Crônica: O menino que ganhou um livro/ CHEGARAM NOVOS LIVROS!
- Eu já vi todos os filmes. – me respondeu
um garoto, do fundão, quando eu perguntei à turma quem já havia lido os livros
de Harry Potter. Foi no dia 7 de abril, quando minha amiga Milene Araújo e eu
fizemos, cada um, uma palestra para duas turmas do 9º ano do Ensino Fundamental
na Escola Manuela Freitas sobre nossas profissões - ambos da área de
jornalismo, embora eu tenha focado mais na minha tão recente carreira de
escritor. – Eu vi todos os filmes, mas não li nenhum livro.
- Por que não? – perguntei.
- Não tenho como comprar. – respondeu o
aluno. Os poucos cabelos que tinha eram louros e baixos. Meio num impulso pelo
interesse dele durante a palestra, propus:
- Se eu conseguir o primeiro livro do
Harry Potter pra ti, tu vais ler?
- Vou. Vou sim.
- Vou ver se compro e vou te procurar.
– não foi uma promessa, mas encarei como se fosse.
A recepção que Milene e eu tivemos
pelas duas turmas e pela coordenação da Escola Manuela Freitas foi a mais calorosa
e empolgante que poderíamos ter. Então, comprei um exemplar usado do primeiro
livro da saga de J. K. Rowling para presentear o estudante. O livro intacto. Novo.
E hoje, 26/05, retornei à escola para ministrar a oficina Harry Potter e a Pedra Filosofal – das páginas para as telas, com o
intuito de evidenciar aos estudantes as diferenças e semelhanças entre a obra literária
e a cinematográfica, num dia de feira cultural. Eu tinha pisado na
instituição e um garotinho me recebeu na porta com o seguinte cumprimento:
- Fala, professor Victor Victório!
Porém, o que me impressionou foi ao
entregar o livro ao menino da palestra.
Antes de começar a primeira oficina,
conheci José Seltom, um rapazinho que era fascinado por Harry Potter e não quis
largar o meu exemplar de A Pedra
Filosofal.
- O senhor vai ficar aqui até meio dia?
– me perguntou Seltom. - Posso levar pra ler lá fora?
Feliz ao presenciar a vontade do estudante em continuar lendo o livro, permiti. Expliquei-o sobre o outro garoto – que eu nem
sabia o nome – e ele disse que o traria até mim. Primeiro, ele chegou com o
colega errado, o Leonardo. Depois, Leonardo voltou com Kael.
- Claro que eu lembro do senhor. É o professor
Victor Victório. – me disse Kael, apertando minha mão, ao perguntá-lo se ele se
lembrava de mim. Sentom estava sentado ao meu lado, lendo uma terceira página
do meu A Pedra Filosofal. E eu, sem
forças para levantar de uma carteira já após a primeira oficina, recordei Kaell sobre a palestra:
- Lembra que eu disse que te traria o
primeiro livro de Harry Potter?
- Lembro.
- Pois é. – tirei da minha mochila o
exemplar que havia comprado. – Ele não é novo, mas é como se fosse. – e entreguei
a ele. – Toma. É teu.
Kaell segurou o livro sem acreditar no
que ouvia. Sem piscar os olhos, apontados para a obra de Rowling, ele perguntou:
- É meu?
- É.
- É meu? Não é emprestado?
- Não. É teu. Tu disseste que ia ler
se eu encontrasse um pra ti.
- O senhor tá me dando um livro?
- Tô.
- Cara, obrigado! – Kaell apertou a
minha mão.
- Mas vais me prometer que vai ler,
hein!
- Claro! – segurando o livro com as
duas mãos como se ele pudesse fugir - Eu já vi todos os filmes, mas não li
nenhum livro!
- E se alguém quiser emprestar, tu
emprestas.
- Ei, tu vai me emprestar assim que tu
acabar de ler, Kaell! – afirmou Seltom, desgrudando-se da leitura.
- Ah, mas não vai rasurar meu livro! –
foi a condição de Kaell. A conversa sobre o empréstimo do livro me tirou boas
risadas. Até que ele estendeu a mão para apertar a minha como um novo agradecimento.
– Cara, muito obrigado, de verdade! - mas logo o gesto de cordialidade se
transformou em um abraço. Mas não foi um abraço qualquer. Não foi aquele abraço
curto, educado, de tapinhas nas costas. O garoto me abraçou como se tivesse
encontrando um amigo que não via há anos, de modo que não o queria largá-lo. Kaell
segurou em mim, agradecendo ininterruptamente. – Muito obrigado por ter me dado
o livro! Eu nem tô acreditando... É meu! – ele poderia ter me soltado, mas me
apertou num outro abraço. O meu abraço sorria.
Kaell utilizou de outras palavras para
demonstrar a gratidão, mas não me recordo quais foram exatamente. Hoje em dia,
por mais liso que eu esteja – e posso dizer isso pelos meus amigos leitores -,
quando compro ou ganho um livro tenho uma sensação de alívio, uma pontada de
felicidade. No entanto, depois de hoje, vejo que é fácil ir à livraria ou uma
feira de venda e troca e sair com um livro, novo ou usado, nas mãos. Porém, no
abraço que recebi do garoto senti que o livro representava não o material em si, mas alguém valorizando um outro alguém, acreditando na capacidade e nos sonhos do outro, e o quão sou grato pela minha estante cheia de
páginas amarelas, brancas, lidas, folheadas, rasuradas, limpas, finas, grossas, pela influência que tive da minha
mãe desde cedo comprando gibis da Turma
da Mônica e Harry Potter pra mim,
do incentivo de meu pai, tios e amigos quanto ao blog e ao Inseparáveis, minha primeira produção impressa. Eu comprei
A Pedra Filosofal a um menino que eu
nem conhecia direito, juntando moedas e notas do que restou do dinheiro da
minha bolsa, porque aquele garoto me transferiu uma verdade que nem eu havia
percebido. E era nessa verdade que eu estava acreditando. Porque se não acreditarmos na força de vontade de uma criança e no que ela pode fazer com um livro, um violão, um lápis de cor, uma régua, ou com qualquer outro instrumento artístico, não há mais esperanças pra nada.
Quando a última turma entrou, ouvi
vários “Oiii!”, “Fala, professor Victório!”.
- Pelo visto – iniciei quando os
estudantes se “quietaram”, - acho que vocês se lembram de mim...
- Você é o escritor Victor Victório! –
prontamente, um menino moreno de cabelo enrolado.
- Ah, vai ter sorteio de livro hoje,
professor? – perguntou uma menina loirinha. – Oba! – gritou com a resposta
positiva. No fim, Seltom foi me devolver o meu livro.
- Tá aqui. Li até a quarta página. Obrigado. – me entregou. Ele não devia estar nada
contente em se despedir do livro. O Harry Potter e a Pedra Filosofal era meu, e eu já o tinha lido tantas vezes... E e eu, que piro de ciúmes dos meus livros e CDS/ DVDs, convivi e aprendi tanto com meus amigos escritores/ leitores... Acredito que livro numa estante é passarinho preso na
gaiola. Não vive, não explora, não germina conhecimento. E texto só é texto quando se é lido. Livro tem que ser lido. Conhecimento foi feito para ser compartilhado.
- Bom... Acho que vou fazer um estágio
aqui em agosto... Se tu quiseres, eu posso te emprestar... Queres?
- Quero sim! Eu vou ler bem rápido! Cara,
a minha irmã vai morrer de inveja porque eu vou ler o livro do Harry Potter...!
O melhor de hoje foi ver crianças –
ainda que poucas - com gosto pela leitura, contentes por segurarem um livro, encantadas
ao lembrarem os livros que leram ou alucinadas ao ganharem um livro de
presente. De alguma forma, creio que eu esteja sabendo incentivar esses
pequenos à leitura e quero poder fazer mais isso. Espero que com minhas
produções e com as minhas futuras aulas como professor eu possa aproximar os
estudantes do ato de ler. Acho que uma sensação tão boa como essa que tive hoje
vai ser quando o Max me pedir livros de presente...
E, sim, o Inseparáveis está disponível
para venda! Caso você queira, seu lindo leitor, é só me chamar!
Comentários
E sim, é verdade o que você disse sobre o ato de dar um livro à alguem significa valorizar esse alguem, acreditar nele e no seu desenvolvimento.
Existe uma frase bastante conhecida por aí que diz que "dar um livro, além de gentileza é um elogio".
é como ao dar um livro você dissesse sem dizer alto: x eu te acho muito inteligente/ confio na sua capacidade, por isto estou lhe dando um livro!
Tenho muita certeza de que você vai tocar muitos alunos, e lhes apresentar o mundo da leitura.
Já és diferente desses professores chatos de hoje em dia que oferecem textos de literatura brasileira de sec passados para individuos que não estão habituados ainda ao prazer de ler.
você sabe como usar a isca e o anzol.
Aquele menino nunca mais vai esquecer dessa historia. tenho certeza. quem sabe é o primeiro livro dele. sei la.
Parabéns mano! Abraços.
Cheguei meio tarde, já tem comentários lindos por aqui.
Não sei se posso acrescentar mais alguma coisa ao que já disseram.
Achei INCRÍVEL seu relato, transmitiu sentimentos sinceros, e deu pra captar bem a importância do trabalho que vc desenvolveu nessa escola. Muito mais do q incentivar a leitura, vc tá incentivando sonhos e mudança de vidas.
Vc não tinha me contado sobre o livro que vc doou ao garotinho! Que atitude linda! Se vc tivesse comentado comigo q ia fazer isso, teria comprado outro e te dado pra doar tbm!
Vc percebe o q está fazendo? Vc tá fazendo a diferença. Não tá apenas dando uma palestra que vai ser esquecida em alguns dias, vc tá ajudando crianças a acreditarem em dias melhores, num futuro melhor. E isso não há dinheiro que pague.
Que Deus abençoe vc e sua profissão, pra q mts crianças e jovens sejam iluminados pela sua luz. E concordo com o Igor, vc tá no caminho certo pra se tornar do tamanho q vc realmente é. Vc é do tamanho dos seus sonhos e do seu coração! :)