Entrevista com Leoni (cantor e compositor)

O show de Leoni, ontem (27), no La Musique, não só me deixou quase sem voz de tanto que eu cantei e gritei feito doido, como matou a minha vontade de entrevistá-lo. Clássicos de outros artistas da MPB e do POP ROCK estiveram no repertório, como Eu Quero Botar Meu bloco na rua (Sérgio Sampaio), Quase um segundo (Herbert Vianna), Quase sem querer (Legião Urbana), Como nossos pais (Belchior), Vou deixar (Skank) e as parcerias com Cazuza, Incapacidade de amar e Exagerado. Músicas dos álbuns Outro Futuro (2006), A Noite Perfeita (2010) e Notícias de Mim (2015), infelizmente, ficaram de fora da apresentação, o disco Ao Vivo de 2005 esteve quase na íntegra, levando os belenenses a cantar As cartas que eu não mando, Educação sentimental, Os outros, Só pro meu prazer e Garotos II – O outro lado, a canção-resposta à Garotos (com Paula Toller, 1985). “As meninas reclamavam da atitude masculina em Garotos, eles não queriam se envolver, não eram sérios, e eu quis mostrar um outro lado que também merece uma exposição. É uma ideia que tenho, às vezes, de pegar um assunto já tratado em outra música e voltá-lo, mas com um ponto de vista mais maduro, falando de um outro lado”, explicou Leoni.
O início da carreira de Leoni surgiu em 1981, com Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, depois lançou Double de corpo e Só pro meu prazer com o Heróis da Resistência e partiu para a carreira solo em 1993. Tantas mudanças na carreira transformaram o artista, não restando mais “nenhuma célula do antigo Leoni”, como ele mesmo definiu. “Meu jeito de compor ainda é mais ou menos parecido. O que me interessa em música se ampliou, mas tem muita coisa que permanece, os compositores de antes ainda me inspiram, mas mudam os assuntos. Estudei música africana, blues, samba, não que eu tenha feito isso especificamente, porém me acrescentou bastante; e nos anos 80 era mais o rock influenciado pelo rock inglês. Atualmente a minha música tem menos fronteiras.”, contou o músico.

As letras de Leoni tem teor romântico (Melhor pra mim, Do teu lado), de amizade (Quando a dor te corta, Canção pra quando você voltar), do cotidiano (A noite perfeita, As cartas que eu não mando), sociais e conflitos interiores (As coisas não caem do céu, Gentileza gera gentileza). Com um conteúdo diverso nas suas canções, o cantor se inspira nas obras de Bob Dylan, Paul Simon, Herbert Vianna, Legião Urbana por terem assuntos diferentes nos seus trabalhos. “Filmes, livros, a vida das outras pessoas, poemas, isso me leva a outros lugares, que não é o lugar tradicional da música pop”, esclareceu. Ultimamente, Leoni tem composto com pouca frequência, mas adiantou, sem muitos detalhes, que há criação nova em parceria com Jota Quest e tem feito muitos poemas. “Tem época que eu fico meio obsessivo, escrevo, escrevo, outras vezes é mais de absorver coisas, não tenho uma disciplina ou um processo de criação. Eu componho em qualquer lugar, lendo, na fila do banco, antes me vinha uma ideia, escrevia atrás do livro, num guardanapo, guardava, levava pra casa, agora eu anoto no celular”, disse Leoni.
Léo Jaime, Herbert Vianna, Frejat, Zélia Duncan, Paulinho Moska, Ivan Lins foram e são algumas das muitas parceiras de Leoni ao longo da carreira. Para ele, o legal da parceria é que sai de si, das suas soluções, das suas ideias sobre música. “Vem alguém com uma outra ideia e a solução é inesperada. Quando eu mando a letra pro Frejat, por exemplo, eu não tenho ideia do que vem, é uma música que eu não saberia como começar a compor, envio e o deixo se virar. Com Zélia Duncan é o oposto, eu faço a melodia e ela a letra; com Paulinho já ocorreu das duas maneiras. Eu componho muito sozinho, mas tem horas que outra pessoa me dá uma outra ideia de como conduzir aquela música, de como acabar aquele assunto.”, revelou o criador de Pintura Íntima. Lembrou, também, da parceria com Móveis Coloniais de Acaju, Vespas Mandarinas e O Teatro Mágico que essas parcerias só ocorrem com músicos que ele realmente admira.

Em Seu Espião (1984) e Educação Sentimental (1985), os dois primeiros álbuns de Kid Abelha que Leoni participou, todas as canções foram assinadas por ele – em parceria com músicos diversos-, e praticamente todas se tornaram hits. Daí, o apelido de hitmaker, inventado por Ezequiel Neves - produtor musical de Cazuza - já que Leoni era o pai de muitos sucessos desse período. “Claro que eu fiz bastante sucesso nessa época e continuo tendo músicas que as pessoas gostam, mas já não são hits de rádio, de televisão, e também não é o que me interessa de verdade. É legal que eu tenha feito esses sucessos porque me garantem uma carreira, mas não vou disputar o mercado, ainda mais do jeito que tá hoje em dia. Eu teria que disputar com um tipo de música muito simples, acessível e não é o que me interessa”, dissertou Leoni.
De acordo com Leoni, a música brasileira é muito rica, porém, nos dias de hoje, quem faz música fora de um estilo como sertanejo ou funk, já tem noção que ela não vai tocar em rádio, não haverá jabá[1], então a liberdade para se criar o que quiser é maior. “Tem muita música boa sendo composta e circulando, pena que o público não saiba exatamente. É engraçado que na internet não tem nada escondido, mas é como se estivesse, porque tem tanta exposição, tanta gente, que é difícil você aparecer, ou seja, fica escondido ao ar livre. Todo mundo poderia achar, mas não acha. É um momento bastante rico, o problema é você filtrar tudo isso”, opinou o cantor. E para Leoni, essa é uma grande dificuldade para quem está iniciando uma carreira musical.
 Quando perguntei sobre Belém, Leoni não poupou elogios: “Adoro Belém. A comida, a música. Sou muito fã do pessoal da guitarrada, do Felipe Cordeiro, o pai dele, Manoel Cordeiro, o carimbó, acho um ritmo foda. Adoro vir pra cá, pena que não tive tempo de nada. Às quatro horas da manhã saí do hotel pra ir pro aeroporto, não deu tempo de visitar luga nenhum. Só consegui tomar um sorvete na Cairu”, contou, que recebeu, logo que encerrei a entrevista, uma sacola cheia de isopores com sorvetes da Cairu. “Vou tomar no aeroporto”, Leoni se entusiasmou. Então, ele pode ficar à vontade e voltar pra cá quando quiser, e eu vou perseguir a produção, como fiz ontem com a do La Musique - muito obrigado, aliás, pela paciência e disponibilidade - e a do próprio show, para conseguir outra entrevista com meu ídolo. E se a história for sempre assim, melhor pra mim e para vocês, seus lindos leitores.

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[1] Jabaculê, ou simplesmente jabá, é um termo utilizado na indústria da música brasileira para denominar uma espécie de suborno em que gravadoras pagam a emissoras de rádio ou TV pela execução de determinada música de um artista.[1]

Comentários

Como seu amigo de longa data, não posso senão rejubilar com essa realização de um sonho seu de fã e de profissional, realizar uma entrevista com esse grande e completo artista.
Conhecia muitas músicas dele, mas só fui reconhecer a autoria depois que me tornei seu amigo.
Canção pra quando você voltar, essa sempre vai ter um lugar especial em minha playlist de amizades.
Obrigado por realizar e publicar essa entrevista, pois assim pudemos conhecer um pouco mais do nosso querido Leoni, e confesso que fiquei ainda mais entusiasmado vendo o quanto ele curte nossa Belém - e nossos sorvetes da Cairu!
Invernos disse…
Formidável!
Adoro as composições do Leoni ( e quem não?), trazem boas recordações de uma longa vida de sábados incríveis.
Fiquei super feliz ao saber que você havia conseguido entrevistá-lo.
Ótima entrevista.
Adorei.

Unknown disse…
Não tenho mais adjetivos para qualificar seu trabalho. Como vc mesmo diz, este tá "fodástico".
Como sempre, maravilhoso.
Adoro o que vc escreve. E está entrevista me transportou aos bares da Braz de Aguiar, as sextas.
Simplesmente, divino.

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