Conto: O Brigadeiro
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revisão textual
Jéssica Katarina
(cursando licenciatura em Letras Língua Portuguesa - UFPA)
- Por
favor, você pode segurar isso pra mim? Não vou demorar. - pediu uma moça de
corpo esbelto, óculos quadriculados de armação vermelha, com um trincado no
meio de uma das lentes, vestido florido e longo e um batom também avermelhado.
Ela tinha um rosto estranhamente familiar. – Obrigado. Prometo não demorar. – e
saiu correndo, posicionando no ombro uma grande sacola.
As férias
de julho estavam quase no fim. Tiane foi à praia, a festas, visitou os avós no
interior, dormiu até tarde... No último domingo de férias, acordou cedo. Com
uma repentina disposição e vontade de beber uma água de coco, Tiane vestiu uma
roupa confortável e foi à Praça do Sol. O seu último domingo de férias
terminaria acumulado de tédio, iniciando com uma saborosa água de coco.
Para um
último domingo de julho, a Praça do Sol não estava nada preguiçosa. Como todo
fim de semana, estava repleta de crianças, casais de namorados, vendedores de
balões, papais fotografando seus filhotes... E um único banco vago disponível.
Havia uma barraquinha de água de coco quase ao lado dele. Tiane comprou um cocô
pesado, com dois canudinhos nele e sugou a água. O adocicado refrescante
respingou nos lábios e percorreu por todo o seu organismo, devastando a sede. A
manhã ensolarada levou um banho de correntezas da água de coco. As gotas de
suor desapareceram com o derramar das gotas do fruto.
Antes que
alguém ocupasse o banco, Tiane se sentou, sem perceber que outra pessoa sentara
junto. Com o coco no colo, observava uma criança correndo desembestada atrás de
um cachorro no gramado. O pai corria desembestado atrás dela. Dois rapazes
tagarelavam sem pausas e com gestos exagerados, pouco masculinos. Aquela manhã
fora a mais relaxante de todos os seus dias de férias. Tudo aconteceu como
programara. Tiane viajou para onde quis e com os amigos mais próximos. Tudo
ocorreu conforme planejava. Nada de errado a atrapalhou. E o último domingo de
férias seria assim: o mais tranquilo e natural, como o frescor de uma água de
coco.
- Oi,
tudo bem? – uma garota que Tiane nem lembrava estar ao seu lado perguntou. A
moça disse que iria ao banheiro, não poderia levar “isso” e pediu para Tiane
segurar até que voltasse. Era uma grande caixa azul de plástico, com uma
embalagem de fonte infantil escrito “DOCES DA FAFÁ”.
- Tá, eu...
– Tiane olhou para os lados e viu a moça, com uma bolsa nem um pouco pequena
nos ombros, andando apressadamente. Ela não teve tempo de concordar. Pôs o cocô
ao lado para segurar melhor a caixa. Desconfiada, olhou furtivamente para os
lados e a abriu. O perfume achocolatado invadiu suas narinas e abraçou seu
estômago. Pequenas bolas com confeitos coloridos, de chocolate ao leite,
branco, de cocô, e um suspeito com aroma de café. Na caixa havia mais dois
compartimentos, nos quais mais doces perfeitamente redondos a ocupava
parcialmente. Alguns eram maiores, esverdeados, do formato de uva, outros com
um pequeno caju no meio e outro que era o favorito de Tiane: o casadinho. Olhou
novamente para os lados, ainda mais desconfiada, mas ninguém prestava muita atenção
nela. Aqueles brigadeiros eram da moça, uma desconhecida, quiçá a tal Fafá. E
por que uma desconhecida deixaria em suas mãos uma caixa abarrotada de
brigadeiros com ela e sairia correndo?
- Ah,
achei você!! – aqueles garotos que conversavam sem parar foram até Tiane, mas
se espantaram ao vê-la de perto. O rapaz que falou com ela usava uma camiseta
preta, larga, que poderia caber sem problema mais um dele. – Desculpa, acho que
nos enganamos...
- Você
não é a Fafá. – o outro rapaz concluiu. Ao contrário do outro, sua camiseta
apertava na cintura cheia. – Mas está com a caixa de brigadeiros dela...
- Pois é,
olhem... – Tiane se perdeu nas palavras. Estava mais confusa que eles. Algo de
errado não estava certo – A moça dos brigadeiros teve que ir ao banheiro,
mas...
- Ah,
tudo bem. – o rapaz de camisa folgada, sem esperá-la terminar. – Quero quatro.
– e a entregou duas notas de dois reais – Escolhe dois aí, meu primo.
Perplexa,
Tiane abriu a caixa e deixou que os dois pegassem os quatro brigadeiros.
Parecia errado, mas teve que guardar o dinheiro no seu próprio bolso e quando
Fafá voltasse – e torcia para que fosse logo – repassaria a ela. O primo da
mesma estrutura corporal que o brigadeiro mastigava um casadinho de olhos
fechados, lambendo os lábios, em transe, num beijo de uma boca só. Os dois se
despediram de Tiane com um aceno e se distanciaram conversando de boca cheia.
As notas
não eram de Tiane. Nem os brigadeiros. Vendeu-os involuntariamente. “Vendeu”.
Nem de brincadeira trabalhou como vendedora. Jamais cozinhou arroz, muito menos
para vender. Os seus brigadeiros de panela ficavam somente na panela. Ou seja,
não tinha dotes culinários, nem talentos de vendedora. Mal sabia multiplicar. Era
a pessoa mais tímida da família. Relacionar-se com o público não estava na sua
lista de preferências. Ter vendido um brigadeiro e recebido um dinheiro que nem
era seu foi impensável. O remorso empanturrado, Tiane fechou a caixa, sugou de
uma só vez a água que ainda restava no coco, entregou ao vendedor e saiu
decidida a devolver os doces à verdadeira vendedora.
Porém,
nem dois passos foram corridos quando outro rapaz chegou até ela. Os cabelos e
o corpo molhados de suor, com uma postura charmosa que fez sair um “Uau” da
boca de Tiane. Ele tirou duas moedas de um real do bolso e, como se fugisse da
polícia, entregou à Tiane e perguntou:
- Tá
vendo aquela garota sentada ali? – maneou a cabeça para uma jovem baixinha,
sentada na grama com um yorkshire de um laço rosa na cabeça. Brincava com o
bichinho como se fosse um bebê. – Entregue dois brigadeiros de café a ela e
diga que a espero no local de sempre às 18h.
- Ham?
- Pode
não parecer, mas faz todo sentido. – disse o rapaz, de um jeito sonhador, e
saiu aos pulos. “Que cara estranho”, pensou Tiane. Guardou as moedas no bolso
da bermuda e foi até a dona da cadelinha.
- Bom
dia. – cumprimentou, se achando uma idiota. - Um rapaz lhe pagou dois
brigadeiros. – aproximando a caixa, já aberta, para ela escolher os doces. –
Ele disse para você pegar dois de café, e que ele a espera no local de sempre,
às 18h.
- No
local de sempre, é? – a moça perguntou, retirando os dois brigadeiros. – É, faz
todo o sentido. – rindo para si, enquanto a cadelinha latia amalucadamente para
a dona. – Obrigada.
O sorriso
de Tiane foi o mais sem graça que poderia presentear a alguém. Voltou à procura
de Fafá. Numa única volta na Praça do Sol foi surpreendia por uma moça de
tranças estilo afro, rosto sisudo, comprando brigadeiros mesmo não podendo
comer.
- Eu sou
alérgica! E você sabe disso, Fafá! Mas não quero saber! Vou comer assim mesmo!
– revoltava-se, retirando dois brigadeiros de café com seus braços nada
musculosos, mas de personalidade vigorosa.
- Mas
você vai comer assim mesmo? – Tiane perguntou, receosa. Se arrependeu de
imediato.
- Eu vou
comer, sim! Quer saber?! Vou levar um casadinho! Vou chegar em casa e vou
encontrar mais chocolate, eu sei. Sabe por quê? – e deu a ela uma nota de cinco
reais. – Porque a minha mãe não tem noção e vai comprar mais doces, sabendo que
eu sou alérgica! – Tiane tirou duas moedas que havia recebido há pouco e
entregou a ela. – Ah, hoje eu tô revoltada. Já não bastasse um doido na padaria
falando bobagens pra mim... – e saiu falando sozinha. Assustada, não só porque
foi confundida com a própria Fafá, mas porque a cliente estava exaltada, Tiane
pediu aos céus para que encontrar a dona dos brigadeiros. Tudo o queria era
encerrar o último domingo de férias com uma simplória água de cocô. A primeira
meta de férias não alcançada.
Encontrou,
no entanto, mais duas pessoas querendo brigadeiros nessa única volta na praça.
Um homem mais velho, gorducho, com uma garotinha álacre de cabelos enrolados
parou Tiane.
- Quantos
posso pegar, tio? – a menina perguntou, atacando a caixa com os olhos.
- Cinco,
Marta. Pode escolher. – permitiu o tio, de uma maneira fraternal. A menina
escolheu um de cada sabor, já pondo um na boca e depois o tio escolheu mais
dois.
- Tio
Alcemir, se a gente encontrar a Fafá de novo, posso comprar mais um? –
perguntou Marta, se distanciando. Mais uma vez, uma freguesa a confundiu a com
verdadeira vendedora. E não foi só ela. Um moça avoada, que sorria para o
vento, e um senhor mais velho que o avô Tiane também pensavam que ela fosse
Fafá.
Ao abrir
a caixa de doces, se espantou com a pouca quantidade de brigadeiros. No total,
sobraram oito. O cheiro novamente derrubou as narinas de Tiane. Ela olhou para
os lados e se viu, curiosamente, ao lado do mesmo banco que havia sentado assim
que chegou à praça. Pôde ter certeza porque reconheceu o vendedor de cocô.
Tiane se sentou no banco, como se tivesse cometendo algum tipo de crime,
retirou um dos casadinhos, sentiu o cheiro do achocolatado e do cocô,
açucarando seu coração, e quando o doce estava quase encostando na boca, ouviu
um grito:
- Até que
enfim encontrei você! E... Nossa.
Os óculos
de lente trincada por pouco não escorregaram pelo nariz de Fafá. Ela o
sustentou mais acima, com os olhos dilatados na caixa de brigadeiros. Que
estava quase sem nenhum brigadeiro. Havia algo nela que Tiane lembrava
alguém...
- Você comeu
todos os bri...
- Quê?!
Não! – Tiane colocou o casadinho de volta na caixa e a tampou, envergonhada. –
Está aqui. – colocou a caixa ao lado e tirou as moedas e notas do bolso. – Aqui
tá o dinheiro dos brigadeiros que eu vendi. – Fafá estendeu as duas mãos para
receber o dinheiro. – Eu não tive a intenção de vender, mas quando eu vi...
- Você
conseguiu vender tudo isso? – Fafá contava o dinheiro, espantada. – Eu não tô
acreditando.
- Nem
eu... Ah, e desculpa, eu ia comer um brigadeiro porque...
- Porque
você merece! – Fafá guardou o dinheiro na sua bolsa que mais parecia uma mala e
pegou a caixa de brigadeiros. – Escolha quantos você quiser. Fique à vontade.
- Como é?
- Você
vendeu quase todos os brigadeiros!
- Tá,
mas...
- Eu
disse que fui ao banheiro, mas na verdade fui encontrar uma amiga que veio
devolver meu celular. Eu esqueci o celular na casa dela e quase fico doida de
preocupação. – contou rindo o próprio esquecimento – Depois encontrei uma tia
que encomendou alguns casadinhos. Por isso eu demorei tanto. – explicou Fafá,
se desculpando. O rosto magro dela, com o queixo fino e testa discreta de
repente a fizeram entender por que os fregueses a confundiam com Fafá.
- Ei!
Sabe de uma coisa? Nós somos parecidas!
As duas
se olharam como se estivessem admirando um espelho borrado.
- Acho
que somos. – concordou Fafá, rindo da garota com seus largos lábios
avermelhados. – Ah, pegue. Escolha o que você quiser.
Dois
casadinhos foram tirados da caixa de doces. Mas antes que Tiane pudesse
agradecer, Fafá teve que se despedir.
-
Desculpe se eu te atrapalhei. – pediu Fafá.
- Não me
atrapalhou, mas fiquei assustada. Nunca vendi nada na vida. E aconteceram
algumas coisas estranhas... Os seus clientes são sempre tão animados?
- Ah,
são. – respondeu, com uma risada mordaz. – Tem dois primos, um gordinho e um
magrinho, que sempre pagam um pro outro; tem também uma moça que é alérgica,
mas vive comendo brigadeiro, e, uma vez, um rapaz deu em cima de mim!
- Jura? –
perguntou interessada.
- Juro!
Até disse que eu tinha traços da Penélope Cruz! Acredita?
- Ah,
então eu também tenho, porque quase todos os clientes me chamaram de Fafá!
As duas
riam e conversavam como se fossem amigas íntimas falando dos paqueras, contudo
Fafá teve que se despedir.
- Eu vou
ter que ir agora. Mas muito, muito obrigada mesmo! Você foi um amor! Agora
tenho poucos brigadeiros pra vender.
- De
nada.
Com um
rápido abraço, Fafá se despediu e saiu andando lentamente, segurando o vestido
florido para não ser empurrado pelo vento. Tiane ouviu um súbito ronco
estomacal e sem perder tempo deu a primeira mordida no casadinho. O cocô tinha
um beijo de doce de leite, cremoso e confeitado. Comer o casadinho a transferiu
para a infância, às festas de crianças, em que pegava os docinhos antes dos
parabéns e comia escondido dos outros. Seu paladar deu uma cambalhota de
felicidade ao sentir o chocolate se derramando e o confeito açucarado estalando
na sua boca. Tiane não soube dizer por quanto tempo ficou ali, em pé, de olhos
fechados, se deliciando com o casadinho. E numa única mordida, saboreou o
último doce, porém mastigou lentamente para aproveitar melhor o gosto. Era como
um orgasmo em forma de brigadeiro.
Tudo o
que Tiane pretendia daquele último do domingo de férias era degustar uma água
de coco num banco da Praça do Sol, mas seus planos foram mudados em cima da
hora. E seu maior desejo agora era chegar em casa, preparar e se lambuzar num
alucinante brigadeiro.
Comentários
Vc sempre arrasa com seus contos maravilhosos!����
Pa-ra-béns. Sou tua fã.
Eu querooooo!!!
Descobrimos então que Victor aparentemente tem uma queda por quem vende brigadeiros, hmmm q interessante... Hahahahaha ^^