Heline e eu formávamos um trio quase que
inseparável, ainda que ele fosse de curso diferente do nosso – minha namorada
também era de publicidade, porém em outro turno. O meu falso namoro com Stênio,
contudo, surgiu sem pretensão. Ele marcou de ir à minha casa numa tarde de
domingo. Esqueci completamente namorando Heline na escada do prédio dela. Ao
chegar em casa, encontrei Stênio e meu pai tomando cerveja juntos. Não era
realmente a cena que eu esperava ver.
Papai se
levantou e me chamou atenção:
- Filha,
nunca mais deixe seu namorado esperando. Por sorte, eu estava aqui para fazer
companhia a ele.
Stênio
estava tão espantado quanto. Surpresa, perguntei:
-
Namorado?
- Mas,
seu Ítalo... – Alan começou.
- Ah,
acho que entendi errado... Realmente você não me disse... Vocês não são
namorados... – papai se consertou – Mas poderiam ser. Eu gostei do Stênio.
Gente boa, tem um papo bacana e até que é um cara bonito.
- É
sim... – concordei, admirando a tal beleza do corpo moreno de Stênio. Meu amigo
desejava ter onde se esconder, de tanta vergonha. E assim que papai nos deixou
sozinhos, abracei Stênio com toda a minha força e o pedi, quase implorando:
- Amigo,
me ajuda. Por favor.
- Ajuda?
– Alan desconfiava.
- Me
ajuda. Vamos aproveitar que meu pai gostou de você e...
- Isso
não vai dar certo, Gabrielle.
- Vai dar
sim. Acho até que ele já desconfia de mim, ou não me empurraria pra você assim.
Nós já somos amigos, nos respeitamos e eu vou te dever essa para o resto da
minha vida. Senão a Heline vai querer terminar o nosso namoro! Você sabe que
ela se preocupa muito com a opinião alheia. Por favor, ao menos por enquanto.
Por favor!
***
-
Gabrielle, a Heline tem razão: essa ideia de querer se assumir é maluca. Sua
família toda vai levar um choque. – argumentou Stênio. Heline me levou até a
cama e me fez sentar ao seu lado. Com carinho, ela pegou a minha mão, beijou-a
e voltou a teimar que o nosso namoro poderia seguir firme se nós voltássemos a
namorar escondido.
- Por que
você não quer assumir, Heline?
- Bielle,
é uma ideia precipitada e... Tenho medo do que seus pais vão dizer... A sua mãe
é até mais compreensiva, agora o seu pai...
- Heline,
- dessa vez, eu peguei nas mãos dela e as beijei. – não ligue para o que eles
vão falar, eu já te disse. O que eles pensam a meu respeito não me importa.
Você também não deveria ser importar.
- Pra
você é fácil. Sua mãe é mente aberta. Até seus avós. – argumentou Heline.
- Então,
eles vão nos ajudar. Vão ficar do nosso lado.
- Mas e
seus primos, seus tios... E se de repente seus avós se chocarem com isso? A sua
família é grande, vai ficar naquela hipocrisia, naqueles sussurros quando a
gente passar...
- Eu já
disse que meus avós são tranquilos. E não ligue, não dê bola. Não deixe esses
sussurros te assustarem. Se eles julgarem será porque são uns insensíveis ou
será pelo simples fato de que eles não estão aqui no meu lugar, não sentem o
que eu sinto por você e o que eu sinto por você é muito maior do que nós duas
podemos imaginar. – declarei-me e a beijei nos lábios. - Eu te amo pra caramba.
- Eu
também te amo. - e me beijou. - Mas ainda acho muito arriscado.
- Heline,
já dizia um poema que eu gosto tanto: *"Minha condição, quando amo, é não
ter condição. É ser livre dessas rédeas, por um amor bem mais perfeito. Por um
beijo a qualquer tempo e em total aceitação..."
Para
melar o clima, Stênio me cortou:
- Eu vou
vomitar arco-íris se você continuar a recitar esse poema.
- Parei. Até
porque é o único que sei. - admiti.
Levantei-me
da cama e ordenei:
- Vamos
descer. Vou contar tudo agora. Pra todo mundo.
-
Gabrielle, você não tem senso do ridículo, não? – perguntou-me Stênio,
seriamente. – Tudo bem que sua família não seja preconceituosa, mas anunciar
pra todos que você e sua melhor amiga são namoradas é prova de que você não tá
bem das ideias.
- Tudo
bem, então. Assim que acabar a festa, conto para os meus pais. Agora vamos
descer. – e os puxei para a escada. A casa fervilhava de tanta gente e tanto
alvoroço. Quando meus avós nos viram, logo puxaram Stênio para conversar. Ele
tinha mais paciência para conversar com eles do que os próprios netos, meus
primos, e por isso ele era tão querido. Heline foi oferecer ajuda à minha mãe
com a louça e por lá ficou.
Eu estava
ansiosa. Meus parentes não deixariam a casa antes da meia noite, portanto, eu
teria que aguentar mais um tempo para contar aos meus pais do meu namoro com
Heline; que era com ela que eu namorava, e não com Alan. Era com ela que eu
dividia meus beijos mais sensíveis e mais lascivos, mais puros e tão pecadores.
Era por Heline que eu realmente era apaixonada, com quem eu dormia de
conchinha, que eu aproveitava quando não havia ninguém em casa para nos amarmos
profunda e secretamente. Se eu não revelasse e me libertasse logo eu
enlouqueceria.
- Prima,
você ouviu o que eu disse?
Guga
estava ao meu lado e eu nem havia percebido. Eu estava perdida nos meus
próprios pensamentos e nem me dei conta de que estava no palanque da casa e que
meu primo se sentara ao meu lado. Pedi desculpas e ele repetiu:
- Eu só
comentei: tio Ítalo e tia Helô adoram o seu namorado, não é?
- É,
adoram. – respondi, com os olhos em Heline. Minha mãe mexia nos cabelos curtos
de minha namorada e conversavam algo que eu não sabia dizer o que era.
- Mas não
é dele realmente que você gosta, não é?
- Não. –
respondi, aleatoriamente. Olhei para Guga, e perguntei:
- O que
foi que você me perguntou?
Meu primo
riu e apenas disse:
- Deixa
pra lá... Ah, você cursa publicidade e propaganda, não é?
- Curso.
- Ah bom,
você já estudou...
Tive que
interromper o que Guga contava para atender à vovó, que pedia pra eu me juntar
a ela, meu avô e ao Stênio. Depois de cantarmos os “parabéns a você”, em que
vovó simbolizou a primeira fatia de bolo para todos os netos e deu ao primeiro
bisneto, o gorduchinho Nando, de quatro anos, que a azucrinava por uma fatia do
doce. A minha agonia duplicava e os meus parentes não saíam da casa. Conversei
com Stênio e expliquei que ele poderia ir embora, mas meu amigo preferiu ficar
ao nosso lado quando eu fosse revelar a verdade aos meus pais.
Meus tios
Ramil e Solange, os pais de Guga, foram os últimos a sair. Meus pais e meus
avós lavavam a louça quando eu disse que precisava conversar com eles. Para muitos, não seria necessária a
presença dos velhos, mas ambos foram fundamentais na minha criação e era justo não
ficarem sabendo por terceiros.
Mamãe
estranhou tanta urgência de minha parte em persistir numa conversa com ela, meu
pai e meus avós ali, naquele instante, quando estávamos todos cansados. Porém,
se eu não revelasse logo, perderia a minha coragem. Stênio estava disposto a
ficar ao nosso lado. Foi ele, afinal, quem ajudou nessa farsa todo esse tempo e
enganou meus familiares. Meu namorado de mentira estava ansioso; eu também.
Heline estava uma pilha. Seus cabelos loiros estavam bagunçados, pois ela não
os deixava em paz. Era uma mania dela: mexer no cabelo quando estava nervosa.
Stênio,
Heline e eu nos sentamos no maior sofá da sala. Novamente, Heline pôs os
cabelos para trás da orelha, me olhou com calma e perguntou, num tom ameno:
- Você me
ama, não é?
- Amo. É
claro. – respondi aquela pergunta estapafúrdia.
- Então,
é isso que importa: que nós duas nos amamos. Você não precisa dizer nada a eles,
ninguém nunca vai saber e nem precisa. É algo nosso. Só nosso.
- Não,
Heline. Nós já conversamos sobre isso! – relembrei, com a paciência menor que
uma formiga. – Nós envolvemos Stênio nisso e agora temos que desfazer.
- Mas...
- E não é
só isso: - peguei a mão dela e fiz tocar em meu peito – tá ouvindo? Meu coração
tá acelerado. Eu tô nervosa, você tá e o Stênio também, mas é preciso. Não dá
mais pra ficar escondendo um namoro como se estivéssemos cometendo um crime!
Nós não estamos fazendo nada além de nos amar. O nosso amor não é pecado algum!
- Eu sei,
mas... Mas e se não der certo? E se seus pais não aceitarem? Os meus também não
vão ser fáceis.
A
pergunta que estava faltando era essa. O meu último argumento:
- Não
quero saber. Eu te aceito, você me aceita. Talvez eles nos julguem, talvez não.
Mas não me importa qual a reação deles... Eles podem explodir de raiva e se
isso acontecer será porque eles não entendem o amor de verdade. Não entendem o
nosso amor. – sem perceber, meu tom de voz aumentava. – Eles não entendem como
é bom ter você ao meu lado, como é ter a tua companhia, como é não ser só, como
é um amor sem cobranças, como é gostar tanto de alguém, passar o dia todo junto
e não querer largar... Heline, eles não sabem como é ter alguém como você. Eu
sei.
Sequei a
lágrima que atravessava a bochecha de Heline. Recebi um abraço carinhoso de
minha namorada.
- A
Gabrielle te ama, Heline. – comentou Stênio, sereno. - E eu vou vomitar esse
arco-íris agora.
- Eu
também a amo. – Heline me beijou nos lábios.
-
Chegamos, meninos! – anunciou mamãe. Ela e papai entraram na sala. Heline e eu
nos desgrudamos, mas não tivemos tempo de secar nosso rosto. As duas haviam
chorado. Por sorte não fomos flagradas. – Por que o choro? – mamãe perguntou,
sentada em outro sofá, na nossa frente, com sorriso descontraído.
Perguntei
pelos meus avós e papai me respondeu:
- Eles
estavam muito cansados e foram se deitar. – nos observando calados, perguntou:
- Então, o que vocês queriam? – nós ainda não falamos nada. Nenhum de nós não
sabia por onde começar. – Por que vocês estão tão sérios?
Stênio
estilhaçou o silêncio:
- Seu
Ítalo, dona Helô... Tenho uma coisa a contar a vocês. – iniciou, de um jeito
tenro.
- “Seu
Ítalo, dona Helô”? Você nos chama de tios! – protestou mamãe. Preocupada,
inquiriu: - O que tá havendo? Falem logo!
- Tudo
bem... – Stênio respirou fundo. Secou o suor de sua testa e com os lábios
frementes, continuou: - Gabrielle e eu não estamos namorando. Nós...
- Nós
terminamos já tem mais de uma semana. É isso. – interrompi-o, subitamente. Alan
e Heline se assustaram. Agora eu tinha que inventar uma boa mentira.
- Como
assim “terminaram”? – papai perguntou, confuso.
- Nós
terminamos, pai, já tem uma semana. Acontece que nós não falamos nada porque
nós sabemos que vocês, meus avós gostam tanto dele e eu não queria chateá-los.
E a Heline... – engoli em seco e continuei – Ela tem me dado a maior força
nesses dias. Por isso a gente anda junto o tempo todo. – expliquei,
cautelosamente. O medo bateu e ali ficou. De última hora, mudei de ideia quanto
à verdade.
Meus pais
se olharam e deram de ombros, conformados. Papai se levantou, espreguiçando-se
e comentou, amigavelmente:
- Eu
preferia que vocês não tivessem terminado, mas quem sabe disso são vocês.
Stênio será sempre bem vindo aqui e em
nossa casa, ele sabe.
-
Obrigado, tio Ítalo. – Stênio enrubesceu.
- De
nada. É só a verdade. Agora espero que o próximo namorado de minha filha seja
tão legal quanto você. – desejou papai. Mamãe também se levantou.
- Um
namorado... Ou... Namorada. – Stênio disparou. Heline quase caiu do sofá. Papai
fez careta de nojo.
-
Namorada?
- É, o
mundo hoje anda tão moderno. – Stênio, olhando para os lados, cobrando que eu
deixasse de ser covarde e contasse logo.
- O mundo
pode até ser, mas eu não. – discordou papai. – Já basta o Guga com aquele
namorado dele...
- O Guga
é gay? - perguntei, espantada. Dessa eu não esperava.
- É sim.
Uma decepção, né? Mas eu tenho certeza que a minha filha não iria me
decepcionar. Agora vou indo pro quarto. Boa noite. – e subiu. Stênio suspirou
aliviado e Heline me olhou meio confusa. Nós nos levantamos juntos e mamãe foi
até mim.
Stênio
verificou seu celular e sorria lendo uma mensagem que eu tinha quase certeza
que era de Jade. Sorridente, ele nos informou que teria que sair o mais
depressa possível. Beijou a cada uma de nós. “Muito obrigado. Você é o melhor
amigo de todos”, sussurrei, beijando-o no rosto. Ele me devolveu o beijo e saiu
correndo.
- Dona
Helô, tá tudo legal? – perguntou Heline à mamãe, que nos analisava dos pés à
cabeça. Também estranhei o jeito que ela me olhava e refiz a pergunta.
- Stênio
é incrível mesmo, não é? – ela perguntou, sentando-se de novo e falando com
sutileza. Nós concordamos. – Fingir um namoro só pra que as duas amigas
pudessem namorar em paz... Não é qualquer amigo que faz isso.
Heline e
eu nos entreolhamos, incrédulas. Mas ensaiamos não saber de nada.
Mamãe riu
da nossa ingenuidade e disse:
- Minha
filha, seu pai pode ser besta pra essas coisas, mas eu não.
- Como
assim, mãe? A senhora... Sabe da gente?
- Eu já
desconfiava da amizade de vocês duas, mas não levava a sério. E depois de
hoje... Só confirmei. E o comentário do Stênio ajudou. “Um namorado ou uma
namorada. O mundo anda tão moderno...”. Deu pra sacar. – mamãe abafou uma
risada.
- Oh
mancada, hein... – lamentou Heline.
- Mãe,
desculpe... Nós...
Mamãe,
ainda risonha, pediu para eu me calar, fazendo um sinal:
- Não se
preocupem com o pai de vocês. Com o tempo ele vai deixando esse preconceito de
lado, e eu vou ajudando com isso. Mas deem mais um tempo e ele, meninas.
Porque... Não é fácil... – ela riu, contendo o choro. – Não é fácil descobrir
que um filho nosso é... Pensar com o filho dos outros é fácil, mas quando é com
a gente...
- E como
você aceitou, mãe?
- Porque
eu já desconfiava tem um tempinho, Gabrielle. Eu não sentia muita firmeza no
seu namoro com Stênio, mas eu não falava nada. E vocês duas sempre juntas...
Você falava mais de Heline do que de Stênio!
- E você
não tem preconceitos, dona Helô? – Heline inquiriu, sem jeito.
- Todo
mundo tem, Heline. Todo mundo. - respondeu pensativa- Nem que seja um
pouquinho, mas tem... E é minha filha. Eu a amo. O que eu posso fazer? Mandar
ela gostar de tomate e não de cebola?
Não
resistimos a abraço de mãe e filha. Mas ainda sem entender, perguntei:
- Como
você desconfiava, mãe?
-
Gabrielle e Heline, aprendam uma coisa: mãe é quem dá luz e também quem cuida,
quem cria, educa. Ninguém conhece os filhos mais do que nós. Vocês podem
esconder as coisas de quem quiserem, menos de nós. Porque, meninas, mãe é mãe.
Nós conhecemos nossos filhos melhor que ninguém, nunca esqueçam. Só peço que
continuem sendo discretas, por enquanto, para que o teu pai não tenha um
infarto, mas não deixem de viver esse amor de vocês. Prometo que vou moldando a
cabeça dura dele aos pouquinhos.
"E sejam
livres dessas rédeas, por um amor bem mais perfeito. Por um beijo a qualquer
tempo e em total aceitação...".
*ODILON, Andrei. Um quê de poesia. Janeiro, 2015.
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Comentários
Um grande abraço, grande amigo!
Por uns instantes parecia que eu tava lendo roteiro de novela das oito.
Sua prosa tá cada vez melhor e mais madura, sua caracterização de personagens e evolução narrativa.
Gostei bastante da "surpresa" do conto! Não imaginava que Heline fosse o vértice do triângulo amoroso principal, foi criativo :)
Parabéns por esse conto novo, que venham outros tão bons e interessantes quanto esse.