Matéria: Enem e os atrasados de plantão

O Exame Nacional do Ensino Médio, o temido e famigerado Enem, foi realizado nesse fim de semana, nos dias 24 e 25 de outubro, e além contribuir para uma possível aprovação no vestibular de milhares de estudantes, também proporcionou tensão e angústia a muitos deles. Pois há uma característica que boa parte dos brasileiros, como eu, não tem: a pontualidade; e o que teve de notícia sobre os que se atrasaram e perderam a chance de fazer as provas não foi pouca. Dependendo de sua localidade, os portões fechariam às 12h ou às 13h (devido o horário de verão) e se chegasse um minuto depois, já era. E houve gente que, por mais idiota que pareça, perdeu o exame pelo segundo ano consecutivo porque se atrasou ou, acredite, porque, como um casal do Piauí, foi comer pastel antes de entrar na escola e esqueceu da hora. Hábito de brasileiro que, mesmo que tente (e eu me incluo de novo) se atrapalha com a correria do dia a dia.

Pensando nisso, lembrei-me de duas músicas do nosso pop rock que retratam a nossa realidade rotineira. Uma delas se chama “Hoje”, do álbum “Batalhões de Estranhos”[1], de 1984, gravado pela banda Camisa de Vênus e por Biquini Cavadão, em 2001, no “80”. É até mais que isso. A música de Karl Hummel e Marcelo Nova tem versos críticos, confusos e aleatórios, que descrevem o quão o indivíduo tenta se adequar nesse mundo tão aturdido de capitalismo e tecnologia, querendo fazer várias coisas ao mesmo tempo e, no fim, não faz nenhuma, muito menos manter-se em convívio com o outro. Isso nos anos 80, atualmente é ainda mais forte, como nos versos:



“Pra que escolas e faculdades, não há nada pra aprender
Eu já não vejo, eu já; não penso, já não consigo escrever
Sou faixa preta, toco guitarra, um dia vou voar de asa
Durmo de dia, trabalho à noite, não sei se volto pra casa”
.

Remetendo aos estudantes que foram barrados nos portões dos colégios e a todas as pessoas que chegam atrasadas nas universidades, estágios e trabalhos, o refrão, de musicalidade rápida, representa:

“Não há mais festa, nem carnaval
Acho que eu fui enganado
Me diga as horas, eu vou embora
Hoje eu tô atrasado”


“Conspiração Internacional”, do álbum Educação Sentimental, de 1985[2], da banda Kid Abelha e gravado por Leoni, em 2005 (na carreira solo) é outro pop rock que é fiel ao exemplificar um pouco do brasileiro e sua rotina atordoada, mas, sobretudo àquele meio azarado, em que num dia atarefadíssimo acontece todo o tipo de cagada com ele. A música de Paula Toller e Leoni tem versos que encaixam perfeitamente na vida de cada um de nós, e, nesse caso, também na vida dos vestibulandos atrasildos (ou daqueles que vão lá só pra chutar as alternativas), como no início:



“Todo mundo sabe de alguma coisa que eu não sei
De um filme que eu não vi, de um aula que eu faltei
Por mais que eu tente, eu nunca chego no horário
Eu perco tudo o que eu ponho no armário
Tudo atrapalha o que eu faço
Mas pros outros parece tão fácil”

O caso do casal citado mais acima, que foi lanchar e se esqueceu de voltar pra fazer a prova, também tem uns versos quase que em homenagem a eles:

“Se eu me distraio um único instante
Pode apostar que eu perco o mais importante”

Ao contrário do que o refrão da música do Kid Abelha diz, o que aconteceu com os vestibulandos não é um “complô, o maior que já se armou, uma conspiração internacional”, nem nada disso. Porque o local da prova é informado com uma semana de antecedência e o trânsito é ruim em qualquer dia do ano, porém ainda houve quem se atrasou porque esqueceu a caneta e foi buscá-la ou porque estava fazendo compras na 25 de Março e não encontrou vaga para estacionar. Não acredita em mim? Juro pelos meus livros como é verdade. Clique aqui e leia a matéria do G1 para conferir. E não importa o motivo, atrasou ou esqueceu documento com foto, infelizmente não entra e não faz o pavoroso Enem, mesmo com boas justificativas. Aliás, se você juntar alguns dos versos da canção do Camisa de Vênus, já seria um bom discurso para quem está em cima da hora e precisa encontrar os portões abertos:
Olho pro trânsito, olho o sinal, tá tudo engarrafado,
Vídeo cassete[3], computadores e homens codificados
(...)
Tô atrasado, me dá licença vê se sai da minha frente
Tenho miopia sou hipotenso, meu pé tá sempre dormente”

E você, meu lindíssimo leitor, pode muito bem dizer: “Ah Victor, você tá criticando os caras. Quero ver se fosse você no lugar deles”. Mas já aconteceu comigo. Em 2013, a minha prova do Enem foi realizada numa escola que fica num beco dos becos do Marex, ou seja, lá pra casa do caramba. Dias antes fui conhecer o local, mas ainda assim, no dia da prova o ônibus andava mais lento que a internet de Breves, e desci em uma pracinha, chamei um mototaxista e pedi pra ele pisar fundo pra eu poder chegar na escola. Por dez minutos eu não me atrasei. Ufa. É realmente muita adrenalina!




[1] http://www.vagalume.com.br/biquini-cavadao/hoje.html
[2] http://letras.mus.br/leoni/149661/
[3] Sim, vídeo cassete. A música é dos anos 80.

Comentários

Tema bastante pertinente e oportuno para essa semana!
Engraçado que quando acontece algum show tipo Rock in Rio, multidões de jovens acampam na porta do show para não perder a vez, no entanto atrasam-se (alguns por motivos fúteis como esse "comer um pastel", que pra mim foi o cúmulo) para um compromisso importante como o ENEM.
Seu texto ficou muito bom e equilibrado porque tratou do tema de modo imparcial, mostrando que atrasos realmente podem acontecer com quaisquer pessoas, mesmo aquelas que estudam o ano inteiro e se esforçaram, como você.
As músicas deram um toque especial ao texto, o seu toque especial, a marca registrada de seus textos.
Muito legal o/
E boa sorte para a pequena Ivna nesse ENEM! :D

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