Conto: Enquanto isso, na lanchonete
Este conto foi inspirado na canção "Enquanto isso, na lanchonete", da banda Vanguart.
Nos
dávamos bem, éramos um casal feliz; ao menos é o que acredito. Tenho certeza
que ela. Ainda estamos bem. Apenas isso: bem. Não difamamos um ao outro, nem
nos culpamos por nada que aconteceu, embora pareça que há um culpado. Sempre fica
essa impressão, que há um culpado. Inconscientemente procuramos alguém para
despejar a culpa, e quase sempre culpamos a nós mesmos.
Mas repito: fomos felizes,
ainda que com algumas diferenças. Ela pensava
no casamento, eu no futebol; ela em suas viagens, e eu em minhas festas. Ela na
aprovação do vestibular, e eu em não ser mais um desempregado. Coisas mínimas,
que aos poucos se tornaram o nosso limite. Deixamos passar. Fizemos de conta
que nada acontecia, e esse foi o erro. Pensei que
ela seria um dia mais diferente do que aqueles dias que costumávamos viver,
porém me enganei. Essas tantas diferenças e a distância foram apenas algumas linhas
para o ponto final. Eu, ainda nessas linhas, percebi que o ponto final estava
perto. Por isso não insisti tanto. Conhecia-a bem e sabia o que aconteceria.
Era dezembro, ainda me
lembro; o sol, a praia, as crianças correndo pra lá e pra cá. Os farofeiros,
vendedores de água, picolés, rondando pelo local; amigos jogando basquete... Os
casais de namorados. Ah, os casais de namorados. Eles passeavam de mãos dadas pela
praia, incorporados de sorrisos... Nós também estávamos alegres: mas sem olhar
um pra cara do outro, sem sorrir, sem ânimo. Apenas estávamos um ao lado do
outro. No entanto, alegres. Cada um tem sua forma alegre de viver, de namorar,
de estar juntos. Aquela era a nossa, mas não havia problema nenhum. Até o tocar
o celular dela. Eu não sabia quem era do outro lado da linha, mas sei que ficou
eufórica. Tentava disfarçar a felicidade, queria ir embora, ir à sua casa. Eu
contrariava:
- Vamos
até a minha. Você sabe, não é longe daqui.
Fomos,
consegui convencê-la. Havia muito que não iríamos à minha casa, ao meu quarto,
juntos. Mas quando íamos, já estava tudo lá: suas roupas, sapatos, boné, tudo
por precaução, eram como se fossem minhas; assim como na casa dela havia roupas
minhas. Nos encaixávamos. Esse encaixe, entretanto, se quebrou aos poucos.
Naquela
cama arrumada, calorenta e desconfortável, deitamos e... Dormimos. Foi a noite
mais diferente de todas: sem paixão, sem vida. Então, assim que acordamos,
decidimos que seria melhor ela ir embora. Como não quis usar biquíni, pegou uma
roupa antiga. Calçou sapatos, vestiu minha roupa, e já não cabia mais. O fato de
não caber mais as roupas nelas não me preocupou tanto. Estranhei ainda mais
quando fui dormir uns dias depois em sua casa: não havia mais roupas minhas lá.
Foi outro engano meu. Ela me deu uma camisa de seu pai; foi o cúmulo! Calcei os
sapatos, já meio apertados; vesti sua roupa e um short meu muito antigo. Entristece-me
com isso, mas ainda não foi a gota d água.
***
Fiquei um
tempo sem vê-la, sem ir à casa de minha namorada e quando voltei me deparei num
clima de festa, expectativas. Esperavam por alguém. Mas por quem? Pelo que
percebi eram parentes, mas ainda não sabia exatamente quem eram. Resolvi ir ao
quarto de minha namorada, o qual parecia ser de outra pessoa. Ela não se
encontrava lá e estava uma zona. Era como se... Alguém estivesse procurado
algo. Raramente o quarto ficava naquele estado.
Sentei-me
ao lado do armário e o movi do lugar, sem querer. E, por acidente, caiu um
livro de trás dele. Um álbum, mais precisamente, de fotografias. Aparentava ser
velho, empoeirado, mas continuava conservado. Deliberadamente o tirei de uma
embalagem transparente e o abri. Eram várias fotografias em que apareciam
somente duas pessoas, um casal. Nas primeiras fotos eram crianças, de mãos
dadas, sorrisos íntimos. Nas seguintes, mais jovens, porém com maior
intimidade. Nas outras, em que eles estavam mais crescidos, que descobri quem
era a garota da foto: minha namorada.
Ainda que
eu não soubesse quem era o rapaz, eu imaginei que deveria ser um amigo de
infância. Pelo visto, não só amigos. Namorico de criança até a adolescência,
que por algum motivo, que nem desejo saber qual é, se separaram. E agora, iriam
se encontrar. Um caso morto ou adormecido, e que, talvez, iria renascer.
Perguntei
à minha cunhada onde minha namorada estava e meio sem jeito, ela respondeu que
“havia dado uma saidinha”.
- Ela
sabia que eu viria. Ou não? – perguntei.
- Ela...
Deve ter esquecido. – jogou no ar, com olhares furtivos. Ela dizia
que esquecia, não acredito, não. Indaguei
novamente.
- Cê sabe
pra onde ela foi? – demorou um pouco pra responder, mas eu insisti.
- Ela foi
a uma lanchonete. A “Nosso Ponto”. Você deve conhecer. – tentando evitar me
olhar
- Por que você está me
olhando desse jeito? Você quer me dizer mais alguma coisa? - perguntei. Ela me desviava
o olhar. Eu já havia virado às costas quando a minha cunhada sussurrou em meu
ouvido:
- Olha...
Ela foi se encontrar com um primo nosso. Talvez você não saiba, mas...
- Eu já
sei, sim. Obrigado. – sorri simpaticamente e corri para a lanchonete.
Corri.
Mas por que correr? Já não adiantaria. O que vi nas fotos seria confirmado pela irmã
dela, que não a deixei que completasse a frase porque já sabia o final, pelo
tom de sua voz. E eu na casa dela, no seu quarto bagunçado, descobri o álbum de
fotografias, falei com a irmã dela, e enquanto isso na lanchonete os dois se
encontravam...
Ao chegar
próximo da lanchonete, parei e pensei: será que eu tenho que ver isso? O que eu
falaria? Conseguiria falar? E se não fosse nada? E se fosse tudo? Dei uns
passos pra atrás, fechei os olhos e dei meia-volta. Se eu os flagrasse, seja lá
o que estivessem fazendo, eu iria sofrer. E iria sofrer lembrando que fui
enganado durante tanto tempo. Na verdade, ela omitiu. Nunca soube do namoro com
um primo na infância, e fui saber... Dessa forma. Decidi, portanto, ir embora.
Preferi não ver as fotos ganhando vida.
***
À medida
que se aproximava do feriado de Natal eu fazia planos para a noite tão
esperada. Eu ainda planejava ter uma conversa com minha
namorada. Ou ex-namorada? Não eram os planos que causavam ansiedade. Pra ser
sincero, eu tentava pensar pouco neles. Tentava não imaginar o que aconteceu
naquele encontro. Seria melhor não ficar sabendo. Ela me omitiu muito. Já
estávamos distantes; não seria nada mal ficarmos definitivamente distantes. Eu
ficaria mal, confesso. Mas ficaria pior se tivesse visto algo na lanchonete...
Era melhor acabar assim: tudo numa boa.
Pra
variar, nosso último encontro oficial de namoro, numa praça que ficava quase ao
lado de casa, foi muito parecido com aquele na praia: não olhávamos um pra cara
do outro; estávamos sem ânimo, mas tinha certeza que ela já sabia o que eu
queria, a irmã dela deve-lhe ter dito.
Perguntei
dos seus planos pro Natal e ela, incrivelmente, sorriu. Disse que estaria com
família toda reunida pela primeira vez, estava realmente feliz. Pensava
ela na alegria, eu no feriado. Estávamos desconexos. A minha, já
ex- namorada não manifestava lamento algum em não passar a noite natalina ao meu lado,
depois de anos.
Abracei-a.
Chorei em seu colo, disse que ela era importante pra mim, porém a melhor saída
seria o fim do namoro, além de outras balelas sentimentais. Tão sentimentais
que ela achou uma tolice. Ela dizia que parecia uma despedida, que não precisava tanto,
sabia o porquê que eu fazia aquilo, e me deu razão. Continuaríamos a manter
contato, quem sabe até amigos.
Abraçou-me.
Beijou-me levemente no rosto e foi embora. Andava como se estivesse em uma
passarela, com mais charme de uma modelo e mais beleza que há em qualquer
poema. Aí, então, lembrei o dia em que começamos a namorar. Ainda
me lembro, era domingo...
Comentários
mas triste,tadinho do karinha.=/