Novela: Ardente Traição. Capítulo 2
Ardente
Traição - Capítulo 2
- Mas se
você quiser, eu fico aqui para te ajudar com o Samuca. – forcei, mas ela não
deu o braço a torcer. Aisha se vestiu apressadamente e agiu como se a noite que
passamos juntos tivesse sido estritamente casual. Poderia até ser para ela,
mas não para mim. “O melhor da briga é fazer as pazes”, eu ouvia dizer. Naquele
momento havia dado certo, nós nos entendemos, mas dali em diante eu não tinha
tanta certeza do que aconteceria. Iria depender muito mais de mim e das minhas
atitudes.
Aisha
vestiu um roupão, prendeu seus cabelos avermelhados e gritou para Samuca: “Já
vai, filho!”. O nosso bebê chorava desesperado pelo colo da mãe.
- Se
vista também, Narciso! – ordenou-me e me apressei o máximo que pude. Mila, a jovem babá de Samuca, não poderia me ver daquele jeito. Pegaria mal. – Anda, Narciso! Calma, filho! Não acredito que ele chorou
aqui ao meu lado e eu não ouvi... – reclamava-se.
Com a
roupa toda amarrotada, mas me vesti. Aisha abriu a porta e imediatamente pegou
Samuca no colo, e ele imediatamente se calou. Mila arregalou os olhos quando me
viu, virou a cara e tentou disfarçar.
- Pode
voltar a dormir, Mila. Eu fico com ele. – dispensou Aisha. Mila me deu uma
última olhada, bem discreta, e se retirou. A garota deveria ter uns dezoito
anos, com um jeito de menina, mas um corpo de mulher. Ela me atraía, porém eu
só conseguia me concentrar em Aisha e me lembrar da nossa noite. Trinta anos de
idade, e me sentia como um garoto de quinze, dezesseis, encantado com aquele
mulherão.
Aisha deitou-se
novamente na cama, posicionou Samuca no colo e ficou acariciando os cabelos
claramente avermelhados dele. Iguais aos dela. O nosso bebê, de dois aninhos
agora, era tão parecido, tão bonito quanto a mãe. Seu rosto angelical e suas
lágrimas na bochecha me comoveram. Toquei nele também e o beijei na costa.
Samuca estava perfumado, meio suado, mas com um aroma leve de perfume de criança.
Ele, no colo de Aisha, formava uma imagem das mais poéticas. Fiquei ali, feito
idiota, sentado numa posição torta, deixando minha coluna pior do que já era, mas
os observava. Eles estavam na minha frente, e eu estava meio longe, nos meus
próprios devaneios. Era a mãe de meu filho e meu filho juntos, os dois quase
adormecendo, até que Aisha despertou.
Minha
ex-namorada piscou várias vezes, posicionou-se melhor junto ao travesseiro, acomodou
Samuca e me contou, baixinho:
- Se tudo
der certo, vou fazer uma apresentação hoje à noite, na Praça Ramalhete, lá
pelas sete horas.
- Você
está me convidando para te ver dançar? – perguntei, contente e cheio de
esperanças. A Praça Ramalhete era uma das mais arborizadas e bem movimentadas
da cidade de Dia Branco, onde Aisha e o grupo de dança que participava se apresentavam
com frequência. Foi a primeira vez que recebi um convite dela. Aquela
arrogância se distanciava. – Você está me convidando? – repeti a pergunta. Ela
riu como se eu tivesse dito que ainda creditava em Papai Noel e respondeu:
- Não.
Acontece que... – ela parou e voltou a falar, porém um pouco mais alto – não
sei se a mamãe vai poder ficar com o Samuca e a Mila vai para a casa dela daqui
a pouco. Então...
- Tudo
bem, eu fico com ele, sim. – de prontidão. O meu domingo à noite não
seria ao lado de minha ex-mulher, mas de meu filho. Do meu garotinho. Eu estava
feliz do mesmo jeito. Aisha sorriu aliviada para mim e agradeceu.
- Eu te
confirmo mais tarde.
- Certo.
Vou indo, então. – beijei meu filho nos cabelos e em seguida a beijei nos
lábios. Um selinho. Um selinho para finalizar aquela manhã. Aisha me sorriu
rapidamente e voltou a dar a atenção ao nosso filho.
Saí do
prédio com a cabeça nas nuvens. Nem me lembro de ter entrado no meu carro.
Sentia-me outra pessoa. Uma noite vendo meu filho brincar e dormir e a
madrugada entrelaçado com a minha ex-mulher me deixou um bocado emotivo e
bastante confuso. Pensativo. Piegas. Nem eu estava me reconhecendo.
Parecia outra pessoa, o que não era algo realmente ruim. A dura realidade, no
entanto, bateu à porta assim que eu a abri. Entrei no meu apartamento, que não estava realmente bagunçado, e me deparei com alguns notebooks e netbooks em
cima da mesa da sala, os quais eu já deveria tê-los consertado.
Danilo,
meu amigo e ex-colega de universidade, e eu éramos sócios da loja “Associação
dos Notebooks” e tínhamos a meta de restaurar não somente essas máquinas, mas
outras relacionadas à informática. Danilo era um pouco mais novo que eu (ele
com 25 e eu com 30), e vivia cheio de ideias novas e se dependesse dele teria
ampliado a Associação havia muito tempo. Alguns clientes diziam que nós éramos
irmãos, pois nossa pele morena, nossos cabelos curtos e o corpo meio forte
faziam as pessoas pensarem que tínhamos algum parentesco, embora não houvesse
nenhum. Uma única diferença entre nós dois: ele era mais falante e bem
mais namorador que eu. Meu coração ficou um tempo quase fechado por não estar mais com
Aisha. Quase fechado.
Entrei no
banheiro e tomei um banho sem azáfama. A água não seria poupada naquele banho.
Por mim, permaneceria debaixo do chuveiro por mais uns longos minutos, mas a
água era um líquido quase em extinção e não poderia ser desperdiçada assim.
Depois que saí do banho, vesti apenas uma cueca e um short, me perfumei e fui
tomar café. A fome nocauteava meu estômago. Dava-me um apetite de touro depois do sexo. E devorei dois mistos quentes com café enquanto assistia a um
filme na TV a cabo.
Com o
estômago farto, peguei um dos notebooks para consertar. Havia dois na sala e um
no meu quarto. Um era de uma prima que não sabia a utilidade do antivírus e o infestava de vírus a cada vídeo que baixava,
outro de um vizinho barulhento e o terceiro era de uma garota negra, de longos
cabelos e de corpo sarado, que tive um caso curto. Suspeitei que ela, Raquel, estivesse
ficado comigo apenas porque precisava de alguém para dar um jeito no computador.
Ela foi à Associação, mas a loja já estava fechando e eu sugeri que o levasse, verificasse o problema em casa e a procuraria para notificar o defeito. Daí, marcamos de nos encontrar em um barzinho, nós ficamos e o conserto foi de graça,
porém, não tivemos nada sério e agora que já não estávamos mais tendo nada o reparo seria cobrado. Eu iria
cobrá-la, com um desconto, mas iria. Boa parte do que eu ganhava com a
clientela de fora, eu dividia com Danilo. Era justo, na minha opinião. Todos
sabiam da loja, e sabiam que dessa forma, sendo reparado por mim, por fora, o
valor não seria tão alto.
Levei a
manhã toda para consertar o notebook da ex-ficante. Eu não cobraria mais caro,
embora eu guardasse uma certa mágoa dela, e nem motivo aparente eu tinha, já
que fui eu quem decidiu que não ficaríamos mais. Ela me chamou de imaturo e
cínico, unicamente porque o sentimento que eu tinha por Aisha ainda era
vivo e eu tinha a esperança de que estando solteiro e mostrando que eu não a
havia traído com ninguém nós voltaríamos a namorar. Raquel, além de ter dito
que de nada adiantaria eu esperar por Aisha, ficou um tempo sem falar comigo,
mas depois me pediu, friamente, para verificar um novo problema em seu notebook.
Ela falava de Aisha como se a conhecesse, mas eu sabia que as duas nem sabiam
da existência uma da outra. Mas Raquel era passado. Aisha era presente e também
fazia parte do passado. Aliás, minha ex-namorada não me ligava, mesmo que
fosse apenas para uma simples informação, eu queria ouvir a voz dela de novo, mas
ela não telefonava.
Esquentei
o almoço que a diarista havia deixado na tarde do dia anterior, almocei
enquanto assistia uma série americana, depois voltei para consertar um outro
computador. Era uma peça simples que estava com defeito, nele não demorei
tanto. No último, tive que fazer mais instalações, remover peças, trocar placa,
enfim, problemas técnicos. Eram quase cinco da tarde quando estava praticamente
no fim da restauração, e justamente quando meu telefone celular tocou: era meu
primo Roan.
- Primo,
preciso falar com você. É urgente. – Roan, com voz chorosa. Assustado, pedi que
fosse até meu apartamento. – Então abra a porta. - Ágil, meu primo já estava do
lado de fora. Assim que a abri, ele me abraçou abruptamente. Chorava no meu ombro.
Dei uns tapinhas na costa dele e fechei a porta. Deixei-o chorar. Não era a
primeira vez. O motivo era o mesmo de sempre.
- Brigou
com a Taila de novo? – e o soltei.
- Como
você sabe? – Roan secava os olhos, soluçando. Parecia uma criança chorando por
ter caído de bicicleta.
- Porque
não precisa ser esperto pra deduzir. – servi-o com um copo de água, e bebeu de
uma vez só. Antes de perguntar qual o motivo da briga dessa vez, sentei-me em
frente ao computador e voltei ao restauro. Faltava pouco para que ele ficasse em
perfeito estado. Apenas mais uns programas para instalar. – Pois bem, o que
houve dessa vez?
Perguntei,
mas não dei muita atenção nos lamentos de Roan. Jairo e eu estávamos acostumados
a ouvir os desabafos dele. Enquanto eu ainda tinha uns flertes, embora não
esquecesse Aisha; Jairo agia como na época que namorava Cassandra: traindo-a; e
Roan era quase um santo; jamais negava nada o que Talia desejava, mas sempre
brigavam e quem mais sofria era ele.
Verifiquei
se havia alguma mensagem ou ligação de Aisha. Nada.
- Ouviu?
– Roan perguntou, afobado. – Você nem tá me ouvindo, primo!
-
Desculpa, Roan. Tô esperando ligação da Aisha. Ela disse que...
- Pelo
menos você ainda vai receber ligação dela. Taila terminou comigo e eu nem sei o porquê. Foi morar na casa dos pais e só. Não me deu uma explicação coerente:
disse que a gente precisava se separar. Saiu e pronto. Cara, tô
sem chão. – e se afundou no sofá. Era um texto batido. Os dois brigavam e voltavam. Só que dessa vez, ela saiu de casa.
- Pronto.
Terminei de consertar o último computador. – comemorei.
- Porra,
você nem tá me ouvindo, Narciso! – reclamou mais uma vez e com razão. Pedi
desculpas e Roan amarrou a cara. Meu celular, enfim, vibrou. Uma mensagem de Aisha.
Algo me dizia que eu a veria mais uma vez, ainda que fosse para receber meu
filho. Li o texto e vi que eu estava errado. Samuca iria ficar com dona Nina,
minha sogra.
Roan se
levantou, sacudiu meu ombro e fez um convite que se tornou irrecusável, já que
eu não seria mais babá do meu filho:
- Vamos
beber! Preciso afogar as minhas mágoas.
Esperto,
fiz um charme.
- Não
sei...
- Vamos, preciso
afogar minhas mágoas, descontar na cerveja... Eu pago!
- Tá ok.
Vou me arrumar. – com essa proposta eu não negaria o convite.
-
Narciso?
- Oi?
- Você
ainda gosta mesmo da Aisha, né? – Roan segurava um porta-retrato que estava na estante, com uma
foto minha, ao lado de Samuca e Aisha. Confirmei e o deixei na sala.
Tomei um
outro banho, escolhi a camisa azul menos amarrotada, perfumei-me
e saímos. Roan já visitara minha casa antes, sentia-se tão à vontade que logo
usara meu perfume e meu desodorante. Cada um foi no seu carro até o Bar das
Onze, que dispunha dos ambientes externos e internos, localizado próximo ao
prédio onde eu morava. O lugar estava agitado, mesmo para um fim de tarde de
domingo e imediatamente liguei para Jairo. Ele, Roan e eu sempre que podíamos
nos reunimos para sair à noite. E tinha uma conta para acertar com
ele. Jairo dormiu com Aisha e nunca me contou. Sem vergonha.
Ao
chegarmos, o garçom, conhecido nosso, logo trouxe uma cerveja e dois copos sem
antes saber o que queríamos. Ainda angustiado, Roan me perguntou o que havia de
errado consigo. A separação dos dois, pelo que ele me explicou mais uma vez,
parecia ser definitiva. Era comum que discutissem, mas não era comum que Taila
saísse de casa e ainda por cima sem dar devidas explicações. Era como se
estivesse fugindo de Roan e não dava motivos sensatos para isso. Eu tinha
liberdade para falar o que quiser a ele, pois além de ser o meu primo e amigo, eu era também seu padrinho de casamento. Franco, lembrei que eles casaram ainda
muito jovens, com vinte e cinco anos, com menos de um ano de
namoro. Jamais acreditei que Taila o amasse de verdade.
- E por
que você não me disse isso antes? – perguntou-me, revoltado.
- Por que
você iria ficar furioso comigo.
- Iria
mesmo.
A minha tática
era de fazê-lo tirar Taila da cabeça ao menos por alguns segundos e Jairo,
enérgico, chegou naquele exato momento. A chegada dele chamou a atenção das
mulheres que estavam sentadas nas mesas ao lado e mais ainda na mesa do nosso
lado esquerdo. Uma moça de cabelos negros e meio gordinha nos olhou de esguelha
e voltou a beber um copo de suco – eu tinha a suspeita de que a conhecia de
algum lugar. Jairo realmente era um rapaz bonito, de cabelos loiros, quase
brancos, um rosto afável e um corpo de atleta. Um tipo de galã. Isto é, se a
intenção era de ir a uma balada para paquerar garotas ele não era uma boa
companhia, pois ele sozinho já tirava a concentração das mulheres do local.
- Bebendo
uma hora dessas! É assim que eu gosto! – e nos abraçou, falando alto. Notei que a moça gordinha nos observava. Aquilo estava me incomodando. Jairo pediu um
copo e mais uma cerveja. Roan teve que contar tudo de novo sobre sua briga com
Taila e disse ainda que estava ganhando muito melhor no seu novo emprego, numa
concessionária. Tornou-se gerente e contribuía para um faturamento da empresa,
apesar de uma crise financeira que o país enfrentava. Como ele estava na minha frente, meu primo não percebia a moça gordinha na mesa ao lado, de
costas pra ele, o fitava, já na companhia de outra amiga. Não
era de espantar. Roan era um cara de chamar atenção de qualquer pessoa com seu charme. Jairo estava bem arrumado, com os cabelos loiros penteados,
como um mauricinho, e seu perfume exalando a distâncias. Ou talvez elas
estivessem interessadas em mim. Quem sabe. Sendo modesto, eu até que era um rapaz interessante. Mas ainda assim, a única que me interessava era Aisha.
Marcava
mais de sete da noite, o Bar das Onze estava fervilhando e eu estava feliz
porque Roan já nem tocava no nome da Taila. A única pessoa, talvez, que
entendia o que acontecia com Taila seria Aisha, que eram amigas havia muito
tempo. Jairo, com álcool na cabeça, e
de olho em uma moça que estava dentro do bar, destilava asneiras atrás de
asneiras. Ele e Roan exigiam
que eu contasse em detalhes sobre a minha noite com Aisha. Quanto mais meu primo
e meu amigo bebiam, mais indiscretos ficavam. “Ela é gostosa pra caralho, né,
meu primo? Aqueles cabelos vermelhos... Aquela boquinha... Nossa! Vocês devem
ter fodido a noite toda”. Jairo não se controlava e completou:
- Sabe
que eu sempre tive vontade de transar com a Aisha? Aquele corpo, nooossa...
Esse
comentário falso me lembrou do que Aisha me revelara. Olhei-o com reprovação e disparei:
- Você é
repleto de cinismo.
- Eu? Por
quê?
- Jairo,
a Aisha já me contou que vocês transaram.
Jairo
engoliu em seco. Desconcertado, passou a mão no rosto e bebeu mais um gole da
cerveja.
- Não
fique sem graça, parceiro. – e, com a paz no coração, assumi: - Eu já
fiquei com a Cassandra também. – e ele se espantou do mesmo jeito. Roan
permanecia calado. Jairo não reprimiu a gargalhada, que chamou atenção de
todos, inclusive da moça ao nosso lado. – Mas acho que essa foi a única vez
que Cassandra te traiu, cara. Ao contrário de você, que a traiu na despedida de
solteiro do Roan, e ela ainda te perdoou!
- Graças
a Deus!
- Mas não
arrisque tanto, cara. – aconselhou Roan.
- Então
vamos fazer um brinde a essa parceria! – propôs Jairo, de olho para o interior
do bar. E brindamos, rindo como três patetas. – Agora, continue contando sobre
sua noite com Aisha.
Com o
álcool na minha cabeça, eu ainda acrescentava mais detalhes íntimos. A minha
curiosidade, contudo, falou mais alto e perguntei a Jairo:
- Se você soubesse que a Cassandra continua te traindo? O que você faria, hein?
Jairo
afastou o copo de cerveja, se aproximou mais de mim, e, circunspecto, me
respondeu:
- Cassandra não
continua me traindo. Não vou perguntar o que deu em você, que é meu amigo, para
ficar com a minha mulher, e também não vou perguntar a ela, unicamente por
consideração a você. Mas o que vocês fizeram foi errado, principalmente ela,
que é minha mulher e me deve respeito. Acho que foi um momento de fraqueza dos
dois, e tenho certeza que isso não vai mais se repetir. – terminou, ainda mais
sério. Foi esporádico, em tantos anos de amizade, que o vi falando
com tanta rigidez.
Até que
Jairo deu um pulo, eufórico, e disse que iria se encontrar com uma moça que estava
dentro do bar.
- A gente
se vê depois, meus amigos! – e nos deixou, empolgado. Era comum Jairo fazer
isso: abandonar os amigos para ir atrás de mulher, e que não era a dele. Mais
um chifre que Cassandra levaria. Ela era um verdadeiro alce. E Jairo, o pior dos sacanas. O machismo dele me surpreendeu.
A moça
de cabelos pretos enviava mensagens no celular.
Sobrávamos
apenas Roan e eu, como no início e ainda iríamos beber mais para afogar nossas
mágoas. Ainda tínhamos muito a nos divertir. Mas a minha alegria murchou quando
vi uma moça alta, morena e de cabelos curtos vindo atrás dele e na nossa
direção. Era Taila. Com todo respeito à mulher (ou ex-mulher) de Roan, ela
era linda demais. Estranhando por ter encontrado o marido (ou ex-marido) ali,
num bar, Taila o cobrou, sem ao menos me cumprimentar:
- O que
você faz aqui, Roan?
Meu primo
levou um tremendo susto.
- A gente
mal se separa e você já vem para um bar encher a cara? – quis saber Taila, com
as mãos na cintura, num tom irônico.
- Dê ao
menos um “Oi” ao Narciso. – exigiu Roan. Ela me deu um sorrisinho forçado e refez
a pergunta a ele. – Vim beber. Você disse que queria se separar, foi embora
para a casa de sua mãe e eu vim beber. Era pra eu ficar chorando por sua causa?
Um
orgulho dos grandes pulsou no meu peito com a defesa do meu primo. Era dos
meus. Roan, em muito tempo, não se rebaixou.
- Não, mas tô surpresa. Achei que você foi rápido demais. Parece que está feliz com a
nossa separação. Mas tudo bem. É assim mesmo.
Chata,
metida e incoerente. Taila ficava ainda mais bonita. Não sei como ela e Aisha
eram tão amigas.
- Não tô entendendo,
Taila. O que você quer de mim? – questionou meu primo.
- Eu
estava ali numa mesa, lá atrás e vi que tem duas assanhadas aqui atrás só de
olho em vocês. – enciumada, contou. Roan e eu rimos, confusos. – Quer saber?
Vou entrar. Estou esperando umas amigas. Continuem bebendo e dando bola para
essas aí. – desdenhou e entrou no bar. A área interna estava enchendo, tocando
um sertanejo ao vivo e animado.
- Taila é
estranha, não é? – Roan a observava entrar.
- As
mulheres são estranhas, meu primo. – retifiquei. Roan não tirava os olhos de Taila.
Eu sabia exatamente o que ele queria. – Vá atrás dela, primo. Vá.
- Mas e
você, Narciso?
- Vá.
Roan
sorriu, parecendo que havia achado 20 reais no bolso da calça, me abraçou amigavelmente e entrou. Nem me dei o trabalho de observá-los. Eu sabia que isso
iria acontecer. Mais cedo ou mais tarde, Roan voltaria correndo para os braços
da esposa. Mas não resisti a curiosidade. Olhei para trás e os vi. Taila o
evitava, fazendo charme. Eram dois cafajestes. Meu parceiro de bebida entrou e
me deixou sozinho.
- Oi. –
uma moça cheirosa, atrás de mim. Era Raquel. A garota do notebook. A
garota que eu dispensei, mas me procurou tempos depois querendo novo conserto
para o notebook. Ela vestia uma calça jeans e uma blusa vermelha, que fazia uma
combinação perfeita com sua pele negra e sua bolsa preta. Seus lábios carnudos e
sua beleza exótica me sequestravam a atenção. Numa mulher, na verdade, o que eu
mais notava era a boca. E a de Raquel era pura safadeza, mas perdia para Aisha. Levantei-me,
nos cumprimentamos com um beijo no rosto e a convidei para sentar.
- Que
surpresa te encontrar por aqui. – ela comentou, contente.
- É, vim
tomar umas cervejas com meu primo e um amigo.
- E cadê
eles? – perguntou, procurando-o.
- Eles
entraram. Meu primo tinha brigado com a esposa, mas ela apareceu e eles já
entraram pra ver o show. – expliquei, rindo. Raquel se mostrou surpresa. E estava
cheirosa. Muito cheirosa.
- Ah, ele
que é marido da Taila?
- É sim. -
Raquel me contou que conhecia Taila, só não me disse de onde. Eu não fazia
ideia disso. O mundo era pequeno demais, e a cidade de Dia Branco era ainda menor. Vendo que os dois já tinham
se entendido, Raquel preferiu ficar me acompanhando na bebida e entrar alguns
minutos depois. Nós conversamos bastante. Sobre seu notebook que dava defeito
quase que o tempo todo; a sua segunda graduação, de veterinária; na pretensão de viajar par fora do Brasil para visitar os pais, entre outros assuntos. Eu já
havia parado de beber quando verifiquei o horário: passava das nove. Espantada
com a hora, Raquel perguntou:
- Bom, eu
não vou trabalhar cedo amanhã. A gente poderia emendar daqui, se você quisesse.
Você quer?
Qualquer
outro cara na minha idade e solteiro, diria um sim. Um cara esperto. Eu não
tinha nada com Aisha, mas as esperanças estavam vivas. Aceitar passar a noite
com Raquel seria, para mim, meio que uma traição com a minha ex-mulher, ainda
que não fôssemos namorados. Como um idiota, respondi, sem graça:
- Acho
melhor não, Raquel. Eu... Preciso acordar cedo amanhã. Acho que você me
entende.
- Tá
legal. – disse, com tristeza. – Vou ao banheiro, dar um “oi” à Taila e já vou,
então.
- Deixa que eu pago.
Raquel
sorriu e entrou. Aproveitei para verificar no celular. Nas redes sociais, para
tentar disfarçar a mancada de dar um fora numa mulher linda feito Raquel,
que, aliás, levava um fora meu pela segunda vez. Corajosa, e deveria
estar de fato interessada em mim. Mas eu, não sei por que, não achava certo me
relacionar com outra mulher que não fosse Aisha.
Eu ainda
bisbilhotava as redes sociais quando Raquel voltou. O facebook estava na mesma
chatice daqueles dias: ora difamavam o PT, ora discutiam sobre o filme “Batman
vs Superman”.
- Bom, eu
já vou. Há um táxi ali. Vou logo nele. – informou-me com Raquel. Beijou-me no
rosto e pude sentir seu perfume mais uma vez. Sentir seus lábios carnudos no
meu rosto. Eu perderia essa chance, mas era melhor assim. – Amanhã eu vou ao
seu apartamento e pego o notebook. – disse e se retirou.
Sentei-me
novamente e voltei a rolar pela página do facebook. Teria sido melhor desligar
o celular. Aisha havia postado uma foto com outro cara. Um rapaz negro, bem
apessoado. Eu não teria sentido ciúmes nenhum se eles não estivessem na maior
intimidade, mesmo que fosse apenas um selinho. Não dava pra saber o nome, pois não foi marcado na publicação. Sem pensar duas vezes,
levantei-me fui até o táxi que Raquel estava. Fiz o motorista parar de dirigir.
- Fui
muito burro. Muito burro, Raquel.
- Han?
- Fui.
Muito burro. Você ainda aceita emendar a nossa noite? Ainda quer?
Raquel
sorriu, mas não respondeu.
Comentários
Relacionamentos humanos são complexos hehehe.