Resenha: "O réu e o rei”, o livro não-censurado (livro)

“Roberto Carlos em detalhes” é o nome da polêmica biografia não autorizada, de 504 páginas, do cantor e compositor de maior sucesso de todos os tempos, Roberto Carlos (RC). O autor é o jornalista e historiador de música popular brasileira, Paulo César de Araújo, que também escreveu o livro “Eu não sou cachorro, não”, obra que trata deste gênero, num vínculo entre a ditadura e os cantores brasileiros “bregas” desse período. Ela é uma das biografias mais fieis, interessantes e detalhistas que há e por essa fidelidade não valorizada do ídolo ao seu fã, ou seja, RC a Paulo César que ela se tornou polêmica. Pois como num ataque de insanidade, o tal “rei” a considerou um desrespeito a sua intimidade e vida privada e, entre tantos absurdos, ordenou a proibição e apreensão do livro que nada mais fez que o engrandeceu. “Em detalhes”, então, se tornou uma raridade; e já não bastasse o prejuízo, o autor ainda contava com a humilhação em decorrência dos processos que recebeu, entre eles de prisão, de aproximadamente dois anos. Tudo por criar uma brilhante obra sobre a vida de seu maior ídolo.
Como, também, forma de desabafo, o autor escreveu o livro “O réu e o rei”, contando os bastidores da produção da obra proibida; desde a sua infância, na primeira vez que ouviu “Que tudo mais vá pro inferno” até, por exemplo, além da criação do Procure Saber, movimento de artista que eram a favor da proibição de biografias não autorizadas. E daí vem a pergunta: por que Paulo César de Araújo não pediu permissão do ídolo para a publicação da biografia? E eu pergunto: quem disse que ele não tentou?
Contar os percalços pelos quais Paulo César de Araújo passou seria injusto para quem ainda não leu o “O réu e o rei”. Mas uma coisa é certa: há dois RC. Ao ler “Em detalhes”, mesmo quem não gosta do cantor – como eu, que prefiro ouvir suas músicas na voz de outros -, começa a ter apreço por ele. Afinal, o compositor de “Emoções” tem grande importância na história da música brasileira, um bom e memorável exemplo é o movimento cultural dos anos 60, a “Jovem Guarda”. Porém, o livro aborda essa e outras temáticas de modo muito, muito melhor do que eu poderia tentar. Em outras palavras, ao acabar de ler o livro "proibido", você, no mínimo, terá vontade de fazer download de várias canções do RC, gostando ou não dele, de tão bom que ambos são: a biografia e o biografado.
Contudo, após ler a trajetória de vida de Paulo César Araújo em “O réu e o rei”, relacionada ao ídolo, você verá que RC só tem a cara de bom moço. Se em “RC em detalhes” se vê quase uma perfeição no compositor, neste outro essa tal perfeição passa muitíssimo longe dele. Neste ainda é notável as qualidades dele como criador de canções, mas também vê variadas falhas. Um exemplo é que Paulo César, nos meados da obra, enumerou os sucessos e fracassos nas músicas e álbuns, como um artista que perdeu a criatividade nessa arte, além de outras contradições. Ou seja, ele despe toda a roupa (nova e antiga) do imperador, exibindo um ser humano cheio de defeitos como outro qualquer, porém com um pouco menos de senso, tolerância, justiça e humildade. E se no primeiro livro dá vontade de ouvir canções como “Fera ferida” ou “Olha”, no outro dá raiva só de ver o rosto ou a voz de RC.
Claro que boa parte deste desgosto que o livro causa está relacionado à proibição ao “RC em detalhes”, além das indenizações incabíveis cobradas do ídolo ao fã, nesse caso, do rei ao réu. Aliás, vale ressaltar, que “Em detalhes” não foi o único livro que fala de sua vida, ou “intimidade”, que ele mandou proibir venda. Ele, inclusive, descartou sua própria música de seu repertório de shows, a de início de carreira que o levou ao sucesso, por pura superstição: “Quero que tudo vá pro inferno”; ele, gradualmente, passou a ter repulsa a certas palavras, e “inferno” é uma delas. E se antes RC era acessível aos fãs e à imprensa, hoje em dia ele mal concede entrevistas à Rede Globo, da qual é contratado e bajulado; nem adepto à leitura, de acordo com Paulo César, RC era ou é.
Acima de tudo, Paulo César de Araújo se defende de todas as acusações - que não foram poucas - que seu queridíssimo ídolo fez contra ele, no livro “O réu e o rei”, o qual é tão bom quanto – ou talvez melhor – que o “Em detalhes”. E isso se deva a uma escrita formal, mas acessível a qualquer leitor, que o rapta de forma que não o permite largar o livro, por ter uma narrativa cativante e, até nas críticas sutis, pois além de retratar os bastidores dos, por exemplo, autos do processo que foi acusado, também fala de um “esquecido” Chico Buarque à nada “mocinha” Rede Globo. Logo, é uma história que merece ser lida, antes que Roberto Carlos resolva censurar também, mesmo sabendo que os advogados do nada-rei já o tenham autorizado. Porque se eu fosse o biografo, teria receio a liberar “O réu e o rei”, ao conscientizar a todos que, ao contrário do que diz sua última música de sucesso, Roberto Carlos não é o cara!

Comentários

Nenhum rei é tão bonito sem sua coroa.
Achei um trabalho de muita coragem, escrever outro livro falando de Roberto Carlos alguém que sofreu tanto por tentar publicar a biografia de seu antigo ídolo.
Ego, vaidade, medo, fobia social. Reflexos/consequências do sucesso, com os quais pouquíssimas pessoas sabem lidar.
Embora tal comportamento infantil não tire a beleza das composições robertocarlianas, nos leva a contemplar a verdadeira face do grande mito Roberto Carlos, tornando-o mais humano, verdadeiro e próximo de nós. Homem como a gente, que vive, sonha, luta, ama, erra e magoa.
Do mesmo modo que a vida desregrada de Cazuza não desanima nem desestimula sua legião de fãs, acho que tais revelações sobre a personalidade e o caráter de Roberto Carlos também não queimam muito seu filme junto aos fãs.

Muito bem escrito seu texto, imparcial na medida certa, mostrando os dois lados da balança.
Eu mesmo não sabia que havia um segundo livro do autor, tratando sobre esse tema. Obrigado por compartilhar seu talento conosco.
Seus leitores seguirão aguardando ansiosos a próxima coluna!

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