Conto: Oito meses
Renato buzinava sem
freio. Os vizinhos da Rua dos Irmãos e os pais de Katarina, sua namorada,
abriram e fechavam as janelas para reclamar. Ele não dava a mínima. Nove horas
da noite de sábado, não era hora de ninguém dormir. Até dona Flora, uma vizinha
fofoqueira, o olhou feio quando saía de casa.
George, um primo mais
velho, o emprestou o carro porque já teve a idade de Renato. E as terceiras
intenções também. Mas ainda assim, entregou-o a chave com pesar. Nato, como era
chamado entre os familiares, gastava mais dinheiro com ônibus do que com
comida. Levar a namorada para comemorar oito meses de namoro a pé ou dentro de
um transporte coletivo não tinha nada de romântico, apesar de Katarina ter se
esquecido do sétimo mês de namoro deles. Ela era péssima de memória.
Os oito meses de
namoro não seriam celebrados num restaurante, cinema ou barzinho – Nato tinha outros planos. O casal
precisava de um diferencial, algo em que ninguém pudesse interrompê-lo. Eles
queriam sexo, mas não podia ser na casa dele, no quarto bagunçado, ou na casa
dela, onde havia mãe, pai, primos e mais parentes por todos os cômodos. Nato
prometeu emprestar um carro, levá-la no “Noite do Amor”- um motel
recém-inaugurado e garantir uma noite dilacerante. Os seios torneados, doce de
pecado, da maçã mais suculenta, já estavam nas fantasias quando ele massacrava
a buzina do carro.
Katarina entrou no
carro, furiosa, socando Nato para tirar a mão da buzina.
– O meu pai vai ligar
pra polícia se você não parar com essa barulheira! – cada palavra era um soco
no braço dele. – E os vizinhos?! A dona Flora já deve ter ligado pra reclamar!
- Mas ela estava
saindo da casa dela agorinha!
Desviando dos murros
da namorada e da imagem da vizinha fofoqueira, Nato deu partida e acelerou. No
primeiro sinal vermelho, o casal se entregou. O cheiro de Karina não pedia
perfume, tinha um aroma peculiar. Pele de rosa, que mordia os desejos de Nato
com os cravos das suas armadilhas. Torto, ele se debruçou num abraço sufocante
e a entrelaçou em seus lábios. Saboreava o gosto quente e fogoso da boca
pequena, uma boca que se alongava nas horas mais necessárias. As mãos de
Katarina rolavam pela cintura sensível do namorado. Ele se excitava pelo
simples toque dela no seu corpo. Os lábios brigavam para não se soltar. E só se
largaram porque a buzina agora era pra eles. Os carros barulhavam
ininterruptamente para eles se moverem.
- Você estava tão
apressado que quase esqueço minha bolsa em casa. – comentou Katarina, quando
estavam chegando ao motel “Noite de amor”.
- Mas você a trouxe.
E nós vamos comemorar da melhor maneira. – e beijou a namorada na boca. Estavam
na portaria no motel e foram parados pelo porteiro. Kataria não conseguia
contar a ansiedade. Aos 19 anos, era a primeira vez que entraria num motel.
Ainda estava, na verdade, em uma das suas primeiras experiências sexuais. Ela e
o namorado aproveitavam todas as oportunidades que tinham quando estavam
sozinhos, nem que fosse uma transa rápida, mas ainda era difícil. Aquela seria
bem aproveitada.
- Oi?
A entrada no motel
daria quase $400. Nato engoliu em seco, mas pegou o cartão. Ao entregar ao
recepcionista, retirou a habilitação, pois ele pediu também a sua carteira de
identidade.
- A da garota também.
– pediu o funcionário do motel. Katarina pegou sua bolsa, enfiou a mão para
retirar uma pequena bolsinha para tirar a identidade. Mas não estava lá. Ela
sacudiu a bolsa por várias vezes. Remexeu, remexeu, e nada.
- Não acredito que
você não trouxe o seu RG. – grunhiu Nato, cerrando os dentes. – Você não
esqueceu!
- Não, eu coloquei na
minha bolsa... – ela procurava revirando todas as maquiagens, chaves e
lencinhos – Ou eu acho que eu coloquei. – concluiu, perdida como se tivesse
dentro da sua própria bolsa.
Mais uma buzina para
Nato. Sem RG, ele não tinha mais o que fazer ali. O porteiro o apressou, e
retomou a buzina, dando ré. Katarina continuava remexendo a bolsa à procura da
carteira de identidade. O namorado dirigia e dirigia. Foi somente quando
recolocou todos os seus trecos novamente na bolsa que olhou para frente. Ela
não sabia onde eles estavam. Nato entrava em ruas estreitas, sem placas de
endereço e nenhuma iluminação.
Katarina desceu sua
bolsa aos seus pés, com medo. A expressão de raiva no rosto de Nato deu lugar à
confusão, ao medo. Mordendo os lábios, reduziu a velocidade.
- Anda mais rápido. –
mandou Katarina, com as mãos juntas, preparando-se para rezar. – Sabe lá onde
você nos enfiou.
- Eu estava com tanta
raiva que nem sei onde vim parar.
- Eu percebi. –
retrucou Katarina, notando pelo retrovisor que havia algo próximo ao carro.
Alguém. – Nato, se apressa. Se apressa!
Nato verificou pelo
seu retrovisor e acelerou. Havia duas motos na direção deles. As luzes dos
veículos quase os cegaram. Nato pisou fundo, sem percebeu que passou por cima
de um buraco, entrou nas calçadas e arranhou o carro no retrovisor de outros
carros estacionados. Saíram das ruas estreitas, chegaram numa subida, avistando
um sinal de trânsito ao longe. Exigiu o máximo do motor do carro de George,
pisando no acelerador com toda a força para subir e fugir dos motoqueiros que
vinham atrás deles. “Corre, corre!”, gritava Karina, provocando seu nervosismo
no volante. Um assalto em uma rua estranha seria a pior maneira para encerrara
a noite de amor do casal. O motor, no entanto, perdia as forças quando
alcançaram a subida e ultrapassaram o sinal vermelho. Os motoqueiros, por fim,
estavam ao lado deles. As motos eram familiares. Cansados de fugir, Nato parou.
Desistiu de correr.
O casal baixou as
janelas de vidros e sentiram o vento tapeá-los o rosto e os cabelos. Era como
se tivessem corrido a pé e enfrentado todos os zumbis e demônios que eles
assistiam nas séries e filmes. Mas não havia nada de mais nos motoqueiros. Eram
apenas policias.
- Vocês estão doidos?
– perguntou um dos policias, sem sair da moto.
- Vocês estavam
fugindo da gente? Pensavam o quê? Que éramos bandidos? – o outro policial, do
lado do motorista. Katarina e Nato se olharam no espelho, tentaram arrumar os
cabelos e se explicar para os policiais, porém sem dizer coisa com coisa. As
duas autoridades não sabiam se riam da cara do casal ou se os repreendiam. Eles
receberam o RG de Nato e o documento do carro, depois os acompanharam a um
local menos perigoso, que era o que eles pretendiam desde o início quando os
viram rodando naquele beco. Os dois namorados não acreditaram no que viam: estavam
na Rua dos Irmãos, a um quarteirão da casa de Katarina. “Eu estava em algumas
ruas atrás da minha. Não percebi”, associou-se a namorada.
Nato estacionou em
frente à casa de dona Flora, a vizinha fofoqueira. As luzes apagadas. Ela ainda
não havia chegado desde a hora que eles saíram. Eram quase onze horas. Na Rua
dos Irmãos só se ouvia um ao vivo de
um restaurante da esquina, onde grupos de amigos ou casais tomavam drinques, cervejas
ao som de um acústico. Sentindo o peso da consciência, Nato pediu à namorada
concomitantemente e ela pediu a ele:
- Amor, me desculpa,
eu...
Os dois se
interromperam e riram um do outro, de mãos dadas.
- Ah... – Nato tirou
um pequeno embrulho que estava no banco de trás. Era uma caixinha roxa.
Entregou a namorada e a beijou nos lábios. – Feliz oito meses de namoro. –
desconfiada, Katarina abriu a caixa. Havia dois papeis semigruadados, largos,
brancos com dizeres de fontes escuras. – Eu não acredito! Você comprou
ingressos pro Rock In Rio? Eles já esgotaram!
- O
George, além de me emprestar o carro, me vendeu os ingressos. Ele sabe que eu
gosto do Aerosmith. – e piscou para ela. Katarina pôs a caixa com os ingressos
dentro do porta-luvas. Puxou o namorado para cima de si num beijo
descontrolado.
- Vamos estrear o
carro do seu primo.
Nato arrastou os
bancos para trás e os deitou. O perfume dissolvido ao suor na pele de Katarina
o lavou todo o juízo. Ela o beijava no pescoço, espalhando seus desejos mais
sacanas na nuca do namorado. Enquanto roubava a ansiedade dele pela boca, o
tirou a camisa. Com o carro desligado, o calor emanava, desafiando os hormônios
dos dois. Situação como aquela, em ruas desertas, à vista de um público
prisioneiro da sua própria chave, ofuscando a escuridão, arriscando sofrerem
reprovações de quem não os limpava as mãos... Situações como aquelas eram as
melhores para se fazer o que deve ser feito sempre. Sexo. Se o lugar seria
inapropriado, aproprie-se da oportunidade.
- Tenho o presente
perfeito pra você. – Katarina disse, retirando o cinto da calça dele. Nato só
acreditou porque a viu baixando o zíper. A namorada jamais aceitou esse nível
de intimidade na hora da transa. Era o melhor presente de meses de namoro. Com
os olhos fechados, as mãos na cabeça dela, sentiu seu corpo todo fora de si,
cheio de si. Estava entregue a ela. Katarina sabia como fazer, como tê-los. Ao
beijá-lo, Nato sentiu um gosto estranho na boca. Era o seu próprio gosto.
- Agora... Sou eu. –
Nato, quase sem fôlego, sem querer deu uma forte buzinada. Olhou para pelas
janelas do carro, ninguém à vista.
Katarina se deitou no
outro banco, com o sorriso mais safado. O suor na nuca dele pingava no rosto
breado dela. Nato a beijava no pescoço, do jeito que ela gostava: lentamente,
com mordidas ariscas, e o veneno escorrendo como doce de leite pelos seus
lábios. O casal ainda não sabia que em menos de uma hora seria interrompido
pela dona Flora. Os planos do casal era festejar aquele mês de namoro com seus
corpos nus, livres da moral, preso no carnal, nos desejos de cada um.
Os seios turbinados
de Katarina eram as vítimas da língua afiada de Nato. O rosto dela de jorrava
na languidez, suspiros vorazes e afoitos. Por dentro, duas pessoas ávidas umas
pelas outras, pela saliva, pelos dedos, pelo suor, pela ardência. Por fora, um
automóvel sem fôlego, suado, vítima dos olhares curiosos dos hipócritas. Por
dentro, duas pessoas que não estavam fazendo nada de mais, nada de menos,
estavam fazendo tudo. Estavam vivendo. E se descobrindo. Estavam fo...
Comentários