Novela: Ardente Traição. Capítulo 3
Ardente Traição - Capítulo 3
Fechei a
porta com violência e não consegui trancá-la. Na verdade, nem tentei. A bolsa
preta que Raquel segurava foi atirada para o chão da sala. Nossos beijos
desenfreados me ocupavam, e por pouco não tropeçamos nos chinelos que deixei
próximo ao sofá. Apressados, sem motivos exatos, nossos beijos eram
ininterruptos e sufocantes. Os lábios carnudos de Raquel me inebriavam,
excitavam-me a um ponto que eu mal me controlava. O charme, a sensualidade de
sua negritude e o gosto da sua boca se inundavam na minha mente e tiravam minha
paz.
Arrastei-a
para o meu quarto e nem me importei se a porta ficou aberta ou não. O ar-condicionado continuou desligado e a porta escancarada. Raquel me
puxou e nós caímos na cama; eu por cima. O perfume dela, o doce veneno para
aquele tesão que eu sentia, sequestrou meus lábios até o pescoço dela. Beijei-a.
Ouvi um suspiro, exigindo que eu não parasse. Beijei-a depois na orelha e
voltei aos lábios. Enquanto nosso beijo pegava fogo, tirei a sua blusa e a
joguei no chão. Estiquei-me, tirando a minha camisa. Raquel notou o meu documento
tufado debaixo da calça.
- Você tá
animadinho, hein!
- E como!
Tiramos nossos sapatos e Raquel me trouxe de volta para sua boca, incendiando-me
por dentro e por fora. A nossa excitação poderiam queimar a
cama, assim como o calor do quarto. Ela mesma tirou o sutiã e o deixou no chão. Minha língua caminhava na sua
barriga lisa, sem tráfego, sem barragens, ela tentava não se mexer. Mas gemia.
Mordia os lábios e gemia. Curvei-me para os seus seios e a fiz gritar de prazer
quando os provei delicadamente. Raquel poderia ter feito qualquer coisa,
qualquer movimento, menos abrir a boca:
Meio
alucinada, perguntou:
- O que
deu em você, hein? O que deu em você para me trazer pra cá?
Pensei na
resposta para respondê-la, e lembrei: Aisha. Eu vi uma foto de Aisha beijando
um outro cara numa foto em rede social, era essa a resposta. Se ela estava
contente, livre e aproveitando com uma outra pessoa, eu também poderia fazer o
mesmo. Eu tinha que me desligar dela. Punição própria e incoerente não iria
trazê-la de volta pra mim. Agarrei a oportunidade antes que saísse de táxi.
Beber e relembrar Aisha sozinho enquanto havia Raquel, doida para ficar comigo?
Só se eu fosse um idiota. E eu não era um idiota.
- Por que
você parou?
Na mesma
posição, de frente para Raquel, mas com a cabeça em outro lugar, em outra
pessoa. Não a respondi e voltei a beijá-la. O gosto dela no meu já estava diferente,
mais seco. O calor do nosso corpo parecia ter esfriado. Aisha ficou na minha
cabeça e não consegui mais manter a concentração em Raquel. Flashs da noite
anterior, com minha ex-mulher. Do cabelo vermelho. Dos lábios. Do seu maldito feche
clair. Meu beijo com Raquel foi perdendo o fôlego, a quentura. Eu já estava com
trinta anos, mas me sentia como um adolescente apaixonado. Não era pra ser
assim. Mas controlar o que me balançou por dentro era quase impossível.
- O que
houve?
Paramos o
beijo. Eu parei. Olhei para o seu rosto. Confuso e questionador. Belo e
disposto e me satisfazer a noite e a madrugada inteira. Era um rosto de cor
sublime, rara e sedutora. Com a mesma pureza da malícia. Eu o teria, com o
sabor dos lábios e da nuca, o olhar pertinente e o mergulhar dos seus cabelos.
Eu o teria. Teria o corpo todo. Com suas curvas, seus círculos, voltas e cada
margem que me fazia tropeçar desequilibrado com tanto desejo. Tudo nas minhas
mãos, no meu peito. Todo o tesão, o ardor. Mas faltava algo para me sugar: a paixão.
E essa paixão ficou presa em Aisha.
Desistência.
Caí ao lado dela, suspirando de lamento. Esperta, Raquel constatou o óbvio:
- Você
está pensando em outra pessoa.
- Está
tão na cara?
- Está.
Faz tempo que eu não te vejo, mas eu poderia jurar que é na sua ex-mulher. –
disse, sabiamente. Perguntei, curioso, como ela poderia suspeitar. – Foi o que
você disse quando terminou o caso que nunca tivemos: “Eu ainda penso na minha
ex-mulher. Seria injusto com você”.
Admirei-a
por ter, sabiamente, lembrado de algo que nem fazia mais parte das minhas memórias.
- Vejo
que você ainda pensa nela. E com essa foto
aqui vejo que você realmente ainda pensa nela. – constatou, segurando um
porta-retrato que estava na cômoda, com uma foto diferente da que tinha na
sala. – Então... Aisha... – analisava. E o colocou de volta no lugar.
Raquel passou por cima de mim, pegando o sutiã e a blusa. Vestia-os e falava, sem muita tristeza, mas conformada: -
Você está realmente apaixonado por ela, Narciso. Eu só queria saber como você
pode ter tanta esperança de que ainda terão algo.
- Ah... –
mesmo não sabendo se seria uma boa ideia, respondi com sinceridade. – Ontem foi
a festinha de dois anos do nosso filho, o Samuca, e nós dois...
- E o
ex-casal reviveu um pouquinho do passado?
- Isso
mesmo. – concordei, me vestindo. Nossas roupas coladas em nosso corpo suado dizia que o sexo mal começou e
já chegava ao fim.
- Você
acha que a noite de ontem foi o suficiente para tantas esperanças? – perguntou,
tranquila. Suspirei fundo. A resposta eu também não sabia.
- Não
sei... – Raquel esperava que eu me alongasse. – Nós terminamos o namoro tem
pouco mais de dois anos e não foi bem esclarecido, foi uma paixão mal resolvida.
Ela pensou que eu a tivesse traído, mas isso não aconteceu. Enfim, ontem, parece
que as coisas se encaixaram, mas não tenho certeza se ela quer o mesmo que eu.
- Você
precisa saber. Precisa tentar. – aconselhou-me. Bateu-me uma dor do peito.
Raquel e eu deveríamos estar transando, mas não. Fui fraco
demais e não controlei meus sentimentos.
-
Desculpa, Raquel. A gente deveria tá fazendo outra coisa... – escapei uma
risadinha. – Eu não queria tá sentindo o que eu sinto pela Aisha. Desculpe por
isso tudo.
Raquel
calçou um dos lados do sapato e disse, com serenidade:
- Às
vezes, Narciso, quem ama nessa vida, ama sem querer e a gente mal percebe e não
tenta se desvencilhar desse sentimento. Por isso que a dor, no fundo, esconde
uma pontinha de prazer. É simples.
- Que bom
que você vê as coisas com tanta simplicidade. – ouvi uma filosofia meio
musical, porém que refletia ao que eu vivia. Uma mulher madura e segura era
Raquel. Quem me dera ter um pouco desses adjetivos. Nós, homens, somos insignificantes e perto de mulher a insignificância ficava mais evidente.
- Mas as
coisas são simples, nós é que temos a ousadia de complicá-las. – e piscou pra
mim, esbaldando sabedoria e segurança. Em pé, pronta pra ir embora, abriu a
porta e avisou que já iria levar o notebook. Calcei as meias e os sapatos e a
vi, parada, segurando a porta aberta. Olhava para algo na sala. – Você tem
visitas.
Estranhei
a informação e me levantei para ver. Era Roan, sentado no sofá, olhando para o
teto. Ao lado dele, uma mala. Eu não sabia que ele pretendia viajar naquela
noite. Olhei para o relógio. Era quase uma hora da manhã. Meu primo estava com
uma cara abatida, distante, com uma afeição de quem chorou bastante em pouco
tempo. Mas antes que eu perguntasse algo, Raquel apenas disse:
- Eu já
sei o que aconteceu. – e foi até Roan, que a olhou como se mal soubesse onde
estava, quem nós éramos e quem ele era – Sinto muito, Roan. – e o beijou no
rosto.
Roan sorriu. Como ela poderia saber o que aconteceu com ele?
- Vou
ficar bem. – estava cansado, mas não parecia estar mentindo.
- Quanto
foi o conserto? – Raquel me perguntou, ocupando os braços com o notebook e o
carregador.
Depois do
furo que eu havia dado com ela, respondi que não a cobraria.
- Tudo
bem. Acho que não é a hora. Amanhã você me diz o valor e eu deixo na
portaria. – e forçou a carregar o notebook, o carregador e a sua bolsa preta
que estava jogava no chão. Raquel já estava na porta, pronta pra sair e parou
para admirar a foto em família que estava na sala. Sorriu para si mesma e
continuou. – Agora, uma última coisa: se você realmente quer ficar com Aisha,
tome uma atitude. Acho que com ela você ainda tem uma chance, uma única chance,
porque comigo... – e me jogou um beijo. – você não tem mais. – e saiu. A porta
se fechou.
Roan
voltou a olhar pra parede. Deitou-se no sofá e me perguntou, com uma cara das
mais tristonhas:
- Posso
dormir aqui, primo?
- Pode,
mas...
- Por uns
tempos. – acrescentou, rapidamente. – Prometo ajudar na despesa, e não vou
incomodar. Fico no sofá ou no quarto de hóspedes...
- Você
não atrapalha, cara. – apressei-me em dizer. Preocupado, pedi explicações.
Roan, mais à vontade no sofá, tirou o par de tênis e as meias, em silêncio.
Quando se acomodou novamente, me respondeu, objetivamente, sem me dar
chances de fazer perguntas:
- Taila
não estava com ciúmes quando nos viu no Bar das Onze. Ela ficou nervosa e fez
cena, só isso. Tenho certeza que você me viu agarrado a ela e pensou que a
gente estava se beijando. Mas não. Eu tentava, mas ela não queria. E por quê?
Porque ela iria se encontrar com outra cara lá no bar. Nós saímos e conversamos
lá fora. – Roan parou por um instante e voltou a falar. – Taila disse que não
havia nem haverá mais nada entre nós dois, porque, mesmo que ela e esse cara
ainda não tivessem ficado uma vez sequer, ela estava apaixonada por ele e há um
bom tempo. Jurou que nunca me traiu, mas sabia que era questão de tempo para
isso acontecer. Então, como eu não aguentava mais as nossas brigas, pedi para
irmos em casa e peguei minhas roupas, quase encharquei o carro de tanto chorar.
E... e estou aqui.
Calado
por uns segundos. Eu também. Foi o desabafo de Roan. Perceptivelmente ele
estava sofrendo, porque amava Taila ao extremo e agora já não estavam mais
juntos e a razão foi uma das piores que podia ser: ela não o traiu, mas estava
apaixonada por outro cara e terminou o casamento com meu primo como quem
desliga a televisão. Nunca conheci homem mais fiel que Roan, que era cegamente louco
pela mulher e nem sequer admitia achar uma outra mulher bonita. Seus olhos, seu
coração e seu corpo eram somente dela e de ninguém mais. Porém, tanta
fidelidade nunca foi o suficiente para Taila, que já havia brigado com ele
outras vezes por motivos infrutíferos. Eu poderia jurar que ela o traía, mas
Roan acreditava nela.
Traição...
Eu também nunca traí enquanto namorava, mas eu não era nada inocente. Intensão eu tive e resisti várias vezes, e ainda assim tive a
fama, pois quando não namorava eu aproveitava a solteirice e ficava com quem eu
bem entendia. Mas trair, não; não era de minha natureza. Porque traição nada
mais é que uma quebra da relação, e se forma uma rachadura na delicada e frágil
porcelana que chamamos de confiança[1]
e quando a quebramos, não há reparos. Por isso eu evitei transar com Raquel:
seria como se eu não estaria sendo correto com ela e traísse a confiança de Aisha, por mais que nós não tivéssemos
nada sério. Ainda havia esperanças em mim.
Ouvi o
desabafo de Roan, só ouvi. Qualquer palavra de consolo não iria acalmá-lo.
Iria destroçá-lo. Sei que é feio, mas senti pena de Roan. Meu primo não merecia
aquilo e também não merecia dormir no quarto de hóspedes, fazia tempo que ele não passava por uma limpeza.
- Cara,
durma. Você tá muito abatido. – e me levantei.
- Eu
durmo aqui no sofá. Eu trouxe um cobertor. – Roan se sentou, cansado.
- Cara, eu diria para você ficar no quarto de
hóspedes, mas ele tá bem sujinho, então fique no meu quarto mesmo. –
tentei ser solidário. - E lá tem ar-condicionado.
- Não,
não preciso do ar.
- Precisa
sim. Você é calorento pra caramba. – argumentei. - Vai pro meu quarto, eu fico aqui no sofá. Amanhã eu vou chamar a diarista pra faxinar o quarto.
- Mas...
- Vá pro meu quarto. E boa
noite, primo. – cortei-o. – Se precisar de mim, chame.
- Obrigado,
primo. Ah, mas antes... Essas fotos da Aisha pela casa ainda vão te atrapalhar
com outras mulheres. É só... Uma dica.
O
comportamento maduro de Roan me surpreendeu um pouco. Toda aquela fossa de quando se termina um namoro ou casamento meu primo não passou, ou ao menos não
completamente. A alegria realmente não foi forte naquela semana, mas eu não
o via cabisbaixo ou chorando pelos cantos, como normalmente acontecia quando
ele e Taila brigavam. Até porque a sua função na gerência da concessionária o mantinha ocupado e Jairo e eu não o deixávamos sozinho, o nosso
amigo Jairo e eu o mantínhamos ocupado. Foi Jairo, aliás, como um advogado de
primeira, que orientou Roan e Taila no processo de divórcio. E, pelo que eles
me contaram, tudo ocorria na maior tranquilidade. O ex-casal se dava bem. Não havia
mágoas, mas Roan deixava bem claro que não queria voltar a namorar ninguém tão
cedo, por mais que o assanhado Jairo insistisse.
Jairo
mentia para Cassandra com frequência desde que casaram, ou seja, pouco antes a
união matrimonial de Roan com Taila. Quando namoravam, Jairo, depois de três
meses, já a chifrava descaradamente. Ou Cassandra era muito idiota ou fingia
ser. E quando ela teve a chance de traí-lo outras vezes, desistiu; disse que,
além de mim, não o chifraria com nenhum outro cara e ainda o perdoou quando ele a traiu na despedia de solteiro. O fato é que, até então, a traição não havia
limites e não adiantava nossas reclamações; Jairo se fazia de surdo.
Praticamente em todas vezes que ele, Roan e eu saíamos juntos, nosso amigo dava
em cima de alguma mulher ou o contrário e ele não saia sem antes ficar
com ela. Ou elas, no plural. Jairo realmente era um rapaz bonito, de cabelos
loiros, quase brancos, um rosto afável e um corpo de atleta. Um tipo de galã.
Isto é, se a intenção era ir à balada para paquerar garotas ele não era uma boa
companhia, pois ele sozinho já chamava a atenção.
A insistência de Jairo venceu Roan. Ainda
naquela semana, na sexta-feira à noite, meu primo e eu estávamos em minha casa
assistindo a uma série. Meu primo era viciado em séries, e como ainda
dividíamos o apartamento, ele se ofereceu para pagar as mensalidades seguintes
de um programa de assinatura virtual. Roan, por eu não ter mais nenhum
computador para consertar, me convenceu a assistir com ele uma série americana
chamada “The Orange Is The New Black”, mas antes mesmo de darmos o “play” no
controle remoto, Jairo apareceu de surpresa em nosso apartamento. Como sempre,
chegou esfuziante e muito bonito. Não precisou falar nada para sabermos que ele
queria nos arrastar para alguma fasta ou barzinho.
- Antes
que você peça, eu não vou sair com você. Nem insista. – clarifiquei, sem tirar
os olhos da TV. Ele e sentou, à força, entre Roan e eu e inquiriu:
- Você vai
mesmo passar a noite de sexta-feira em casa? Assistindo série? Isso é programa
de nerd!
- Que
seja. Eu não vou, cara. – repeti.
- Mas por
quê? Tudo bem que eu sou muito mais bonito que vocês dois juntos, mas isso não
é motivo pra ficar preso em casa! – argumentou, cinicamente. Nós o olhamos com
reprovação e impaciência. Irritado, lembrei:
- Na
última vez que saímos juntos você disse que ia me apresentar uma garota e quem
saiu com ela foi você!
- Esse
caso foi uma exceção. – fingindo inocência.
- Ah, e
teve outra vez que...
- Tá, deixa
pra lá. Já entendi. – e se levantou, derrotado. – Vamos, eu pago umas cervejas
pra vocês.
- Você tá
fabricando dinheiro, por acaso? – perguntou Roan, quando nós dois nos
levantamos. Recusar convite de quem oferecia pagar a sua conta não era de nosso
feitio. De nós três, ele era o que tinha
uma condição financeira melhor ou que não poupava dinheiro. Jairo ganhava bem como concursado de um órgão
público, na área de Direito Trabalhista, e como professor de duas universidades
particulares. Eu não entendia como ele organizava tempo para tanto trabalho e
diversão. “Vou descansar no sono eterno. Enquanto eu estiver vivo, quero
aproveitar. Então vamos beber, seus porras!”, ele costumava dizer.
- Não.
Mas como eu ainda vou trabalhar amanhã decidi beber pouco. E eu tô com um cliente que tá se divorciando da esposa. Acho até que ele já tá com outra, o George. E vai me garantir mais uma grana.
- Cliente novo! Que bom. - parabenizei.
- Muito bom. Como meu escritório estava fechado, ele tem ido lá em casa. Mas, vá logo tomar banho!
- Cliente novo! Que bom. - parabenizei.
- Muito bom. Como meu escritório estava fechado, ele tem ido lá em casa. Mas, vá logo tomar banho!
- Tô indo! Tô indo!
- Vá, meu
amigo consertador de computadores.
- Me
chame de técnico de informática, fica mais bonito. – pisquei para ele, já com a
toalha no ombro e esperando a resposta para eu poder tomar banho.
- Certo,
certo.
- Ah,
essa foto com a Aisha...
- Já sei,
já sei o que você vai dizer. Mas esquece. Esquece. – e o ignorei.
Tomei um
rápido banho e depois avisei Roan que era a vez dele. Minutos depois, fui ao quarto de
hóspedes, onde meu primo estava hospedado – e limpo e organizado-, para dizer que iria procurar a minha carteira na sala e já estaria pronto
para irmos e ouvi Jairo contando ao Roan o caso de um colega dele. Era uma
história típica de término, que não vem ao caso agora, mas o importante é que
ele soube dar a volta por cima e encontrou uma outra mulher para fazê-lo
companhia. Entendi logo: Roan, que usava uma de suas roupas mais bacanas,
estava desistindo de sair, não pretendia ficar com nenhuma outra garota, e,
após muito sacrifício e com um argumento válido de Jairo, aceitou sair:
- Você precisa é de sexo, cara. Sexo! Precisar
transar! – gritava Jairo, animado. – Vou te apresentar uma mulher gostosa e
pronto: vai esquecer esse casamento falido.
Pensando
no que Jairo dissera e no que ele me respondera no Bar das Onze, mesmo sabendo
que ele poderia se aborrecer, perguntei:
- Por
mera curiosidade, Jairo, o que você faria se você descobrisse que a Cassandra
ainda te trai?
Jairo riu
com desdém.
- Isso só
aconteceu uma vez. E foi com você, Narciso. E nunca mais vai acontecer. Nem
deve.
- Por que
não? Só você pode chifrá-la, é? – Roan, revoltado.
- Claro.
- Ah,
claro.
- Mas
isso não vai acontecer de novo. – Jairo, convicto.
- E se
acontecesse? – repeti a pergunta.
- Ah,
isso não vai acontecer. Ela nunca encontraria um cara mais e
interessante que eu. Só não impliquei com você porque é meu amigo e precisa saber que Aisha não é a única mulher do mundo. Mas nunca mais faça isso
de novo. – recomendou, com seriedade. Mas eu fui insistente e refiz a pergunta:
- Tá, mas
se ela gostou de te trair e...
-
NARCISO, QUE PORRA! EU JÁ FALEI QUE NÃO HÁ CHANCES DE ISSO ACONTECER.
Arrependi-me
de ter perguntado. Roan o olhava quase amedrontado. Jairo, respirando
ofegantemente, respondeu:
- Cassandra
não me trai porque mulher não deve chifrar seu marido. Entendeu? E eu nem quero
saber o que eu faria se isso acontecesse.
- Não
leve tão a sério, cara. – pediu Roan, tocando-o no ombro. – Agora esqueça isso
e vamos indo.
Quando
saímos do quarto, o interfone tocou. Nós já pretendíamos sair do apartamento
quando o porteiro avisou que Aisha estava subindo.
- Ah,
fodeu tudo. – concluiu Jairo. – O que ela veio fazer aqui? Agora você não vai
mais querer sair com a gente. – bufando.
Jairo
terminou de falar e a campainha tocou. Aisha estava com um vestido colorido e
florido, longo e com alguns babados, com a barriga à mostra e uma flor na
cabeça, realçando seu cabelo e seu batom de tom vermelho; figurino típico de
quem iria dançar carimbó, e carregava uma sacola infantil no braço esquerdo. Não importava a roupa que ela usava: estava linda. Mas ela não estava
sozinha. Ao lado dela, estava a jovem babá, a morena de corpo sensual,
carregando meu filho no colo com uma das mãos e uma mochila colorida.
- Só você
vai poder me ajudar agora, Narciso. – Aisha entrava em casa. A babá entrou
também. Jairo assobiou; ele era um verdadeiro tarado.
- Ajuda,
é? – perguntei. Tive vontade de dizer para ela pedir ajuda ao cara que ela
beijava na foto. Não vi mais nenhum tipo de postagem com ele naqueles dias, mas
eu ainda guardava uma espécie de raiva e ciúmes. Ela cumprimentou os meus
amigos (lançou uma risada abafada para Jairo) e explicou algo que eu já
imaginava que seria:
- Me
chamaram às pressas para uma apresentação agora, Narciso, e nem minha mãe, nem
a madrinha de Samuca vai poder ficar com ele. Você não poderia me quebrar esse
galho? Por favor! Mila ficaria em casa sozinha com ele, mas houve um problema
na tubulação e estamos sem água no prédio. Só vai voltar amanhã de manhã.
Aisha
praticamente implorava. Eu ainda estava chateado por ter sido “trocado” com
tanta rapidez, mas Samuca, meu filho, precisava de mim. Seria muita infantilidade se eu negasse, ainda assim hesitei um pouco. Minha ex e linda mulher persistiu:
- Eu tô
vendo que vocês pretendiam sair agora, mas... Não tenho outra saída, Narciso.
Você sabe que eu só te peço isso em últimos casos.
Era
verdade. Olhei para meu filho, que falava uma língua estranha de bebês, e o
peguei no colo. Ele riu como uma criança feliz que era. Esporadicamente ele
passava a noite comigo. Havia um motivo certo para aquela noite. Aisha me abraçou,
me beijou no rosto, agradeceu e disse:
- Ficou a
marca do batom.
- Tudo
bem, Aisha. – eu queria que fosse em outro lugar, mas...
- A Mila
vai ficar pra te auxiliar, tudo bem? Ela trouxe todas as coisas dele, está tudo
dentro da bolsa.
Mila, a
babá, me sorriu educadamente. Vi Roan e Jairo conterem uma risadinha. Aisha me
agradeceu mais uma vez. A voz dela me fazia delirar e ela estava linda naquele
figurino e seus lábios, com batom vermelho, me pediam para beijá-los. E o meu
sonho se realizou, para meu espanto. Aisha me deu um selinho e voltou a
agradecer.
- Muito
obrigada mesmo, Narciso. – sorriso encantadoramente e beijou Samuca na
bochecha. – Ajude Narciso no que ele precisar, viu, Mila? – ordenou à babá, que aquiesceu, despediu-se de Roan e Jairo e saiu. Mas abriu a porta
rapidamente e, apenas com a cabeça para dentro, direcionou-se aos meus amigos e
recomendou:
- Não vão
extrapolar, vocês dois, hein! Principalmente você, Jairo. Cassandra não é
boba, não! – deu uma risada e saiu. Jairo fez cara de quem não entendeu nada e
deu de ombros.
- Acho
que vocês vão ter que se divertir sem mim. – eu disse aos dois. Eles entenderam e me
abraçaram ao se despedirem. Antes de saírem, Jairo antecipou-se:
- Ah, não
se preocupe: Roan vai dormir em casa hoje. – e fecharam a porta. Eu entendi
muito bem o que ele queria dizer. Mila me olhou, sorriu e tirou Samuca do meu
colo. Já passava da hora do jantar dele. Eram onze da noite. Ofereci ajuda à
babá, mas ela disse que não teria problema. Samuca iria tomar um mingau, e ele
logo iria dormir. Meu filhinho dormia cedo. Pedi que eu o colocasse para ninar.
Era uma boa oportunidade para aproveitar meu filho. Troquei minha roupa e o chamei
para o meu colo. Samuca, sorridente, não pestanejou. Mila me entregou a
mamadeira, posicionei-me na minha cama e ele se degustava com o mingau.
- Vou
tomar um banho, então. – avisou Mila.
- Depois
pode ir comer algo, se você quiser. – recomentei, e minha concentração voltou-se
toda para meu filho. Samuca vestia uma roupinha amarela, com a imagem de um elefantinho. Seus cabelos fracamente vermelhos estavam cheirosos e penteados.
Seus olhinhos miravam em mim, vividos e sonhadores.
- Tá com
sono, filhote, tá?
Samuca me
respondeu piscando os olhos. Eu não conseguia deixar de admirá-lo. Ele era tão
pequeno, frágil e com uma doçura que só um bebezinho poderia
transmitir. Além de toda essa meiguice, ele também era devorador de mingau.
Secou a mamadeira e dormiu. Deixei a mamadeira na cômoda e, delicadamente, o
coloquei no berço. Fiquei ali, ainda por mais um tempinho, antes de sair do meu
quarto, babando pelo meu garotinho.
Saí do
quarto e fui à cozinha. Mila estava fazendo um lanche. A babá de meu
filho já estava de banho tomado e seu perfume invadiu minhas narinas. Ela usava
uma roupa bem à vontade, com um short bege, curto e uma blusa da mesma cor
e de decote provocante. Mila bebia um suco quando entrei na cozinha e se
assustou. Por sorte, não derramou na sua roupa. Seria um desastre.
- Ele já
dormiu? – Mila perguntou.
- Já sim.
Foi bem rápido até.
- Ele
gosta mesmo do senhor.
- É, mas
não me chame de senhor, Mila.
Mila
assentiu e deu uma mordida no sanduíche que acabara de preparar. Eu pensei em
aproveitar a oportunidade de ter a babá do meu filho ali e perguntar do tal
namorado de Aisha, com certeza minha ex-mulher ficaria sabendo e eu queria
evitar que isso acontecesse. Meu temor era que Aisha se chateasse e nossa
aproximação fosse por água abaixo. Até que notei algo ao lado do copo de suco: era um livro aberto. As páginas continham versos. Tentei ler um poema, por trás dela, mas só li o final:
"E em teu corpo sensual
Encanto em pele morena
Louco, te sinto fatal
Me entrego ao calor da paixão
Menina, fogosa tentação
Meu sonho d´um lance real"
Francisco Andrade[2].
- Gostou do poema? - perguntou, com um sorriso meio provocante.
- Gostei, sim. - mas eu já não olhava para o livro. Eu podia ver seus seios mesmo por debaixo da blusa. Sua boca também... Eu já a sentia na minha...
"E em teu corpo sensual
Encanto em pele morena
Louco, te sinto fatal
Me entrego ao calor da paixão
Menina, fogosa tentação
Meu sonho d´um lance real"
Francisco Andrade[2].
- Gostou do poema? - perguntou, com um sorriso meio provocante.
- Gostei, sim. - mas eu já não olhava para o livro. Eu podia ver seus seios mesmo por debaixo da blusa. Sua boca também... Eu já a sentia na minha...
- O que o
senhor está olhando? – Mila perguntou, sem jeito.
- Eu? Estou com a cabeça longe. Bom, vou assistir uma série
na sala, caso queria me acompanhar, não fique com vergonha.
- Tudo
bem. Ah, o Samuca vai dormir no seu quarto, né?
- Vai
sim.
Fui para
sala, escolhi uma série e me confortei no sofá. Vi que minha carteira estava em
cima da mesa da sala, mas a preguiça venceu e não a levei para meu quarto. Mas
eu, que nem sabia que estava cansado, não assisti cinco minutos e simplesmente dormi.
Fui despertado por uns tapinhas fracos no meu rosto. Mila acordava sem querer
me acordar. Sentei-me e me espreguicei. O episódio da série já havia terminado
e eu mal vi a abertura. Mila perguntou:
- Não é
melhor você ir para o quarto?
- Acho
que sim. Obrigado por me acordar. – agradeci, sonolento. Ela iria se levantar,
mas a puxei de volta. Tomei coragem e perguntei:
- Me diga
uma coisa, Mila, mas não conta nada à Aisha. - ela concordou, sem pestanejar. A
curiosidade em ver seus seios novamente ativou.
- A
Aisha tá namorando?
- Não. –
respondeu rindo, e se aproximou de mim. – Mas ela tá com um cara.
- Eu
sabia. – lamentei.
- Por que
o senhor... Você não tenta esquecê-la, seu Narciso?
- Ela não
quer mais nada comigo, né? Ela te falou algo?
- Não me
disse nada, eu nem sei que é sério o que existe entre eles... Eu só acho que... Você deve aproveitar a sua vida, não se
prender a dona Aisha.
- E quem
disse que eu me prendo a ela?
- Ah, não
sei... Eu vejo no seu olhar, agora há pouco por exemplo, que você ainda sente
algo por ela. – respondeu, mexendo os longos cabelos negros. – E essa foto é
uma prova. – e apontou para o tal porta-retrato.
- Você
tem razão. – admiti. – Eu não queria sentir o que sinto por ela, mas sinto. –
curioso, e me sentindo livre para conversar com Mila, perguntei: - O que você
acha que eu deveria fazer?
- Hum. –
ela ficou mais a minha frente e eu me aproximei mais. – Acho que você tem que
conhecer outras pessoas... – ela tocou na minha mão com dois dedos - Você é um
homem tão bonito, não deveria ficar sozinho.
- Você
acha que eu sou um homem bonito?
Fiquei
mais próximo. Pude sentir melhor seu perfume. Sua pele morena me acelerou os
batimentos cardíacos.
- Acho. - tocando-me no rosto, disse: - Eu sei o que você quer...
Olhamo-nos.
Peguei em sua cintura e a beijei. Sua língua se envolveu na minha e sua boca
úmida me encharcaram de prazer.
- Pera. –
e me afastei. – Você tem quantos anos?
- 19.
- Ótimo.
– e voltei a beijá-la. Senti o perfume em sua nuca, minhas mãos percorriam seu
corpo esbelto e depois seus longos cabelos. Eu perdi a chance de transar com
Raquel, mas agora seria diferente. Assim como Aisha tinha um cara, eu também
poderia ter uma garota, ainda que fosse a babá do meu filho, e mais nova que eu uns dez anos.
Mila
tirou minha camisa e me beijou mais uma vez. No meu ouvido sussurrou: “Aproveite.
Me aproveite”.
Era tudo
o que eu queria ouvir. Aquela menina fogosa... Meu sonho de um lance real.
Comentários
Lealdade zero, safadeza mil dessa daí.