Conto: De surpresa
- Gê, tu me amas?
- Amo. O
que tu queres?
- Creedo!
Tu achas que eu sou tão interesseira assim?
A
risadinha discreta de Gê respondeu a pergunta de tom exagerado de Simá.
- Só um
pouquinho.
-
Creeedo... Mas sim, assiste Naruto comigo hoje? – era esse o interesse de Simá,
viciada em Naruto.
- Só se
tu assistires Dragon Ball.
- Fechado.
– concordou, com um selinho no namorado. Dois jovens na faixa dos vinte anos,
loucos por desenhos animados.
- Te amo,
sabia?
- I know.
– outro beijinho, ele respondeu.
Eu os
observava de longe. Eles apoiavam as mãos dadas na coxa de Gê. Nem perceberam
que eu havia chegado. Me sentei alguns degraus da arquibancada atrás deles. Se
tivessem me visto teriam me chamado pra fazê-los companhia. Mas não. Eu não
queria mais ser a vela oficial, embora eles não fossem tão grudentos quanto
parecia. Simá e Gê formavam um casal inspirador. Os cachos dela se alisavam nos
espetados dele. A mão magricela dela se enroscava na mão gorducha dele. Os
dentes afiados dela se juntavam aos lábios carnudos dele. A maquiagem ousada
dela combinava com a tatuagem afetiva dele. Quando Simá chorava, Gê a abraçava.
Quando Gê se entristecia, Simá o acolhia. A família toda de Simá gostava de Gê,
talvez até mais que dela...
Meu
telefone vibrou. Mensagem de Ella. A gente trocava mensagens todos os dias. De
manhã, à tarde, à noite e quando tínhamos insônia. O namorado dela só não
poderia saber. Ele tinha ciúmes de nós dois, porém não a fazia companhia. Ella
ainda gostava muito dele, por isso não colocava um fim na relação. Com esse
ponto final, eu a pediria em namoro. Todos sabiam que eu era caidinho por ela.
Meu amigo Ivo me ouvia falar dela quase vinte e quatro horas por dia. No fim,
ele dizia que existia alguém que realmente gostava de mim, mas nunca falava
quem era.
- Oi,
casal! Oi, Beno!
Ivo nos
cumprimentou, sentando-se ao meu lado e colocando seu velho violão deitando nas
suas pernas. Simá nos chamou para sentar ao lado dela e de Gê, porém recusamos
o convite como candelabros. Meu amigo usava um boné escuro para cobrir a
careca. Abraçando-o, o perfume dele grudou no meu rosto.
- Acho
que foi com esse seu perfume que tu conquistaste a Malí.- brinquei, soltando-o,
com um sorriso malandro.
- Quê? Eu
não conquistei a Malí. Não conquistei ninguém. – Ivo arregalou os olhos. Ele se
irritava com as minhas piadas sobre ele e Malí, uma garota da nossa turma que
tinha uma tara nele.
- Sei...
– encerrei pra não estressá-lo. Estiquei as pernas e os braços, me
espreguiçando. Meu celular vibrou de novo. Respondi mais uma mensagem de Ella.
Ivo olhou de esguelha para o aparelho e perguntou:
-
Tu serves de vela para o Gê e Simá e ainda é o ombro amigo pra Ella. Cara, essa
garota não vai terminar o namoro pra ficar contigo! Ela te faz de otário!
Travei e
guardei o celular. Fiquei descontente com o que ouvi.
- E se
fosse com você, Ivo? Se você gostasse de alguém como eu gosto da Ella você
desistiria? Tenho certeza que você faria de tudo para dar um beijo nessa
garota, nem que fosse um único beijo!
Ivo
suspirou com um sorriso tristonho, ao mesmo tempo que parecia me achar um
grandessíssimo idiota.
- Não,
não desistiria. Ainda não desisti. Ainda vou dar esse único beijo...
- Não
desistiu? Então você realmente tá a fim de alguém! De quem é?! Me fala!
A
risadinha debochada de Ivo respondeu que eu ficaria sem resposta. Ele pegou o
violão e o colocou em posição de quem iria tocar uma música.
- Só peço
pra tu ficares mais atento. Fica correndo atrás de uma garota comprometida, de
quem não gosta de ti de verdade... Tu podes ter alguém do teu lado que gosta de
ti verdade e tu... Ainda não notaste...
- Tu
estás falando de quem? – perguntei, sem entender porra nenhuma do que ele
estava falando.
- Ivo,
toca aquela música aê! – Simá gritou! Era uma música que Ivo compôs para um
festival na escola, tocando no piano. Ficou em primeiro lugar. Nem pra mim ele
confidenciou quem o inspirou para criar aquela canção. Ele posicionou o violão,
dedilhou rapidamente, aqueceu a voz e iniciou os primeiros acordes. Uns
dedilhados únicos e depois um ritmo leve, meio dançante.
Não faz
assim, não
Não diga
que não vai além
Do que
nós podemos ter.
Meu amigo
tinha a voz afinada e muito tranquila. Dava gosto de ouvir.
Meu
celular tocou. Ella.
Sim, eu
pensei sim.
Assim
como você diz
Eu não
abro mão de um par...
Me
distanciei para ouvir melhor.
Era tudo
o que eu esperava ouvir.
Sendo
assim
Prefiro
arriscar...
- Eles
terminaram. Eles terminaram! – avisei, como se alguém tivesse ganhado um prêmio
e o ganhador tivesse que vir pegar comigo. Eu era o premiado. – Ella quer que
eu vá na casa dela agora!
Simá e Gê
sorriram sem graça. Não gostavam de Ella. Não seriam falsos a ponto de
desejarem felicidades, sorte ou outra coisa. Ivo parou de tocar. Se levantou,
deixou o violão ao lado do casal e foi até mim. Pôs a aba do boné para trás e
perguntou:
- Tu vais
ver a Ella, né?
- Vou. –
respondi, inseguro. Ele agia de um jeito estranho. Agastado, mais sério que de
costume.
- Pois
bem, vou te dizer uma coisa. Mas não quero que tu faças nada depois do que eu
disser. Nem me procure depois disso. Eu também vou sumir por uns tempos.
- Você
vai dizer o...
Ivo não
disse. Fez. Puxou meu rosto para junto do dele, sem avisar. Sem avisar, me
puxou para um beijo. Eu tentei me soltar, mas ele não permitiu. Com uma das
mãos, Ivo me segurava pela cintura. Com os lábios, me segurava num beijo.
“Vamos
embora, mô?”, Simá perguntou.
“Sim,
sim...”
Eles nem
se moveram.
Os lábios
de Ivo tinham um gosto de menta. O perfume dele inundou minhas narinas. As mãos
de meu amigo tocavam meu rosto com calma. Algo em mim ordenava soltá-lo,
empurrá-lo. Algo em mim pedia para o tempo engatinhar.
Porém
aquilo não estava certo. Era maluquice. Foi como se eu caísse em mim. Soltei-o.
Minhas mãos se fecharam e atingiram Ivo no rosto. Foi impensável. Gê correu
para acudi-lo, mas Ivo o afastou. Simá estava com as mãos tapando a boca.
- Eu
preferi arriscar. – disse Ivo, pegando o violão. - Eu disse que faria de tudo
por um beijo da pessoa que eu gosto, nem que fosse o único. – com a mão
massageando o rosto, desceu os degraus e foi embora.
Nós
ficamos ali, parados. Fiquei sem ação.
- Amigo,
teu celular... – avisou Simá. Aéreo, não o senti vibrar. Era Ella. – Não vais
atender?
Atendi.
- Oi,
Beno... – a voz de Ella suavizou a tensão de ter recebido um beijo de meu amigo
e ter dado um soco nele, em seguida. – Acho melhor você não vir não. Eu e o
Cássio decidimos conversar... Vamos tentar reatar... Beno...?
Desliguei
o telefone.
- Pra
onde vocês acham que o Ivo foi? – tentando esquecer o que acabara de
ouvir.
- Ah,
vocês vão ficar de novo? – Simá esperançosa. – Eu shippo vocês dois!
- Que “shippo”?!
Eu vou pedir desculpas a ele, sua doida! – assegurei. Apesar de o beijo não ter
sido realmente ruim, ele não se repetiria. Eu não sentia nada por Ivo que não
fosse amizade. Precisava pedir desculpas. Me despedi do casal e desci as
escadas.
Agarrado
à namorada, Gê perguntou:
- Tu
esperavas por isso? – com as bochechas sorridentes.
- Eu não!
Tô chocada até agora! – respondeu, no seu natural tom de exagero. – Eu tu achas
que a Ella ainda fazer o Beno de besta?
- Tenho
certeza... Ella pede pra voltar e Beno vai correndo atrás.
- Por
isso eu digo que eu amo só quem cuida de mim... – Simá o
beijou na boca.
- Sendo
assim, prefiro arriscar... – Gê ria entre os beijos.
- Ah,
tenho que ir. Vou compras as coisas pro meu aniversário...
Gê roubou
um beijo da namorada.
- A gente
tá muito casalzinho de início de namoro. – comentou Simá, devolvendo o
beijo.
- É
verdade. Aliás, eu te amo, sabia? – Gê perguntou, brincando com os enrolados da
namorada.
- I know.
Comentários
Tava esperando uma participação da Ella mais ativa, dá curiosidade pra saber o q aconteceu depois!
Legal qnd os personagens e os enredos são interessantes e cativantes, q dá mt vontade de continuar.