Resenha: As 5 de Cazuza
Revisão textual: Tassiane Santos
O cara que eu mais admiro no mundo da
música fez 62 anos ontem, dia 04/04. Sim, fez.
Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, deixou um legado em forma de canções: quatro
álbuns de inéditas com o Barão Vermelho
e seis na carreira-solo. E o porquê de ele ser o meu maior ídolo? A
personalidade de Cazuza abraça muito do que eu admiro e detesto em alguém;
reflete o que eu gostaria de ser/ dizer e o que eu jamais seria/ diria. De um
jeito ou de outro, me encontro e me perco nele, e / ou na arte dele.
Vou listar aqui 5 canções que mais me detonam, me refletem e me enlouquecem do
repertório de Caju[1].
Virão os lados A e B, okay gatíssimos?
5. Blues da piedade – O som na introdução dela já é de te puxar pelo braço e de pirar a cabeça. De 1988, do álbum Ideologia, fruto
da parceria de Cazuza e Frejat, Blues da
Piedade é daquelas canções que confrontam, sobretudo quem está no poder, ou
quem acha que tem o poder. Pode se referir às “autoridades políticas”, aos
fanáticos religiosos, aos preconceituosos, aos mesquinhos, aos hipócritas, a
todos aqueles que a gente prefere distância. É uma obra aos miseráveis que vagam pelo mundo derrotados, às sementes mal plantadas... que não sabem amar. Muito da veracidade
de Cazuza está em Blues da Piedade. Vale
lembrar que já foi gravada por Cássia Eller e há uma versão insólita em que
Cazuza divide o palco com Frejat e Sandra de Sá. E é de se arrepiar o solo de
Frejat. A guitarra chega a te maltratar de tão fodástica. No fim, Blues da Piedade mostra que nós, seres humanos, com todos os nossos breus e luzes, somos
iguais em desgraça e o que nos resta é pedir
piedade, senhor, piedade, pra essa gente careta e covarde. Clique aqui para assistir ao vídeo da canção.
4. Down em mim – Assim como
em Blues da Piedade e em tantas
outras, Down em Mim traz grandes
metáforas. De 1982, do primeiro disco com a Barão Vermelho, Cazuza soma a
autoria com polêmico músico Lobão, não somente nessa, como em Mal Nenhum e em Vida Louca Vida. A maior demonstração de bad talvez esteja em Down em
mim, até pelo próprio título. Nela, há toda a fragilidade na força de um indivíduo,
entre a vida e o que há em seus destroços mais profundos; é quando tu te vês no
fundo do poço, seja lá por quais motivos forem. Quem começaria uma letra com Eu não sei o que meu corpo abriga/ Nessas
noites quentes de verão/ E nem me importa que mil raios partam/ Qualquer
sentido vago de razão bem bem beeem não tá, não... Em Down em mim, o teclado de Mauricio Barros, na introdução, já te
adianta ao sofrimento mais enérgico que essa canção te oferece. E o solo de
guitarra – mais uma vez um solo de guitarra, oh Pai amado! – te dá vontade de
tomar numa vez só aquela taça de vinho que tá na tua mão. Ou aquele suco
de uva. Com álcool ou sem, o que importa é a nossa própria vala. Clique aqui para assistir ao vídeo da canção.
3 – Minha flor, meu bebê – tem uma leve sacanagem na essência,
uma pegada Bossa Nova. Da carreira solo de Cazuza, do álbum Ideologia, de 1988, criação dele e de
Dê, baixista do Barão Vermelho, na época. Pode-se dizer que há um narrador numa
situação de submissão à sua amada, sem se importar se é visto como um canoa[2], até
porque não o convencem, não, que seja tão
ruim. Ele aceita essa submissão, mas se defende: Quem ama nesta vida, às vezes ama sem querer/ e a dor no fundo esconde/
uma pontinha de prazer. Curto essa canção e não é de hoje. Em 2006, usei Minha flor, meu bebê para puxar assunto
com uma garota, no Sophos, a Taís Resque, que já não está mais entre nós. Eu a
vi cantando lindamente pela praça do colégio e me fingi de burro cantarolando enquanto Taís bebia água no
bebedouro. “Tu conheces essa música?! Eu adoro ela!”, disse a garota,
empolgada. Daí, aos poucos, nasceu uma amizade. Clique aqui para assistir ao vídeo da canção.
2. Todo amor que houver nessa vida
– é também uma
parceria com Frejat e do primeiro álbum do Barão, num ritmo animado. Já foi
gravada por tanta gente...[3] porém quem
a apresentou primeiro foi Caetano Veloso, quando a interpretou, em 1983, num show no
Canecão, no RJ, para o lançamento do disco Uns.
Cantou e, no fim, elogiou o compositor: “é o melhor poeta da sua
geração”. Ao livro “Só as mães são felizes” (2004), de Lucinha Araújo em
depoimento a Regina Echeverria, Caetano discorreu: Todo amor que houver nessa vida é uma obra-prima. Cazuza era um romântico autêntico. Isso foi o que
deu a ele um poder de comoção muito grande, porque ele era cem por cento
autêntico e a gente sentia. O som que Caetano e outros ícones da MPB
trouxeram pra essa canção é de mais leveza, característica meio de fora na letra. Composta por metáforas inteligentes e pesadas, o narrador busca, em suma, um
amor carnal, inebriante, alucinógeno, com pouco (ou nenhum, se assim tu
entenderes) de sentimentalismo. Tudo o que ele quer é ser teu pão, se tua comida, todo amor que houver nessa e algum remédio
antimonotonia. Clique aqui para assistir ao vídeo da canção.
1 – Codinome-beija flor (Clique aqui para assistir ao vídeo da canção) – sou cada vez mais louco por essa
canção. É do primeiro disco solo, de 1985, o Exagerado. Ela já evidencia o lado mais delicado de Cazuza, cujo
sentimento quase não era expresso quando estava no Barão Vermelho, por ser “uma
banda de rock”. De acordo com a Revista Bravo (2010), numa edição especial
sobre o artista, Cazuza a compôs num
hospital, em que beija-flores rondavam a janela do seu quarto. Este dia,
aliás, já se tratava do “primeiro susto” atingido pela doença, como conta
Lucinha Araújo, na biografia: Colocamos
água com açúcar nos recipientes próprios para que os passarinhos exibissem seu
bailado encantador na janela. Zeca e meu filho fizeram juntos a letra e deram para
Ronaldo Arias musicar Codinome beija-flor. Foi a primeira internação do
músico, aos 27 anos. Barão Vermelho também já regravou no DVD de 2005, e de um jeito singular: com o áudio e vídeo de Cazuza no fundo. Codinome é mais uma obra cheia de metáforas, com uma singularidade
ímpar, que eu não consigo resumir a vocês. Só sei que, nesses dias de
isolamento, a vontade que eu tô de dizer
segredos de liquidificador na orelha fria de alguém é muita...
Mas, mano, é melhor deixar quieto...
[1] Segundo a revista
Bravo (2010), era o apelido usado pelo ator Sérgio Maciel, que namorou por 4
anos com Cazuza.
[2] Como se diz ao cara
que obedece tudo ao que a namorada pede/ manda.
[3] Cássia Eller, Maria
Bethânia, Gal Costa, Leila Pinheiro, Frejat...
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