Conto: Amigos do Crime (Capítulo 5)
Capítulo 5 – Na bicicleta
(revisão de texto - Jéssica Katarina)
Uma mão segurava o celular
e a outra o guidom para um possível equilíbrio. A bunda sofria mais uma vez no
suporte de ferro da bicicleta. A agonia de Lizandra era maior do que na outra
vez porque tinha que sentir o cheiro de perfume forte de Osví misturado com
suor. A ideia de tapá-la a visão com a camisa do bandidinho da Rua 8 veio dele
mesmo para que a garotinha mimada não fosse vista por nenhum morador do
Condomínio Coqueiro Verde e pelos policias que os seguiam na estrada.
O grupo de “amigos do crime”
os largou sozinhos no condomínio. No início, Lisandra foi detonada por uma
raiva devastadora pela traição deles sobre Osví e logo que percebeu seu
esquecimento, a raiva evoluiu para ódio. Ela havia deixado sua sacola com
algumas roupas e facão no carro de Tucano. E com duas motos e um carro sem
chave, a bicicleta sem cadeado foi a alternativa restante para os dois. Osví a montou.
Porém, antes de pedalar, ele tirou sua camisa a forçou Lisandra a cobrir seu
rosto. Foi a pior sensação que ela poderia ter com a experiência. A escuridão
era a sua única visão. Além de um tecido suado e um frio estuporante. A
velocidade nas pernas de Osví dava a impressão de que iriam sair do lugar. Lisandra
só queria saber para onde eles estavam indo.
Vozes com sons confundíveis
e ruídos de sirene eram a trilha sonora daquela noite. Lisandra sentia que Osví
fazia curvas e mais curvas, e ela tinha que segurar firme para não cair. Por
muitas vezes, ela se perguntava se fez o certo em desafiar o espírito natalino
ao sair de madrugada na companhia de um delinquente pela cidade de Poço dos
Olhos. Por um momento se arrependeu. Se ela fosse pega, seus pais morreriam de
vergonha ao ver a filha que criaram com tanto zelo e carinho atrás das grades,
algo ainda mais irônico. Mas também havia a chance de eles encontrarem apenas
seu corpo num rua desconhecida, coberto de sangue.
Aquela, no entanto, não
era Lisandra. Cresceu no meio do luxo e conforto, mas não era uma garota fútil.
A sua companhia era apenas Brícia, alguns tios e seus pais. A sua mansão era a
sua própria prisão e para ela voltaria com o sentido de liberdade renovado. Lisandra,
com o traseiro preso no suporte de ferro, as mãos suadas no guidom e se
incomodando com o próprio odor, afastou os pensamentos negativos e o futuro incerto
da mente.
- Pra onde nós estamos
indo?! – Lizandra gritava par Osví.
- Estou despistando eles.
Fica tranquila. – berrou Osví, exaurido.
Os sons da sirene, de
fato, não estavam mais tão fortes. Lisandra não via quase nada com a camisa no
seu rosto, porém sentia que a escuridão se despedia deles. Por muito tempo em
uma noite, ela não se preocupou com o horário. Também não contava o tempo
infindável que estava sendo levada no suporte da bicicleta de Osví. Suspeitava
que teria uma bunda adormecida quando fosse se levantar, e já estava ansiosa
para que isso acontecesse logo. Lisandra, contudo, não entendia por que Osví
soltava uma risada entre um segundo e outro.
- Posso saber do que você
está rindo?! – ela bradou.
- Haha! Lisandra, eu
matei! Matei três pessoas hoje! – comemorava Osví. Imaginando que estivesse
ouvindo a coisa mais absurda vinda de um bandido, Lisandra indagou:
- Mas você é bandido! Deve
matar muita gente! POR QUE ESSA FELICIDADE TODA?!
- Porque eu não gosto de
matar. Não gosto de atirar ou esfaquear ninguém. Só de roubar e assaltar, mas
hoje...
- Por que? Você é doido?!
Como um bandido não gosta de matar? – Lisandra berrou, ansiosa para tirar a
camisa do rosto e ver o dia amanhecendo.
- É uma história longa.
Mas graças a você, tive uma coragem, um impulso doido e... Quando vi, apertei o
gatilho e... Porra! Atirei! Foi... Foi muito louco!
Lisandra sentia a
felicidade de Osví mesmo sem entendê-la. Ele tirou as mãos do guidom, levantou
as mãos para os céus e riu escandalosamente.
- VOCÊ É DOIDO! AI! – ela
sentiu sua bunda levar outra surra no ferro. Culpa de alguma pedra.
A garotinha mimada decidiu
se calar para não se desgastar. E ficou muda por pelo menos uns dez minutos.
Talvez mais. Bem mais. Lisandra só sabia que além da companhia de Osví, também
levavam o sol de carona. O dia acordava e ela ainda vivia num sonho surreal. O
silêncio só se rompia com o toque do celular de Lisandra, que passou a tocar
ininterruptamente. Até que uma freada abrupta a fez bater seu queixo da
bicicleta.
Por fim, Lisandra tirou a
camisa e entregou a Osví, que não estava com um cheiro muito agradável. E, com
rispidez, ele ordenou que ela saísse da bicicleta.
- Sai agora!
Lisandra obedeceu e se
posicionou de frente a ele. Chegaram nos fundos do casarão. Não havia vestígios
de nenhum vizinho na Rua das Marquesas. O impulso mais uma vez se
responsabilizou pela atitude mais bizarra da riquinha mimada naquela manhã do
dia 25 de dezembro. Sem pedir permissão para a sua própria sanidade e para
Osví, ela o abraçou.
- A noite foi a mais doida
que já tive. Obriga...
- Lisandra, eu consegui
despistá-los, – soltando-a. - mas não vai ser por muito tempo. Suba esse muro e
entra agora na sua casa!
- Mas...
A arma foi novamente
apontada para Lisandra. Mas o desapontamento dela, quem a segurava era Osví.
- Eu vou atirar. E eu não
estou brincando. – Osví apontou para o rosto dela, com seriedade. – SUBA NESSA
NESSE MURO AGORA! EU NÃO VOU SER PEGO POR SUA CAUSA!
O celular de Lisandra
tocou. Foi o sinal para que a seus pés sentisse o chão da realidade. Nervosa,
subiu o muro e o escalou. Apesar de sentir seu corpo todo dolorido, sobretudo a
sua bunda, conseguiu chegar ao fim do muro. Ela quis se despedir de Osví, mas
ele foi rude:
- ENTRA, LISANDRA!
Osví fez menção de que
iria disparar. Com medo de que o lado bandido dele fosse mais forte que o ser
humano que Lisandra conheceu, ela desceu do muro e entrou na sua casa. Seus pés
sentiram um estalo com descida. Escapou de não ser uma queda. Sua mãe veio da
cozinha, com o celular nas mãos, até seu encontro e a abraçou chorando em
desespero:
- Por onde você estava,
minha filha? Fui no seu quarto, mas não te vi lá. Nem quis acordar seu pai... –
ela a soltou e perguntou mais uma vez: - Você quer me matar? Onde você estava?
Seu pai me disse que falou com você de madrugada e você estava com a Brícia,
mas não vi uma foto de vocês e achei esquisito... Onde você estava, hein?
- Onde eu estava, mãe? –
Lizandra abafou um sorriso. – Eu estava vivendo, mãe. Vivendo.
Comentários
E descobriu que ainda nem era um bandido completamente formado, mas sim alguém que poderia ser bem diferente, se tivesse tido as oportunidades.
Tanto ela quanto Osvaldo tornaram-se pessoas diferentes depois dessa aventura, viveram coisas novas que os transformou internamente. Muito além do que uma noite de aventuras, foi de certa forma uma jornada de auto-conhecimento.