Conto: A sala escura
Obs.: Este conto ainda passará por revisões textuais mais minuciosas.
Estela bufava. Andava tão rápido que
poderia atropelar qualquer um que entrasse no seu caminho. O primeiro
atropelado seria Artur. Ele era o chefe, mas não era o chefe master. Mesmo
assim, agia como se fosse. E por razões bobas, infrutíferas. Emotivas. Ainda
não acreditava que ele fosse tão bonzinho. Se o filho dele trabalhasse na
empresa, diria que era nepotismo. Mas, de fato, não era esse o caso.
De braços cruzados, com a cara mais feia
do quem está varado de fome, Estela perguntou, invocada:
- Quanto tempo eles vão passar nessa
sala?
- Dê um tempinho. Uns vinte a trinta
minutos, eu acho. Foi o que Vivaldo me disse – respondeu Arthur, absorto.
Estela pôs as mãos na cabeça, pasma.
- Eu desisto de ti, cara. A gente vai se
atrasar! – Estela andava em círculos, abriria um buraco no chão e cairia num
universo só dela. – Nós temos hora pra destruir esse prédio, lembra?! Nos mandaram aqui com um horário e nós temos que cumprir!
- Eu sei, mas... – Arthur respirou fundo
e quase não volta a falar. – Deixe eles se despedirem, Estela.
- Arthur, eles são vários nessa salinha! Numa sala toda empoeirada! Negaram as máscaras e os capacetes que oferecemos a eles! São doidos!
- E daí? Deixe eles...
- Mas que merda, Arthur! Eles vão morrer
sufocados lá dentro! Há tempos a sala não é limpa pelo que fiquei sabendo! E nem
sei pra que tanto...
- Estela, fique calma! Tu ficas assim
porque nunca foi feliz trabalhando ou estagiando em lugar. – alfinetou Arthur.
Estela teve que se calar. Realmente, não tinha boas memórias dos locais que
trabalhou, e foram vários.
- O que será que eles estão lembrando aí
dentro? – ela perguntou ao colega, já calma.
- Somente eles podem te responder...
Eles se espremeram. A sala apertada, os
mesmos móveis, agora acabados e empoeirados, ainda estavam todos nos seus
devidos lugares. Quase nada mudara: o mesmo buraco no teto logo na entrada; o
mesmo armário do lado esquerdo, com as duas mesas, cada uma de um lado; a TV
velha; as três mesas com os três computadores, naquele período, já retrógrados;
a geladeira antiga; os armários embutidos nas paredes; as cinco cadeiras de rodinha;
um bebedouro; o ar-condicionado, o quadro branco atrás, com os mesmos
escritos: uma homenagem à dona Sueli, a chefinha deles, com cada letra do seu
nome contendo um adjetivo referido a ela.
A sala estava escura, coberta por
poeira, sujeira, mofada, mas era como se iluminasse com os olhos
brilhantes das lágrimas de cada um deles. A primeira a falar foi Cila:
- Eu tô cho-ca-da! Ainda é o mesmo lugar
de 15 anos atrás! – e olhou para a mesa ao seu lado esquerdo. A primeira coisa
que fazia quando abria a porta da sala era gritar “Oi, geeente!”, jogava a sua
mochila na mesa e se sentava – quase deitada – em uma das cadeiras para
descansar após tanto andar. Logo em seguida, por sempre ser a atrasada a
chegar, ia cumprimentar um por dos seus colegas com um abraço e um beijo no
rosto. Quando estava demasiadamente exausta, primeiro abria a geladeira e
tirava seu copo - fino, longo e roxo com um adesivo escrito seu nome - para beber
água. Todos tinham um copo com seu nome na geladeira. Todos.
Cila não era uma exceção. Todos eles
tinham praticamente o mesmo hábito ao entrar na sala. Mas antes tinham que inventar uma desculpa
pelo atraso.
- Eu já estava ligando para você, minha
filha. Está atrasada. – reclamava a chefinha Sueli, sentada em sua mesa. A sala
tinha ar-condicionado, mas isso não era motivo para ela tirar seu chapéu de
palha. Era sua marca registrada, além de seu lenço no pescoço e toda sua
elegância: na vestimenta fina, na fala, na doçura e até na sua maneira de
chamar atenção. Cila ouvira da chefe que era “assanhadinha”. Apesar de não
gostar muito, não achava realmente ruim. A chefe era uma senhora baixinha, com
mais de setenta anos; mas não era apenas uma chefe. Foi uma mãezona a ela e aos seus
colegas. Eram colegas, mas em pouco tempo se tornaram amigos.
- Continua a mesma coisa. – comentou Leandro
sobre a sala – Só tá um pouco mais sujo que o normal. – observando cada canto
da sala com o olhar. Se seus olhos fossem panos ou vassouras, a sala já estava
limpa.
- Não vá querer limpar nada agora, por
favor, Leandro. – cobrou Janaína, como se dessa uma bronca no amigo. – Não é porque
tu eras a “governanta” da sala que tens que sair limpando tudo.
- Eu não, mana, tá louca?! – devolveu Leandro. –
Isso se nosso pulmão aguentar aqui por muito tempo.
- Devíamos ter aceitado as máscaras que
nos ofereceram – Tina os censurou, incomodada com a sujeira.
- Mas uma coisa eu vou fazer... –
Leandro tapou parte do rosto com a gola da camisa e tentou abrir a porta de um
dos armários à esquerda. Estaria vazio se não fosse a poeira e umas baratinhas mortas.
- Já até sei o que tu esperavas encontrar
aí. – disse Janaína.
- Os livros, não é? – perguntou Tina. Cila e Janaina pensavam nos livros também. Leandro anuiu. – A chefinha deve ter
levado todos os livros.
- Meu Deus, nós limpamos esses armários,
esses livros, os materiais e papelaria tantas vezes! Vocês lembram? – Janaína
recordava saudosa.
- Com certeza. Todo semestre era uma
limpeza! – lembrou Tina. – Ei, vocês têm algum desses livros? Eu não guardei nenhum!
Que absurdo!
- Eu não tenho nada! – disse Cila, abismada.
- Acho que nem meu copo eu tenho mais.
- Eu tenho um dos barquinhos de miriti,
uma das camisas, mas livro, não. – respondeu Vivaldo, aéreo. Lembrou que seu
copo roxo foi quebrado por sua mãe enquanto lavava a louça. Estava com o
coração apertado desde que entrou na sala. Quando soube que o prédio seria
demolido, pediu ao pai, que trabalhava na empresa de desconstrução, para que fosse visita-la com
os amigos pela última vez. Apenas para sofrer um pouco.
- Como tu não tens nenhum livro? Tu eras
o preferido da chefinha! – Janaína gostava de insistir que Vivaldo era o
preferido da chefinha. Ele admitia somente para si que ambos tinham uma conexão
diferente, mas também sabia que Janaína sempre foi o braço direito da chefinha mesmo após ela deixar o emprego. Ambos faziam todas as vontades dela. Muitas vezes, a chefinha ligava cedo e Vivaldo atendia o telefone:
- Quem está aí, meu filho? - ela perguntava
- Por enquanto, só eu e Janaína, chefinha. Nós viemos juntos.
- Meu filho, onde estão os outros?
Preciso que todos estejam aí. Há muito o que fazer. Hoje, por exemplo, terei
uma reunião interessantíssima com o vice-presidente sobre o que iremos organizar este ano. Creio
que teremos o apoio da direção, meu filho.
- Tomara que sim, chefinha. Mas a
senhora vai conseguir esse apoio. A senhora é uma linda!
- Meu filho, você precisa trocar de óculos,
sabia?
- Não preciso, não. Troquei esse recentemente.
- Meu filho, você é um querido, mas vai levar
uns cascudos! Mas, oh, a chefinha aqui vai tomar café da manhã agora, na
lanchonete da empresa, você e Janaína não querem me fazer companhia?
- Amigo??? Tá tudo bem? – perguntou Leandro.
Vivaldo voou longe nas lembranças. Estavam agora ainda mais vívidas. Entrar naquela
sala trouxe de volta um passado que nunca esteve no passado. Sempre foi
presente na vida de cada um deles.
- Ele deve tá lembrando de quando vocês
dois se pegavam aqui na sala. – atiçou Duca. Demorou muito, mas muito para ele
não lançar seus comentários maliciosos. Ele e Elisangela sempre foram os mais falantes
do grupo, e naquele momento, eram os mais calados. Eram os que não poupavam ninguém, tiravam sarro de todos e mais ainda de si mesmos. Eles dois juntos a baderna estava feita. Duca sabia que os amigos
iriam ficar sem jeito com a piadinha, mas Vivaldo e Leandro não esconderam os sorrisos.
- Égua, Duca, tu és foda! Vais deixar os
dois sem graça, caralho! – rezingou Elisangela, que era mais amiga dele e não
tinha papas na língua.
- A gente já superou essa fase. –
respondeu Vivaldo, após trocar um olhar desconcertado com Leandro. – Mas eu
tava lembrando do dia que Duca entrou na sala assustando todo mundo com um
aviso falso de que haviam assaltado a empresa. LEMBRA? – e mirou num olhar fulminante. Todos eles
soltaram um palavrão ao lembrar da cena. Duca caiu na gargalhada. Não tinha
como esquecer daquele dia. Quase apanhara dos amigos.
- Olha, seu caralho, ainda bem que eu
não tava aqui esse dia – brigou Elisangela – senão eu tinha te dado logo umas
tapas!
Ouviram, enfim, a voz e risada de Rhanna.
- Gente, vocês viveram cada coisa aqui.
Eu só vinha aqui de vez em quando, trabalhava em outra sala de outro departamento, mas lembro de cada
coisa...
- Eu lembro dos teus brigadeiros, Rhanna
– recordou Cila. – Eram uma delícia!
- Ah, nem me lembre... – Rhanna suspirou
com pesar. – Foi uma fase difícil, olha... Ai! – Rhana se bateu na televisão
antiga.
- Mana, não vai quebrar a televisão. É uma
relíquia. – alertou César, brincando. Ele vendia brigadeiro junto com Rhanna e,
também, um dos funcionários mais antigos daquele departamento. – Lembro que eu
assistia aos jogos da copa nela antes de vocês virem trabalhar aqui, até. Aliás, quem foi que quebrou
a TV?
Todos olharam para Vivaldo. Ele estava
esperando por isso. Sempre o culpavam por pifar a televisão.
- Foi esse leso que quebrou a televisão!
– respondeu Janaína, com um olhar impaciente. – Só não fico mais puta contigo,
amigo, porque... Porque foi tu que me indicou pra vir trabalhar aqui. - mudando completamente para um tom mais brando - E foi uma
das melhores fases da minha vida. Como eu não tinha uma relação familiar muito boa,
aqui foi minha segunda família.
- Acho que foi assim pra todos nós,
amiga. – comentou Vivaldo, com os pensamentos distantes.
- Nem me fale... Eu já chorei tanto nessa
sala e fora dela... – recordava Cila, com um riso nervoso. – Mais fora dela, na
verdade.
- Eu lembro. – disse Tina. – Lembro também
que nem sempre eu me sentia tão à vontade aqui, por um período, com vocês, até.
Mas essa sala sempre foi um abrigo pra mim. – Tina tinha a voz melancólica.
- Pra mim também. – César concordou – Tanto
é que continuei vindo aqui mesmo depois de já ter saído da empresa.
- Todos nós, amigo. – Duca falou, se
segurando para não sentar nas cadeiras velhas. – Ainda tive a chave daqui por
muito tempo.
- O dia que eu tive que dar a minha
chave... caramba! Senti o peso da despedida aí. – a lembrança veio forte em
Vivaldo.
- Eu lembro da cena, amigo. Parecia cena
de novela. Fiquei abalada por ti. – disse Janaina, dando tapinhas nas costas
dele.
- Eeeei, vocês lembram das festinhas que
a chefinha fazia aqui? – perguntou Elisangela empolgada. Todos sorriram ao
lembrar. – Era cada coisa gostosa, mana. Peeense!
- A chefinha comemorava todos os nossos aniversários. E tu sempre trazia os salgados que tua mãe fazia, Elisangela. Eu lembro que eram deliciosos! – César disse, balançando a cabeça, temendo ter caído sujeira em seus cachos.
Cila fez o mesmo. Ela se achava linda, mas os seus cachos... eram seu xodó!
- Sim! As coxinhas da mãe da Elisangela!! E a chefinha comemorou o meu aniversário também! – disse Leandro, radiante!
– Foi surpresa! Ah, as festinhas eram tudo!
- Aliás, iremos comemorar o teu hoje, Leandro! –
lembrou César, com um sorriso sacana.
- Ah, vamos mesmo! – concordou Leandro.
- Lembra quando a chefinha te deu o teu
celular, amigo? – Janaina perguntou a Leandro.
- Aaaah, nem lembre! Eu morri de vergonha!
– ele cobriu o rosto, sem graça. – Como que eu esqueço desse dia? Na verdade,
ganhei de vocês todos!
- Vocês lembram de quando a gente fazia
um círculo aqui e ficava conversando por horas? – Janaina perguntou. Todos assentiram
felizes. – A gente falava de assuntos polêmicos, eu lembro disso.
- E um monte de besteira também! – ria Cila.
- Tu mudavas de assunto do naaaada pra falar
de Naruto, de jogo e dos namoros de famosos! – retrucava Vivaldo. Cila riu
alto! Sabia que era verdade.
- Lembram de quando fomos chamados
atenção por rir muito alto? – perguntou Janaina, sem segurar a risada.
- Sério? Deram uma bronca em vocês? – Rhanna
perguntou espantada.
- A Elisangela que ria alto pra porra! –
atiçou Duca, sabendo que a amiga ficaria puta.
- Eu “o caralho”! Olha quem fala, seu
fresco! Tu eras bem o calado, sim! A santa?! – o vocabulário de Elisangela
continuava o mesmo. Todos ali, de um jeito absurdamente incoerente e subjetivo, continuaram os mesmos. Mas estava faltando alguém.
- Ei, onde tá o Gael? – perguntou Rhanna.
- Ele não mora mais na cidade. Por isso não
veio. – respondeu Leandro.
- Eu lembro que a Janaina e a Tina não gostavam
muito dele. – Rhanna relembrou rindo.
- Muito? Até hoje não entendo como ele
trabalhou aqui! – atacou Tina.
- Ele me estressava, isso sim. Vocês não
têm ideia. – só de lembrar Janaina se irritava.
- Tenho sim. Me estressei um bocado. –
ressaltou Tina.
- Tudo culpa do Leandro. Olha... Dá
vontade de te bater só de lembrar! – brigou Janaina.
- Tá boooom! – Leandro não aguentava
mais ouvir a mesma história.
- Ai, ai... – suspirava Elisangela. – A gente
já passou por cada coisa aqui... Já fiquei até presa aqui na sala. No escuro. Não
tinha ninguém! Eu fiquei tensa, mana. Meu cu não passava um wi-fi.
- Maana, eu lembro!! E quando choveu tão
forte que molhou toda a entrada da empresa? – recordou Cila.
- Foi horrível! Eu também me lembro! –
disse Janaina, como se tivesse revivendo tudo outra vez.
- Não sei como esse lugar sobrevivei a
tanta coisa, hein. – admirou-se Tina. – Foi uma sala guerreira. Aguentou baratas,
ratos e morcegos por aaanos!
- Gente, e o rapaz da limpeza? O Waldir?
– perguntou Duca.
- Cara, ele era muito gente boa! Muito mesmo.
Pena que nunca mais falei com ele. – lamentou Vivaldo. – A gente se dava muito bem.
- Todo mundo gostava de ti, amigo. –
pontuou Tina. – Tu era o que se dava bem com todo mundo.
- Ah, eu sempre amei o Vivaldo! – disse
Elisangela, abraçando o amigo.
- Eu não. Tinha ciúmes dele, no início. –
contou Duca. Os amigos se espantaram, menos Vivaldo. Já sabia dessa história. Mal
sabia Duca que, por um tempo, não foi muito querido entre o grupo, por ser
tagarela e invasivo demais. – Mas depois a gente se conheceu melhor e foi só
amor.
- Acho que “amor” é a palavra que define
esse lugar. – Cesar sentiu uma lágrima descer e a secou de imediato.
- Ai, gente... Saudades da chefinha... – Leandro suspirou fundo. – Lembro dos discursos dela. Ela sempre dizia que nós éramos os
filhos dela.
- É... Como ela não tinha família aqui,
nos tratava como filhos. – acrescentou Tina. – E nos tratou realmente como filhos.
Vivaldo bufou alto e forte. Não aguentou
o choro. Foi abraçado por Janaina. Tentando não chorar, foi até a mesa que a chefinha
usava e a ficou admirando por um bom tempo. Ele encontrou algo ali. Soprou pra
tirar a poeira e levou para os amigos. Era uma lhama em miniatura. Havia porta-retratos
com foto da chefinha com os netos, uma galinha de artesanato como lembrança de
Porto de Galinhas, blocos de anotações, agenda, carimbos... Mas a lhama foi
esquecida.
- Fica com ela, amiga. – Vivaldo entregou
à Tina. – Sei que tu gostas de lhamas.
Tina agradeceu e guardou a lhama com
carinho. Aquela pequena lhama era uma raridade. Um simbolismo daquela sala.
- Eu queria uma carona pra casa. A chefinha
sempre me dava caronas. – lembrou Cila. – Era bem divertido.
- Gente, o mais estranho é que esses
computadores ainda estão aqui! – Elisangela estava incrédula, mudando de
assunto. – Lembram dos certificados que vocês faziam?
- Nossa!! Era certificado que não
acabava mais! – disse Duca. – Eu fazia muita ficha de frequência.
- Eu organizava a programação dos
eventos. – Tina relembrou.
- Eu me dividia nos certificados com o
Vivaldo. – falou Janaina.
- Até pra casa a gente levava pra fazer,
lembra? – perguntou Cila.
- Sério? Vocês levavam serviço pra casa?
– Rhanna se mostrou espantada.
- Nem sempre, mas sim... – respondeu Cila.
Do nada, Cesar perguntou:
- Ei, e o Fábio, Cila? Por onde ele tá?
Ela o olhou furiosa.
- O “Falecido” queres dizer? – Cila perguntou
num tom irônico. – Pergunta pro Leandro, que é amigo dele.
Leandro riu e respondeu:
- Ele tá bem, sendo rico, branco e
hetero como sempre.
- Eu pensei que o rico aqui fosse o
Vivaldo... – comentou Tina.
- Ah, não. Parem! – pediu Vivaldo e
todos caíram na gargalhada. – Ah, a Nalanda me mandou mensagem. O Luca e a dona
Liandra, também.
- Como eles estão? Por que não vieram?? –
perguntou Elisangela.
- Estão ótimos, mas não puderam vir. –
respondeu Vivaldo. – Na verdade, dona Liandra não quis vir. Ela era agarrada na
chefinha. Mesmo vindo aqui mais na época dos eventos, elas eram grudadas.
- Eu me divertia muito com Luca. – disse
Duca.
- Ah, eu gosto demais dele. A gente era
a maior zoeira. – Leandro lembrou contente.
- Tu, ele e o Fabio juntos não
prestavam. – Janaina recordou. – Eram todos doidos.
- Ah, eu queria ver a Nalanda. – lamentou
Tina. - Era uma diva. A mais linda de todas.
- Minha inspiração sempre. Toda vez que
ela entrava aqui, nossa... – exaltava Janaina.
- Ah, ele era e ainda é um mulherão
mesmo! – concordou Elisangela.
- Ah, um amor! Aqueles cabelos longos, cacheados... Linda! – enalteceu Duca. - E por onde ela tá?
- Ah, passou em mais uma especialização. - respondeu Vivaldo. - Vive sendo uma pesquisadora, professora e mãe incrível, como sempre.
- Perfeita como sempre foi, né? - acrescentou Tina.
- Eu queria ter essas lembranças de
vocês. Deve ter sido incrível ter trabalhado aqui. – lastimou Rhanna, que
frequentava o local mais para visitar o amigo Vivaldo.
- Com certeza foi, Rhanna... – assentiu Cesar.
Alguém bateu à porta, interrompendo o
momento nostálgico daqueles amigos. Era Estela os expulsando da sala. Assim que
saíram, agradeceram a ela e a Arthur por permitirem que visitassem a sala uma
última vez, antes da demolição. Mas, de todos, Janaina foi a mais grata
e mais sensível:
- Muito obrigado mesmo por nos deixarem
vi aqui uma última vez. – começou Janaina. – Esse emprego foi mais que um emprego
e a nossa chefe foi mais que uma chefe. Assim como ela, eu não tinha muito
contato com a minha família de sangue e aqui, nesses dois anos e pouco que trabalhei,
anos e anos atrás, no início da minha fase adulta, essa sala era minha casa. Me
senti acolhida, amada, respeitada... Respeitada nem tanto, mas valorizada... Esse
lugar me fez descobrir que a vida também é boa. Obrigada. – terminou, deixando
todos emocionados.
- Olha que eu não sou muito de abraçar, mas... - disse Tina, que, logo em seguida, abraçou Estela como agradecimento, também.
Enquanto seguiam, Janaina pediu a
Vivaldo:
- Amigo, não me deixe esquecer de
comprar ração pros meus gatos! Acho que o Dinho vai esquecer! Ele é muito esquecido!
- Vocês dois não mudam... – observou o
amigo.
- Comprar ração pra gato agora não,
mana. – cortou Elisangela. – Agora vamos comemorar o aniversário do Leandro e eu
vou beber horrores!
- Eu também. Quero ficar chapado, mana!
Acho que hoje vou dar o PT! – gritou Duca, todo exagerado.
- Essa expressão é velha, hein. –
comentou Tina. – Mas eu não sei se vou, não. Não sei se pra onde vocês vão tem comida vegetariana e eu tenho que estudar pro meu
doutorado.
- Tu estudas mais do que eu quando era
concurseira, mana! – disse Elisangela, chocada com a amiga.
- Mas nem é por isso. Preciso me mudar essa semana ainda Meu doutorado é fora do país. Tenho muita coisa pra resolver, pra pesquisar... - contou Tina, nas nuvens. Janaina se prontificou a ajudar:
- Amiga, tu sabes que eu sou especialista em mudança, né? Não com muito orgulho, mas sou. Se tu quiseres eu te ajudo.
- Verdade. Tu já te mudaste tantas vezes...
- Pra tu ver só o que eu passo... - concluiu Janaína.
- E a gente vai beber onde? – perguntou Cesar, animado.
- Gente, eu também não vou poder
demorar... – iniciou Cila.
- Não vai dizer que teu marido não gosta
que tu fiques até tarde fora de casa, mana?! – Janaina logo reclamou.
- Não, mana... A mamãe que... – Cila respondeu,
rindo e desconcertada.
- A TUA MÃE? AINDA – foi uníssono.
- Certas coisas não mudam mesmo, hein. –
Tina disse, nada espantada com a informação. Sempre mantinha contato com a amiga.
Não era novidade que a mãe dela continuasse estranhamente grudenta na filha.
- Ei, a gente poderia ir pra um karokê!
O que vocês acham? – sugeriu Rhanna. Sabiam que ela louca por um karaokê! –
Quero cantar “Amor, I love you de novo”. Canta comigo, amigo? – perguntou a Vivaldo.
- Com certeza! – respondeu. – Tu ainda
bebes só meio copo de cerveja, Rhanna?
- Tu sabes que sim! – ela ria feito
besta. - Sei que a Cila bebe pouco e fica porre rapidinho!
Cila confirmou a afirmação com uma risada escandalosa, mas só pensava na sua próxima viagem pra Fortaleza que faria com sua prima Suelen.
- Falar em coisas que não mudam... – Janaina
falou diretamente para Vivaldo e Leandro. – Eu não quero ninguém me fazendo de “cama
de motel”, hein!
- Mana, pelo amor de Deus! Isso é
passado!! – enfatizou Vivaldo. Não aguentava mais as piadas. Não envelheciam para
a amiga.
- Eu não ficaria com esse ridículo de novo.
– zombou Leandro. – Sou nem doida!
- Agora tu dizes isso, né?! Mas tu és muito
chato... – criticou Vivaldo.
- Garoto, tu ainda tá falando! Anos e anos e tu
continuas insuportável! – o tom irritante de Leandro era o mesmo.
- Eu sou insuportável? Não sei como te
aguento! – devolveu Vivaldo.
- Aaaaaah, vão pra casa do caralho vocês
dois! – bradou Elisangela.
Após anos e anos, aquele lugar teria um
fim, pensou Arthur. Porém seria apenas físico, porque um fim de verdade, aquele
lugar nunca teve e nunca terá, ao menos não para Vivaldo e seus amigos.
Admirada com os amigos terem sido tão
gentis com Arthur e com ela, Estela perguntou ao colega:
- Eles realmente se emocionaram lá
dentro, mesmo estando tão sujo e tão escuro. Como eles conseguiram ficar ali
por tanto tempo? E sem energia!!
- Não precisaram de luz elétrica,
Estela. Não mesmo. – respondeu, Arthur, novamente longe em seus próprios vagões.
- Como assim?
- Eles conheciam aquele lugar como a
palma da mão deles. Tinham a própria luz. – respondeu com simplicidade.
- É... Eles gostavam mesmo de trabalhar
ali...
- Não era só o trabalho, era a chefe
deles, também. Eles tinham, pelo que Vivaldo me contava, uma chefe muito
parecida com a minha de quando eu era estagiário.
- De quando tu eras estagiário? Como
assim? Tu gostavas da tua chefe? Ela era legal?
- Te acalma, vamos por partes...
- Mas sim! Como ela era como chefe? Parecia muito boazinha, a tua e a deles.
- E era, mas também dava muitos serviços pra gente. Um deles era comprar o almoço dela. E
às vezes ela almoçava vitamina de frutas, acredita?
- E tu gostavas desse serviço, Arthur? Parecia
mais um secretário dela!
- Ah, Estela, Estela... A gente gosta de cada
coisa nessa vida...
- Ham?
- Deixa pra lá... Um dia eu te conto umas histórias que... Estela?
- Oi.
- Tá a fim de viajar comigo pro Marajó?
- Pro Marajó? Nunca fui pro Marajó. E se vai como? É de navio?
- É sim. E de rede.
- De rede? Não! Esquece! Eu vou enjoar... Ixi! Esquece!
- Estela, vaaamos! Tenho certeza que vai inesquecível.
- Se tu tá dizendo...
- Mas antes precisamos fazer uma coisa.
- O que, Arthur?
- Uma... inscrição.
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