Placa torta indicando a contramão (trecho de CORAÇÃO SELVAGEM, de Belchior)


         “Foi por medo de avião que eu segurei pela primeira vez a rua mão”. Ao contrário deste trecho da canção "Medo de avião" de Belchior, não segurei a mão de ninguém por medo de avião. O responsável por ter feito meu corpo todo tremer e meu coração quase estancar de tanto medo foi outro: carro. Por que o medo? Não faço a mínima ideia. Diferente da maioria dos garotos, jamais tive vontade de aprender a dirigir um veículo. Até para andar de bicicleta meus pais tiveram que me obrigar, prometendo aos meus vizinhos/ amigos que se me ensinassem comprariam uma caixa de chocolate a eles. Eu aprendi, mas até hoje, ninguém sequer sentiu o cheiro do chocolate. E isso foi há 12 anos.
Pelo tempo, percebe-se que eu aprendi a comandar uma bicicleta tardiamente. Por que? Talvez por preguiça, mas principalmente por medo. Já com o carro, não houve preguiça, mas um medo inquietante. Um pavor inacreditável só de pensar em segurar o volante e sair dirigindo pelas ruas turbulentas de Belém. Eu preferia ter que apresentar uns três seminários por dia (eu era extremamente nervoso em seminários) a ter que fazer a prova prática no DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito.
   Quem me empurrou para o volante? Minha mãe, Zeneide. Normalmente é o filho que inferniza os pais para ganhar o primeiro carro. Eu, no entanto, fui totalmente o oposto. Além de ter encarado as aulas de direção como uma “forca”, também não escolhi meu automóvel na hora da compra, e mal dei palpite na cor (cinza). Zeneide o comprou sozinha com meu primo, Tyago. Quando vi o “Corsa Classic” cinza escuro na garagem do prédio senti uma estranha euforia. Cheguei perto dele e disse: “Cara, tu és o meu primeiro carro. E ao mesmo tempo que eu sinto uma alegria estranha, também sinto uma pena enorme de ti. Porque tu vais ficar todo fudido em menos de alguns dias na minha mão”.
Numa outra música, Belchior diz: “Eu tenho medo e medo está por fora O medo anda por dentro do teu coração”. Vendo que minha mãe e irmã precisavam de mim e do carro sendo utilizado, resolvi deixar a insegurança de lado e pisar no acelerador. Depois de alguns arranhões nas colunas da garagem do prédio e uma batida feia num ônibus, eu, fim, aprendi a dirigir. Ou melhor, tenho noção. Ao menos eu aprendi a gostar . Ainda tenho algumas dificuldades, mas dá pra sair de casa.
Isso, porém, não significa que eu perdi o medo. Ainda não gosto de enfrentar lugares desconhecidos sozinho ou de estacionar em vagas muito estreitas. Tenho, também, insegurança de inúmeras outras coisas: de enfrentar o mercado de trabalho; de me arriscar, independentemente da situação, pois penso apenas nas piores conseqüências, como por exemplo de ter em um relacionamento sério com alguém. O meu temor é simplesmente de me sentir incapaz, porque isso me torna uma pessoa fraca, sem atitude. Só o que resta é encarar cada obstáculo, senão, eu serei o único a perder. Embora eu não encare isso com muita facilidade.
Tento vencer essa fraqueza aos poucos. Meu carro, o qual recebeu o nome de Pointmóvel – o motivo eu digo outro dia -, é uma prova de que eu consigo quando realmente quero ou necessito – mais necessidade do que o meu “querer”, na verdade. Afinal, é exatamente um ano dirigindo nele. Um ano de incredulidade por nunca ter ocorrido nenhum acidente comigo ou com qualquer indivíduo pelas ruas. Mas ainda assim, considero muita coragem para aqueles que se metem na minha frente ou sentam no banco de carona. É um bocado arriscado.

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