Curiosidades: As Canções de Amizade no Pop Rock Brasileiro (2)

Estranho é gostar tanto do seu All Star azul... é o refrão de All Star, do cantor e compositor Nando Reis. A carreira-solo dele emplacou após uma perda no mundo da música nacional: a sua amiga e cantora Cássia Eller sofreu um infarto do miocárdio seguido de parada cardiorrespiratória no dia 29/12/2001 e faleceu. A influência dela na carreira do ruivo se deve não só à amizade, mas à vasta e produtiva parceria musical. No álbum póstumo Dez de Dezembro (2002), Cássia interpretou All Star, canção criada em julho de 1998 que retrata a Amizade de ambos, o sentimento de Nando sobre sua amiga. A resenha dessa semana, assim como no ano passado, tem o tema de Amizade, com duas músicas: All Star, de Nando Reis, interpretada por ele, Cássia Eller - e, recentemente, por Sandy e o grupo de pagode Bom Gosto - ; e Meus bons amigos, do Barão Vermelho - que já foi gravada por uma banda de rock que eu nunca tinha ouvido falar até a pesquisa para esse texto, chamada Rastaclone.

             Nando Reis ganhou de sua mãe, nos anos 70, um tênis de cano alto da marca All Star. Foi durante uns ensaios na gravadora que o contato entre ele e Cássia Eller se amplificou e também nesse mesmo período Nando notou um All Star azul de cano baixo que ela usava. Em um ensaio seguinte, ele calçou o tênis propositalmente para fazer uma bossa pra ela, como explicou no programa Por Trás da Canção, do Canal Bis (2014), e quando ela o viu com o tênis, exclamou um Uaaau!. E por que Se o homem já pisou na lua/ como ainda não tenho seu endereço? Nando Reis tinha o costume de ir visitá-la, no bairro das Laranjeiras, e passavam horas conversando, até que ele, certo dia, quis enviá-la uma carta e percebeu que embora a visitasse com frequência, não sabia o endereço exato. Nando, então, telefonou-a e pediu todos os dados. Depois, a intérprete de Malandragem recebeu várias cartas do amigo, porém nunca o enviou nenhuma – acho que, atualmente, Cássia Eller visualizaria, mas não responderia as mensagens do coitado.

A amizade de Cássia Eller e Nando Reis iniciou como parceria musical até se tornar uma paixão pura, sem lascividade. Ela mostrava as cartas que recebia dele para as suas amigas e dizia: Ele tem um jeito de escrever que me deixa louca e definia os textos de Nando como uma sensibilidade única. O afeto entre eles prova que dois amigos, do mesmo sexo ou não, podem nutrir amor mútuo, uma paixão virtuosa, sem veneno ou malícia. Mas ainda há quem duvide de amizades assim, pois as pessoas ainda tem a mente muito perversa e fechada. Como foi com Nando e Cássia. A imprensa, na época, especulava um namoro dos dois. É uma coisa transcendente [o sentimento entre eles], um estágio muito acima do que a maioria das pessoas está acostumada a viver, mesmo para um relacionamento amoroso, dissertou Eduardo Belo, um dos biógrafos de Cássia Eller. E se All Star é o símbolo musical de uma amizade, Meus Bons Amigos, do Barão, aborda o sentimento de forma mais generalizada, racional e menos específica.

Meus Bons amigos foi composta por Gutto Goffi, Mauricio Barros e Fernando Magalhães, do álbum Carne Crua, de 1994. Magalhães foi o segundo guitarrista e vocal da banda, participando entre 1986 e 1989. Desde a saída de Cazuza, um desagrado a todos os integrantes, o Barão Vermelho começou a ter desfalques. Houve desavenças, ocasionando algumas desistências, como a do baixista Dé, da formação original, que deixou o grupo em 1990. A partir daí, o sucesso despencou e Barão Vermelho suava para reconquistar o público. A relação de amizade entre os barões, no entanto, era mais forte que as brigas ou a carreira em quase em decadência, como exemplifica Meus Bons amigos, que foi feita em cima de um riff – criado por Fernando, e marcava em sua letra a reconciliação sempre que possível entre os amigos (NEVES, Ezequiel; GOFFI; Gutto; PINTO, Rodrigo. 2007).

           Na letra de Meus bons amigos, o narrador-personagem se pergunta do paradeiro e pede notícia de seus amigos, já se respondendo nos versos: Cada um fez sua vida/ de forma diferente/as vezes me pergunto/ malditos ou inocentes?. Os amigos, ou alguns deles, mudam de localidade, se afastam, nem sempre mantém o contato, às vezes ficam anos sem se ver pessoalmente e em uns casos nem através da internet. Porém, a amizade não se resume à presença física ou distância. Amizade é confiança, lealdade, companheirismo, afeto. A amizade, assim como o amor, tem que ser desfrutada com cuidado, com sinceridade. Uma prova se realmente há amizade é quando os amigos brigam e sabem se reconciliar, admitem os erros, aprendem que os amigos são diferentes um do outro, imperfeitos, e quando se reencontram depois de anos, tem-se a impressão que nunca se distanciaram.

               O amor sem fim/ não esconde o medo/ se ser completo/ e imperfeito é o refrão de Meus bons amigos, que centraliza a ideia de que amizade é a forma pura do amor, um sentimento necessariamente imperfeito, e somos incompletos quando estamos sem nossos amigos ou de mal com eles, como se dizia na minha infância. Há amigos que são mais íntimos, como irmãos e que o amor e a amizade se tornam um só. E Nando Reis descreve All Star com toda amabilidade que sente pela amiga: A Cássia é muito inteligente, brilhante, engraçada, um senso de humor ágil... Era uma conversa que me intrigava, me interessava e eu muito repaginado pelo descobrimento de tudo aquilo, da nossa música, pela riqueza das nossas conversas... Daí, ficou um pouco louco, porque essa conversa ‘que não terminamos ontem e ficou pra hoje’ é essa conversa que não terminou e ficou eternizada por essa conversa que realmente não terminou, porque a Cássia morreu muito cedo.... Nando Reis pausou e finalizou com um semblante taciturno e o pensamento longe. Ou nem tão longe assim...

Referências:

https://www.letras.mus.br/barao-vermelho/44425/

https://www.vagalume.com.br/nando-reis/all-star.html

BELO, Eduardo; LANDI, Ana Claudia. Apenas uma garotinha: a história de Cássia Eller. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005.

NEVES, Ezequiel; GOFFI, Gutto; PINTO, Rodrigo. Barão Vermelho: Por que a gente é assim. São Paulo: Globo, 2007.