Resenha: "Travessia: a vida de Milton Nascimento" (livro)

Finalizei a leitura de mais uma biografia, dessa vez escrita pela jornalista Maria Dolores: “Travessia: a vida de Milton Nascimento”, sobre a carreira de um dos mais prestigiados cantores nacionais; de início, a história sobre seus pais adotivos, Zino e Lília. O casal, que morava no Rio de Janeiro, não conseguia ter filhos e depois que se afeiçoaram ao pequeno Milton o levaram para morar com eles em Três Pontas, Minas Gerais, logo que a mãe biológica do garoto faleceu. Lília, por achar graça dos beiços carnudos do bebê, apelidou-o de Bituca, e assim ficou conhecido até hoje, ao menos pelos mais próximos. Nesse livro, entramos com facilidade na vida de Milton Nascimento com um texto deleitável, mas se diferenciando em alguns pontos das demais biografias musicais que li.
Por ser negro, Bituca sofria alguns preconceitos em Três Pontas, porém o julgavam ainda mais pela sua cor negra e por ser filho de brancos, sendo proibido por anos, por exemplo, de entrar no clube da cidade pelo dono, incluindo na sua própria festa de formatura do Ensino Médio. Com o tempo, ser negro era apenas um detalhe na vida do garoto, que estava se tornando músico mesmo sem perceber. Ele se destacava tocando músicas em bailes, mas nunca se imaginava compondo uma canção. Até que, junto com seu amigo Fernando Brant, criou o primeiro grande sucesso da sua carreira: “Travessia”, ele com a melodia e Brant com a letra. Desde então, não parou mais.
Bituca era - e ainda é - um rapaz amigo, calmo, tímido, reservado e, no começo, com um certo medo de cantar em público. Características opostas da eterna Elis Regina, que só pelo apelido de “Pimentinha” já se tinha uma ideia do gênio da cantora. O mineiro a admirava muito e o momento em que a conheceu é um dos mais marcantes do livro de Maria Dolores. Em uma festa entre músicos, Bituca a viu de longe e, para se aproximar de Elis, cantou uma canção interpretada por ela, mas foi recebido com um “Cala essa boca! Esquece essa coisa, fica quieto!”. Educada, não? E só quando ele já estava sendo reconhecido como cantor, ou seja, como Milton Nascimento que ela começou a ser “simpática” com ele. E eles nem imaginavam que se tornariam grandes amigos.
Elis Regina, Leila Diniz e Ayrton Senna foram uns dos poucos famosos que a biografia explorou mais profundamente na relação com o autor de “Maria, Maria”; além dos músicos Wagner Tiso, Fernando Brant e outros membros do Clube da Esquina. É mais fácil ler o livro “Sonhos não envelhecem: histórias do Clube da Esquina”, de Márcio Borges, para entender melhor esse movimento dos anos 60. Como se lê na biografia produzida por Maria Dolores, Milton Nascimento, um dos principais fundadores do Clube, esclareceu em uma entrevista: “Não pertenço a nenhum grupo (...), não quero que exista um ‘grupo mineiro’. Sou contra essas máfias regionais. A gente está junto, trabalhando junto, porque tem uma porção de coisas pra gente mostrar. É só isso”, explicou.
Como muitos artistas, Milton Nascimento construiu sua carreira com força e garra; como poucos, tinha boa vendagem em praticamente todos os seus discos vendidos; como muitos, também teve problemas financeiros e de saúde, sem contar as homenagens e prêmios que recebeu, como o Grammy, de 1997, na categoria Best World Music. O texto de Maria Dolores é delicado e cuidadoso, e diferente de outras biografias que, além do pouco uso de gírias ou ditados populares, mas com uma coloquialidade equilibrada e acessível para quem presa uma boa leitura, também quase nada se lê sobre as aparições do cantor em programas de televisão ou de sua influência na carreira do grupo Roupa Nova. Mas quem pretende conhecer um pouco mais sobre o universo da música brasileira e do autor de “Nos bailes da vida”, o Milton Nascimento, esse livro é essencial. 

Comentários

Thiago Cruz disse…
Grande Milton Nascimento! Não sabia de muita coisa sobre ele antes de ler sua resenha - na verdade, não sabia nada sobre a vida desse grande cantor. Espero que o livro seja merecedor de um texto tão bom assim como esse que você escreveu.

Postagens mais visitadas