Crítica: É o fim da música?
O
canal pago Multishow exibiu na última terça-feira, 01, a vigésima edição do
Prêmio Multishow de Música Brasileira 2015 e, como já era de se esperar, a maior
parte dos músicos premiados pelo público são os mais contemporâneos possíveis. Lucas Lucco,
por exemplo, ganhou na categoria de "melhor cantor"; a "melhor música" foi “Ritmo
perfeito”, o funk pop de Anitta e como "música chiclete", “Eu não merecia isso”,
interpretada por Luan Santana. E o ator global José de Abreu, na quarta-feira,
criticou em seu twitter: “O fim da música! Em noite de homenagens, Prêmio
Multishow consagra Anitta e Luan Santana...”. Será mesmo o fim da música, como
disse o ator da novela “A Regra do Jogo”?
Realmente,
os cantores eleitos pelo público não tem as vozes mais belas e as letras muito
menos e mesmo que o funk, sertanejo ou o pagode não sejam nem um pouco os meus
gêneros musicais favoritos, acho arriscado dizer que seja o fim da música. É claro
que se for comparar a qualidade musical e poética desses artistas com os
consagrados ícones da MPB ou do Pop Rock, Anitta ou Luan Santana passariam por uma certa humilhação. Aliás, na mesma premiação foram homenageados Caetano Veloso e Gilberto Gil pelos seus 50 anos de carreira. Além de
Cal Costa, Ivete Sangalo, Anitta, Ana Cañas e Maria Gadú terem interpretado
canções destes, ambos também, em seguida, cantaram suas composições e sucessos,
mostrando a diferença drástica entre os músicos da geração deles com a
atual. E essa homenagem só comprovou uma coisa: assim como na vida, o cenário
musical vive de fases.
Hoje
em dia não vemos mais músicas com um cunho político ou ideológico como ocorreu
na década de 70 e 80, e quando isso ainda acontece é algo mínimo. Porém, músicas que
abordam traição, erotização do sexo feminino, festas, melancolia e o amor são
as mais ouvidas, e isso no funk, sertanejo, pagode, samba, axé, justamente os
ritmos que mais tocam em festas, rádios, rodas de amigos, enfim. Nos anos 90 e
nos anos 2000 predominavam um outro público e uma outra cota de artistas, assim
como nesses últimos anos nos deparamos com artistas diferentes. Ou seja, é uma fase. Da mesma forma que há um tempo
em que nós estamos cheios da grana e um tempo depois sem dinheiro pra nada, há
um período em que determinados gêneros musicais estão mais vinculados no meio
social que outros. E para que isso aconteça, há uma dependência de um outro fator importantíssimo:
a mídia.
O
Multishow, assim como qualquer outro evento de premiação, não seleciona os
cantores mais afinados ou a música com letra de maior qualidade poética do ano para concorrer,
mas sim aqueles que mais tiveram foco na mídia. Se determinado
grupo musical foi indicado não significa que ele possa ser julgado de qualidade
ou não, isso quer dizer que suas músicas estiveram em rádios, que ele foi a vários
programas de TV, que seus clipes tiveram bastantes visualizações, enfim, que o
seu trabalho teve um grande apelo midiático. A cerimonia não elege o que mais
tem qualidade, elege o mais
popular e/ quantitativo. Por isso que o voto é feito pela internet e pelo público. É bom
ressaltar que há duas outras premiações: do júri especializado e do super juri,
em que as categorias são bem menores e os artistas quase não conhecidos. Por que?
Porque quem os escolhe são jornalistas e críticos, ou seja, quem “entende do
assunto” ou que, pelo menos, tenha uma visual e gosto diferente da população.
Anitta respondeu ao twitter de José Abreu com
o seguinte comentário: "Ou o início de uma
nova fase, já que estamos falando de jovens. E você, votou no seu preferido
para que fosse diferente?". O ator, portanto, não deixou por menos
e devolveu à cantora: "Como dizia Nelson Rodrigues: 'Envelheçam'. Coitados dos
ouvidos jovens. Acham que ouvem música. E confundem pouca idade com novo. O
velho está no cerne do que consideram ‘novo’". Por fim, José de
Abreu teve a época dele e Anitta está vivendo a dela. É uma briga de gerações? Um
público de uma geração é melhor que o outro? Não. Não há um melhor nem pior aí;
talvez hajam as produções mais bem trabalhadas no quesito musical, porém é tudo muito diferente e novo para dizer que chegou o fim da música por estes motivos. O cenário musical
mudou porque a sociedade também mudou. E se as músicas já não são consideradas
tão boas quanto antigamente é porque o comportamento e a atitude das pessoas também
já não são os mesmos. São bons ou ruins? Não sei. Só sei que quanto mais
diverso e eclético, mais interessante é o mundo da música.
Comentários
Vc tratou da temática de modo bastante maduro e imparcial, numa análise coerente e sensata, sem desrespeitar nenhum dos lados em debate.
Concordo plenamente com seu ponto de vista, o cenário musical mudou porque a sociedade também mudou, e as manifestações artístico-culturais refletem as características dinâmicas da sociedade que as produz. O "preconceito" com a cultura popular, das massas, não pode fechar nossos olhos.
Refletindo sobre o caso em questão, devemos lembrar que as músicas consideradas consagradas e de qualidade hoje em dia - as músicas engajadas politicamente do passado, que você comentou - foram, na sua época, alvo de críticas dos setores tradicionais. Hoje em dia, esses artistas, já maduros, reproduzem sutilmente esse mesmo comportamento, em relação às músicas da geração atual. O liberal de hoje é o conservador de amanhã. O Luan Santana de hoje é o José Abreu do futuro.
Com sabedoria e maturidade, vc afirmou muito bem: Quanto mais diverso e eclético, mais interessante é o mundo da música :)