Resenha: A audácia cinematográfica da "Praia do Futuro"
Corajoso.
Acho que essa seria a palavra certa para definir o filme “Praia do futuro”
(2014). O longa-metragem é teuto-brasileiro, dirigido por Karim Aïnouz
e
tem Wagner Moura como Donato, o salva-vidas do Corpo de Bombeiros da Praia do
Futuro. Mais uma vez, a atuação do ator brasileiro não me surpreendeu, de tão
boa que é. Contudo, o filme por si só causou algumas surpresas. O homossexualismo
em destaque, o uso da linguagem não-verbal e um roteiro bem básico foram características que me chamaram bastante atenção.
Donato
era um dos melhores salva-vidas, mas falha ao tentar salvar o rapaz que estava
se afogando na Praia do Futuro. Ele conhece o amigo da vítima, o motoqueiro alemão Konrad
(Clemens Schick) e, rapidamente, passam a manter uma relação homoafetiva.
Em uma cena, eles se conhecem e na outra estão transando. Eles sim são rápidos no
gatilho. Pois bem, os dois se apaixonam e o personagem de Wagner Moura aceita morar com o novo parceiro na Alemanha. Estaria tudo ótimo se não fosse o fato de
ele deixar o irmão mais novo para trás, o Ayrton, vivido pelo estreante Jesuíta
Barbosa.
Em
“Praia do Futuro” o abandono é o tema central do roteiro. Na verdade, esse é, de fato, o
tema. O irmão mais velho, que é visto como um ídolo, um herói pelo mais novo, abnega-o para seguir uma vida fora do Brasil com o namorado. Mas as cenas de sexo tão
são fortes que pouco se lembra da abordagem principal, e isso perde um pouco do equilíbrio entre as emblemáticas, do abandono e da paixão fulminante dos dois. Wagner Moura e Clemens
Schick não apenas se beijam, seus corpus nus são exibidos com frequência e os
momentos em que ambos transam são tão fortes e verossímeis que deve espantar até os homossexuais. Na verdade, na época do lançamento, antes do público entrar na sala do cinema, ele era informado do conteúdo pesado nas cenas em que os dois homens mantinham relação sexual. Muitos saíram antes dos primeiros trinta minutos de exibição. Tolerância zero. Quase ninguém espera tanta franqueza num longa-metragem
nacional. Mesmo porque, não é uma temática gay, e sim dois homens que se
apaixonam. E isso é digno de ser copiado. Ou seja, é uma
dica para a TV, que ainda põe a máscara na cara quando o assunto é
homossexualismo. Uma máscara das mais caretas, ainda por cima.
Aliás,
a fotografia contribui para elevar a qualidade de “Praia do Futuro”, seja nas
cenas com maior presença do calor ou do frio. Outro ponto: quase não têm falas. Os
personagens se divertem dançando e, ao mesmo tempo, namorando; nadando,
brincando na praia, fazendo compras no supermercado. Enfim, cenas expressivas e
bem feitas, baseadas em linguagem não-verbal, na maior parte. Isso ratifica
que não é necessário um filme recheado de falas longas e bobas, gritos,
piadas ambíguas e palavrões para se contar uma boa história e se tornar um
destaque. E isso é bom de lembrar: com cenas de sexo intenso entre dois homens,
pouquíssimas falas, em que quase não há diálogos na briga entre os dois irmãos, por exemplo, e
com um assunto diferente na abordagem, “Praia do Futuro” é um filme corajoso e
com muita audácia. Não tem agilidade, ação ou objetividade, mas tem a naturalidade
de uma porção de assuntos pouco retratados nesse tipo de arte. E isso já faz
uma grande diferença.
Comentários
Não assisti a esse filme da resenha, mas a evolução do cinema nacional é um fenômeno que venho acompanhando há alguns anos, e obras com qualidade superior tanto nos aspectos técnicos quanto narrativos vem surgindo aos poucos. Olga, de 2004, é um desses exemplos.
Quero muito ver sua análise de "Loucas para Casar", outro filme que é muito mais do que uma mera comédia pastelão, tratando de interessantes temas de caráter psico-sociológico.