Crônica: Breves no JN

Foto: Thiago Oliveira/ REC Produções

Breves esteve, ontem (25), em destaque no mais importante noticiário da televisão brasileira: o Jornal Nacional. De forma positiva? Não. De acordo com a reportagem, é a cidade com maior índice de casos com Covid-19: 459 infectados e 53 mortes. Além disso, o município onde morei por 16 anos foi um dos 16 que acionaram o “lockdown” (bloqueio total), decretado pelo Governo do Pará. Porém, durante essa semana já ocorre, das 6h às 12h, a reabertura do comércio em geral (exceto empresas de navegação para transportes de passageiros), academias, restaurantes, lanchonetes e afins. Sim, é preocupante. Breves é uma cidade “gitinha”. Todos, de alguma forma, se conhecem, são próximos. Sei disso por motivos óbvios. A última vez que estive na “capital das ilhas” foi em julho, do ano passado. Nessa viagem, aliás, foi a última vez que vi meu tio Pelado, vítima do Covid-19.
Como boa parte dos meus tios do lado materno, Lucivaldo Machado de Almeida tinha um apelido, o Pelado. Assim era conhecido desde sempre porque o vovô raspava o cabelo dele quando criança. Lembro que na noite do dia 27 de julho de 2019 saí em direção à orla da cidade, onde teria uma programação musical, incluindo o show da Major Lock, mas antes, minha tia Oneide me encontrou pelo caminho e me levou até a casa dela. Lá, estavam comemorando o primeiro aniversário de um dos netos do tio Pelado, o Thomas, filho do Jefferson. Diego, o caçula dos três filhos de tio Pelado, havia me convidado na noite anterior, num rolê que nos esbarramos (pra tu veres o tamanho de Breves).
- Tu tá indo pra onde? – perguntou tio Pelado, feliz e espantado com a minha presença repentina. Ao lado dele estava o tio Préa, o cara que gosta de me desafiar por eu conhecer bastante de música. Mas eu mal pude responder – Quero nem saber, tu vais beber umas comigo agora! Diego, pega uma latinha aqui pro Victor!
- Mas, tio, eu preciso comer antes. Não posso beber de barriga vazia. – expliquei.
- Não seja por isso. Diego!! Pega uns salgadinhos aqui pro Victor. Ele vai beber umas com a gente. – me intimou tio Pelado. - Coisa mais rara que tem é eu beber contigo.
- Ah, ele vai bem achar ruim, sim. – brincou tio Preá, já com uma latinha na mão. Realmente, eu não achei ruim. Eu só queria um pezinho pra beber. Logo eu...
Diego me levou a uma cozinha improvisada atrás do painel da mesa decorada e me serviu de um monte salgadinhos. Ele me entregou a latinha e voltamos pra companhia dos meus tios.
Diego, tio Pelado e eu (na festinha relatada)
- Desde quando tu tá aqui em Breves, meu filho?? – me perguntou tio Pelado, que não me poupou as broncas. – Mas, sim, como tu vens aqui em Breves e não vais lá em casa?! Só fica na casa da Rose, da Zenaide... Tu não vai na casa de pobre, não?
- Ah, a Rose é bem rica, sim, Pelado. – ironizou tio Preá.
- E cadê as palavras cruzadas que tu ficaste de comprar pra mim, hein? – tio Pelado me cobrou. – O que custa tu parar numa banca e comprar? E depois mandar pelo Zico? Vou já reclamar com a Zeneide... E cadê ela, hein? Nunca vem aqui em Breves...
- Ah, rapaz, pra tu tirar a Zeneide de Belém... Cara, é difícil... - comentou tio Preá.
A conversa rolava e quando eu lembrei que iria ao show da Major Lock, meus tios logo me cortaram.
- Ah, mas eu duvido que tu vai conseguir ir cedo, sim, meu filho. – avisou tio Preá. – O teu amigo Jackson vai tocar, né? Caaara, eu gosto da Major Lock, mas não tenho mais pique, não. Eu...
- Quê? Ah, não que tu vais embora cedo daqui, sim, Victor. Só vais depois do “parabéns”. – tio Pelado foi claro. – E a Ivna, hein? E o meu cunhado Tita? Cadê?
- Tio...
- Ei... Cadê o Jefferson, hein? Diego??!! Fica ai, meu filho. Bebe, bebe. Pode beber. E come à vontade. Vou aqui e já volto... Ah, me avisem quando o Pança chegar!
Aquele era o momento exato para eu aproveitar a companhia de tios e sobrinhos; alguns eu raramente vejo. Fiz fotos, brinquei e me espantei com o crescimento dos filhos de meus primos e primas. Eu só não imaginei que aquela seria minha última cerveja com o tio Pelado. Na verdade, convivi pouco com ele. Nem sou tão íntimo de alguns primos/ tios... Mas isso não reduz o amor que eu tenho pela minha família. Eu podia não conhecer tão profundamente o tio Pelado, mas pude assistir a inúmeras cenas inusitadas, de brincadeiras, de brigas, de farras, de palavrões, de risadas entre ele e meus tios Preá, Pança, Rose, Nildo, ao lado dos meus primos Diego, Junior, Zenaide, Rangel... Vai ser difícil, estranho e doloroso quando eu pisar em Breves de novo e saber que essa bagunça toda não será a mesma.
Cris e tio Jonas.
Assim como vai ser estranho ao visitar minha melhor amiga Cris e não encontrar mais o pai dela, o tio Jonas; também vítima do Covid. Ele foi criado pelo tio Adilson (já falecido há anos). Conviveu com muitos dos meus familiares, sem contar que a esposa dele, tia Socorro, é sobrinha da tia Oneide, esposa do tio Preá (dá pra notar que a minha família é um bocado grande, não?)... Tio Jonas me quebrou muitos galhos... Inclusive nessa minha última ida à Breves. Me deu tantas caronas, me levou a tantos passeios, sem contar que foi o protetor da Cris por anos. Lembro dela, no Colégio Santo Agostinho, no nosso ensino fundamental, sendo carregada no colo pelo tio Jonas, quando ela ainda não tinha cadeira de rodas. Tio Jonas a carregava no colo, carregava a cadeira pra lá e pra cá, seja nas festas de família, em viagens, blocos de carnaval... Era o protetor dela. Já estava lutando contra outras doenças antes mesmo do Covid...
Tio Jonas e tio Pelado já estiveram juntos nas bebedeiras de família... Ixi, era quando a família Acioli se juntava com a família Almeida na casa do tio Preá. Era uma cagada! Agora, eu me pergunto: o que será que esses meus dois tios estão aprontando lá no céu, hein?
Tio Pelado faleceu dia 26 de abril. Um mês atrás.
Tio Jonas faleceu logo depois, no dia 29 de abril.
Nossa família já havia levado um baque com a morte do tio Adilson... Anos depois, a avó Alegria...
Agora nos resta orar para que não haja mais motivos para que o William Bonner anuncie Breves novamente no Jornal Nacional. Pelo menos não por um motivo desses – entenderam o que eu quero dizer? - Mas, além de oração, é preciso ter cuidado, pra mais tarde não sofrer. Tudo o que eu espero é mais união. Mais cuidado. Cuide de si e do outro, de quem tu amas. Família é família. Na nossa, um dos meus primos, o Junior Portuga, é técnico de enfermagem e tá na linha frente contra o Corona Vírus. Como a minha prima Jane diz, ele é “o nosso médico”, nos auxilia, mesmo à distância, ao combate contra essa doença maldita.
Então, gatíssimos, aproveitem teus parentes, teus amigos. Cada falecimento em Breves é como se a cidade toda morresse um pouco. De certa forma, é isso o que ocorre. Em Breves, as pessoas são mais que "conhecidas", mais que "chegadas". Um conhece o outro por ser parente, amigo, vizinho, colega de farra, amigo do teu amigo, primo do teu namorado, vizinho do teu colega de trabalho, e por aí vai... Sempre há um vínculo forte. Assim como nos sentimos quando Zé Gato faleceu, seu Genésio e dona Marina Caetano também, os três vítimas do Covid, entre tantas pessoas queridas e importantes - sem contar que são parentes de amigos meus. Eu poderia até dizer que eles três, assim como tio Pelado e tio Jonas farão falta. Mas tô enganado. Eles já estão fazendo falta. Todos eles. E muita falta.

Esse é um texto meu, Victor Victório, que mesmo tendo Breves na alma, moro em Belém. Quem mora lá sofre ainda mais. Só peço (mais) uma coisa aos meus conterrâneos: cuidem-se.



Referências:


Comentários

Michele Oliveira disse…
Força Meu amigo! As coisas vão melhorar!🙏
Bruno Diego disse…
É isso aí meu irmão. Vamos nos cuidando então. Abração virtual!

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