Resenha: "A diferença que fiz" (livro)/ A promessa não cumprida

Quando eu soube que fui aprovado em Letras - Língua Portuguesa na Universidade Federal do Pará (UFPA) minha maior preocupação era se eu iria estudar de máscara na cara ou não. Eu ainda estava com tuberculose e ainda iria recomeçar o tratamento, e não seria nada confortável assustar meus novos colegas. A verdadeira tinha que ser dita, não? Ou mentiria falando que eu era um aluno de enfermagem num tour em Letras? Fiz, então, uma promessa: durante todo o ano de 2015 eu iria contribuir com metade do meu salário, assim que eu começasse a trabalhar, para uma instituição que ajudasse crianças com câncer, pois muitos conhecidos meus já haviam morrido por ter pegado essa maldita doença ou sofreram demais com ela e eu, que tive esse problema no pulmão e não foi nada interessante suportá-lo, gostaria de ajudar outras pessoas. Recordei-me dessa promessa (que ainda não cumpri porque não consegui emprego nenhum) lendo o mais recente livro de Gutti Mendonça, o “A diferença que fiz”.

Arthur Zanichelli, ou Zani (como gostava de ser chamado) era um adolescente de dezesseis anos, rico, rebelde, mal educado, grosseiro, da pior espécie, assim como ele mesmo se considerava, que passou a dar um baita trabalho ao seu pai, o doutor Guilherme, depois da morte de sua mãe. Porém, se superou no quesito problema quando bebeu todas com seus amigos e atropelou o jovem esportista Erick durante a madrugada na cidade de Zankas e o deixou em estado gravíssimo, por pouco não o matando. Guilherme ficou “encaralhado”, e sem chão. Arthur já ouvira todos os sermões, tivera todos os castigos e nada resolvia. Como “punição”, para uma última tentativa de fazer o filho criar juízo, internaria Arthur no Hospital Santa Lúcia, onde cuidava exclusivamente de crianças com câncer e isso não era tudo: ele fingiria ser um doente e seria tratado como tal, com a diferença de que não passaria por quimioterapia ou outro tratamento, mas ficaria trancado no escritório do doutor Roberto, diretor da instituição e amigo Guilherme, para que os funcionários e as crianças imaginassem que ele estaria em tratamento. E se o protagonista continuasse a aprontar das suas, seria expulso do hospital e faria o que bem entendesse de sua vida, porém que esquecesse que tinha pai.
A história, pode-se dizer logo no começo, parece ser um pouco clichê; o protagonista é um anti-herói e tem o objetivo de valorizar a vida em um hospital com crianças com câncer, uma lição de vida. Sim, aparenta ser comum, mas duvido que o leitor largue o livro por esse ínfimo motivo. A narrativa de Gutti Mendonça amadureceu muito após seus outros dois livros (“O preço de uma lição” e “Mais uma chance”) que escreveu com Federico Devito. É o tipo de narrativa que nos familiariza com os personagens, até mesmo com o irritante Arthur, e tem uma pegada jovial, mas sem o uso de gírias ou expressões do gênero e navega num estilo romântico, de fato, e um pouco mais adulto. Aliás, mesmo não sendo um cara gentil e afável, a personalidade Zani me chamou atenção e me cativou justamente por isso, por não ser um mocinho e nem um vilão, e sim um protagonista com uma personalidade forte, humana e de carregar um texto original e inteligente.  
De todas, a cena que mais me prendeu e me arregalou os olhos foi quando Arthur decidiu, de forma inesperada, fazer uma visita a Erick, o garoto que atropelou, e sua reação com o estado dele e tudo o que teve que ouvir do doente foi um verdadeiro transe para o personagem principal e para o leitor; no caso, eu. Foi a melhor construção textual de todo o livro, cheio de surpresas e de emoção. Havia um bom tempo que eu não me emocionava tanto em uma leitura como aconteceu com “A diferença que fiz”, não pela temática em si, mas pelo percurso de alguns personagens coadjuvantes, pelos diálogos, pelo belo texto de Gutti Mendonça, e, sobretudo, por envolver pai e filho, mãe e filho, irmãos, isto é, família, algo que me sensibiliza bastante e valorizo cada vez mais. E se você não valoriza a sua família, a vida que tem e, acima de tudo, sua saúde, deixe de ser Zé-Ruela e comece a valorizá-la. O autor, no chat do facebook, pediu que eu o avisasse assim que eu acabasse de ler o livro, e como um trocadilho, o aviso com o seguinte comentário: a sua terceira obra fez uma diferença e tanto na minha vida. Iniciar o ano desse jeito valeu muito a pena. E não, não vou esquecer de cumprir minha promessa assim que estiver empregado. ;)

Comentários

E você continua com a habilidade de tornar qualquer enredo, por mais banal e clichê que seja, em algo envolvente e que desperta a curiosidade. Não que esse livro comentado seja banal, longe disso.
Ainda não li essa obra, mas a temática de mudança de vida - redenção - me chamou muito a atenção. E sou meio que bastante fraco em relação a livros/filmes sobre pessoas doentes, me sinto muito sensibilizado.
Quando fazemos a diferença na vida de outras pessoas, a nossa própria vida muda.
:)

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