Conto: A fúria de Natasha
Este conto foi inspirado na canção "Natasha", da banda Capital Inicial.
O ideal seria esperar
seus 18 anos para que ela se sentisse realmente livre e independente, mas
alcançar a maioridade não significava muito para Ana Paula. Ela poderia ter 18,
20 ou 50 anos e ela continuaria sendo uma prisioneira de sua própria vida. Seus
pais, amigos e namorado ainda seriam os mesmos caretas. O maior desejo de Ana
Paula era ir além, ultrapassar seus limites e viver como se não houvesse
amanhã. Os riscos seriam maiores do que ela planejava, porém desejava uma
mudança urgente. Era, então, hora de agir.
Ana Paula, aos
berros, dizia à mãe:
- EU VOU EMBORA DESTA
MERDA DE CASA! NÃO AGUENTO MAIS!
- Depois que você
fizer 18 anos, fique à vontade. – respondeu a mãe, com frieza. Para ela, a
filha jamais fugiria. Não teria coragem. “Vindo de Ana Paula, eu acredito em
qualquer coisa, dona Diula”, confabulava Murilo, o namorado da filha.
Por conviver com Ana
Paula com mais frequência que a sogra, Murilo sabia o que estava dizendo. Ele
presenciava os porres que a namorada tomava; ela experimentava todo tipo de
bebida alcoólica e se embriagava na maioria das vezes. Murilo não entendia o
que a influenciou a consumir tanta bebida, se nem ele exagerava e,
principalmente, fumar cigarros, se ele jamais colocara um cigarro na boca. E
seus amigos, por mais malucos que fossem, não dormiam bêbados pelas calçadas na
companhia de mendigos.
Os pais de Ana Paula
tinham boa condição financeira, com dois carros na garagem, e bem quistos. Ela
tinha um namorado que a tratava como uma princesa, também possuía dotes físicos
e intelectuais. Para Murilo, ela tinha uma família, namorado e amigos
perfeitos. Era difícil dizer o que fazia Ana Paula tão rebelde.
- Aí é que está: não
quero ser igual a todo mundo! – argumentava Ana Paula, irritada, ao namorado.
Iniciaram a discussão quando ela chegou à casa de Murilo com uma carteira falsificada.
– Por que eu tenho que ser igual a você? Você é todo certinho, até para beber
tem limite. Que graça tem? E seus amigos? Mais parados que você e os meus
amigos juntos!
- Paula, você tá
reclamando dos seus amigos...
- Não tô reclamando,
você é que quer que eu seja que nem eles. Mas eu não sou e nem vou ser! –
bradou. Murilo estranhou algo em sua carteira de identidade falsa. Pegou com
rispidez e verificou.
- O seu nome não é
Natasha. – enfatizou, com desconfiança. Ela o ignorou e tomou a carteira com a
mesma rispidez e pôs de volta na bolsa. – Ana, você mudou também o seu nome?
- Não interessa. – e
saiu, batendo a porta. Murilo nem teve tempo de perguntar o porquê de usar uma
camisa de mangas compridas, com uma enorme gola que cobria o seu pescoço e um
capuz que escondia o seus cabelos longos e escuros. Não era o estilo da
namorada. Aliás, Ana Paula nem mais parecia a sua namorada.
***
Impaciente com tanta gente pegando no seu pé, inclusive com Murilo, que deveria ser seu maior parceiro, Ana Paula decidiu adiantar o seu plano: fugir de casa. O correto, ela acreditava, seria sair de casa aos 18 anos, exatamente no dia do seu aniversário, mas a cada dia que sua mãe ou Murilo abriam a boca para infernizá-la, ela estourava. Estava cheia. E, na manhã do seu aniversário de 17 anos, quando ainda não estava nem perto da maior de idade, tirou algumas notas de vinte reais que estavam na cômoda da sala, onde seu pai guardava algum dinheiro, além da grana que ganhara vendendo muitas de suas próprias roupas e joias. Uma boa grana.
Olhou para a carteira
de identidade e leu: “Natasha Aragão Lopes”. Agora ela tinha 18 anos e outro
nome, um mais bonito e com mais personalidade. “Murilo é tão idiota que nem
reparou na cor do meu cabelo na foto”, criticou. Virou e viu a sua foto. Os
cabelos não estavam mais longos, nem pretos. Agora estavam curtos e verdes.
Para ela, muito mais atraentes e distantes de sua verdadeira identidade. Não
era mais a Ana Paula, nem no nome, estilo, nada mais. Olhou-se no espelho e
ficou satisfeita com o que viu: além dos cabelos curtos e verdes, havia também
uma tatuagem de uma cruz desenhada no pescoço. Ana Paula teve sorte e agradeceu
a Deus por isso, afinal, saiu sem dar tempo de um longo questionamento do
namorado sobre sua roupa com mangas compridas. Pena ter se despedido dele com
uma discussão. Porém não era mais Ana Paula. Era Natasha.
Ela não sabia para
qual cidade iria e menos ainda na casa de quem ficaria. Ou como faria para
viver. Não fazia diferença, o que importava é que estaria longe de sua antiga
vida. Seria apenas mais uma vez que tomaria um passo sem pensar, razão pela
qual ouvia diversas broncas de seus pais. Como ela viveria? Não tinha menor
ideia. “Um outro dia, um outro lugar”, ela devaneava. E ponto. Assim seria.
Saiu às cinco da
manhã, desaparecendo antes de sua mãe acordar. Pegou o primeiro ônibus que
parou em sua frente, sem ver que percurso ele faria; só sabia que seria para
fora do estado e que só desceria do transporte no início da noite. Seus pais logo
telefonaram para o seu celular, mas Natasha o desligou na mesma hora. Compraria
um chip novo assim que pudesse. Comeu um lanche qualquer na estrada e tomou
banho em restaurante. Voltou para o ônibus e só desceu lá pelas sete da noite,
sem ter noção da cidade de onde estava, mas identificou uma parada de ônibus
que ficava em frente a um bar lotado, com uma música animada e muita cerveja
sendo servida. Era disso que ela precisava: uma cerveja gelada.
Sentou-se e pediu
cerveja para o garçom. Ele, como ela já imaginava, pediu a carteira de
identidade dela. Orgulhosa e confiante, Natasha o entregou a carteira de
identidade (falsificada). Desconfiado, o garçom chamou o gerente. Ela, por fim,
temeu o pior. Será que voltaria naquela mesma noite para casa? Ou pior: iria
parar na delegacia? Por sorte, nenhuma coisa nem outra: o gerente mal olhou a
carteira e liberou a bebida.
O garçom serviu a sua
cerveja, e, antes de tomar o primeiro gole, acendeu o cigarro e tragou. Cruzou
as pernas grossas, exibidas pela saia curtíssima que havia decidido vestir,
junto com uma blusa decotada. Natasha estava ainda mais provocativa que o
normal. Essa era a intenção. Não sabia ainda exatamente para quê, pois o que
queria era chamar a atenção. Ela tinha um corpo esbelto e sexy, iria se exibir.
Até porque não tinha pais e namorado para julgá-la por isso ou por qualquer
outra bobagem.
Natasha pediu mais
uma cerveja quando um homem alto, atraente e de barba por fazer se aproximou
dela e quis se sentar ao seu lado. “Tudo bem”, respondeu, com desprezo no
olhar. Ele pediu, também, uma cerveja ao garçom e se apresentou.
- Muito prazer, meu
nome é Alex. – estendendo a mão à garota, que não o cumprimentou. Sem sentir-se
ofendido ou sem graça, ele devolveu a mão ao copo de cerveja que o garçom já
havia trazido. – E o seu?
- Natasha. –
respondeu com veemência, para ele não duvidar do nome.
- Você é bonita. E esse
seu cabelo verde, então...
- Obrigado.
- Você gostaria de
dançar comigo?
- Gostar, não. Mas
posso – e se levantou, com classe, para dançar o funk, que havia começado. O
tal Alex tentou mais intimidade, pegando na cintura de Natasha. Não hesitou.
Ele pôs a outra mão na cintura dela e sussurrou no ouvido:
- Você tem um cabelo
lindo e um belo corpo.
- Obrigada. –
agradeceu, indiferente.
- Um corpo sensual. –
e tocou na bunda dela. – Um corpo feito pro pecado, se me permite dizer. – e
ele sentiu o tapa mais forte que recebera de uma mulher.
- Atrevido. – xingou
Natasha. Espantado, Alex pediu desculpas:
- Foi apenas um
elogio.
- Para mim foi um
insulto.
- Mas não foi...
- Esquece. – disse
Natasha, voltando à mesa. Não valeria a pena discutir com um ele.
- Desculpe. – pediu
de novo, sentando-se ao lado dela. – Gostei de você, mas estou fazendo tudo
errado.
- Mas há um jeito de
melhorar. – Natasha, com um sorriso provocativo. Alex devolveu o sorriso e,
inteligentemente, tirou um embrulho do bolso da calça. Ele sabia que isso ela
não iria negar. Mostrou-a. Natasha analisou o que ele segurava e não sabia se
aceitaria ou não, ainda que quisesse. Fingindo a difícil, contou:
- Estou iniciando uma
nova vida agora. Não sei isso é o certo.
- A vida é bela e o
paraíso é um comprimido, querida – Alex, com jeito de filósofo. Natasha aceitou,
mas não tocou no embrulho. Falou, então:
- Ficarei muito feliz
se você conseguir mais. – e piscou para ele. Alex, animado, não relutou:
- É claro que sim. –
roubou um beijo dela e se levantou. – Volto já.
- Aonde você vai?
- Conseguir mais
desses para você. Quero te ver doidinha. – e entrou no interior do bar. Natasha
percebeu que algo havia caído do bolso dele, mas não comentou nada. Olhou para
o chão e se espantou ao ver um chaveiro com duas chaves e um botão com o
símbolo de travar e destravar.
“O idiota deixou cair
a chave do carro dele”, notou Natasha. No instinto, ela pegou a chave, tirou
dez reais da bolsa, entregou a outro garçom que passava ao seu lado e saiu, com
agilidade nos passos. Apertou o botão de destravar, mas nada aconteceu. Apertou
de novo e nada. Apertou novamente e destravou. O carro mais adiante acendeu as
luzes. Era uma Mercedes de cor cinza, uma das mais caras no mercado brasileiro.
Natasha, no entanto,
teria que ser rápida, pois o carro estava estacionado entre outros dois e ela
já avistara o tal Alex a sua procura. Tentando evitar o próprio nervosismo,
girou a chave na ignição do carro e fez os movimentos de baliza, calmamente,
enquanto o dono do carro se aproximava. Ele não acreditava no que estava vendo
e acelerou os passos.
A frente do carro já
estava para fora, ou seja, era preciso apenas pisar fundo e fugir. Alex
apareceu batendo na janela da porta do motorista. Apesar do som abafado,
Natasha entendia o que ele gritava: “Sai do meu carro, sua vadia! Saí daí!”.
Ela baixou um pouco a janela e gritou:
- Sai você! Vou dar
cinco segundos ou eu passo por cima!
- Vou chamar a
policia e você vai dançar...
- Quem vai dançar é
você, seu filho-da-puta-idiota! Um, dois, três...
Alex largou da
janela, se afastou e ela deu partida, com o pneu do carro rangendo, forçando o
motor. Só então, Natasha saiu da primeira marcha, desesperada. Comemorou uma de
suas primeiras conquistas ligando o som do carro e cantando, aos berros,
durante a viagem inteira. Ela não sabia para onde iria, apenas seguiu estrada.
“O mundo poderia
acabar agora, que, por mim, não tinha problema”, disse para si. Natasha seguiu
em frente comemorando sua liberdade. Ela suspeitava que em pouco tempo a
polícia estaria a sua procura, mas ela já sabia o que faria. Agora, o que
esperava por ela dali em diante só Deus poderia dizer.
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De seu Brother ...
Francisco Andrade