Conto: Nos seus olhos

Este conto foi inspirado na letra "Nos seus olhos", composta e gravada por Nando Reis. E o poema inserido nele é do brevense Andrei Odilon. 


Eu já estava com a última carta de Lírio em mãos. De duas páginas. Nela, dizia que estava ansioso para o dia em que nós nos conheceríamos pessoalmente. Porém, o meu maior interesse era ler o poema, na outra folha. Desde o início, ele me escrevia poemas. E aquele foi o mais bonito de todos:

Te acompanhando com meus olhos,
Até que vire, baby, à esquina
Sei como nascem teus sonhos,
Ah! Sei de tanto, minha menina.

Desde a cor das tuas unhas
Até o desfecho do teu dia,
Pois a conheço como a nenhuma
E a tenho como eu tenha vida.

Eram apenas os primeiros versos. Na maioria, Lírio ressaltava meus olhos; dizia que eram os mais belos de todos os mortais. “Se nas fotos eles são bonitos, pessoalmente devem ser esplêndidos”, elogiava-me. Mas as fotos já não eram o suficiente. Passavam-se três anos e nós apenas nos víamos por fotos ou vídeos. A tela do computador já não bastava: nós necessitávamos de um encontro físico. De pele, de carne, de lábios, e com urgência. Mesmo morando em estados diferentes, Lírio tirou uma semana de folga do trabalho e foi até mim. Finalmente, chegara o dia.
A distância e o tempo deveriam ser os problemas. Não eram. Nosso maior empecilho era a minha família. Ela sabia do contato virtual que eu tinha com Lírio e reprovaram mais ainda o namoro. Meus pais, tios e avós, todos eram muito conservadores, principalmente minha mãe: me proibiu de usar qualquer meio tecnológico para que eu não me comunicasse mais com ele. Por isso, as cartas. E elas não chegavam em casa, e sim na casa de uma amiga. Portanto, com a aceitação de minha família ou não, Lírio e eu iríamos nos encontrar.
Nós marcamos o nosso primeiro encontro na praça mais encantadora e movimentada da cidade, a Praça das Belas Árvores. Como o próprio nome já ressaltava, as árvores, flores e toda a sua vegetação ultrapassavam o sinônimo de beleza. Era limpa, perfumada, e a companhia de passarinhos e borboletas realçava esse ambiente harmônico. O sol também estava presente com toda a sua potência. E eu, já um pouco suada, sentei-me em um banco e reli os últimos versos da carta que Lírio me enviou:

O sorriso meio-dado é tristeza,
Os passarinhos são teus olhos
Que me contam com clareza
Quão peculiares são teus modos.

Se me permite, não me permita
Eu prefiro ser assim, invasivo
Nos graciosos bastidores da avenida
Que é tua vida, meu ar, meu designío.
Lírio dos Reis.

Pela letra bem desenhada e com traços firmes, ele me transmitia segurança. No envelope, havia uma foto, também. Eu tinha várias, quase uma coleção. Era um rapaz de pele negra, de sorriso jocoso e corpo atlético. “Meu Deus, que homem forte que me contempla”, eu pensava. “Tomara que ele chegue logo”. Mal terminei o pensamento, e Lírio surgiu na minha frente. Era ainda mais forte, com um sorriso estonteante, além de ser alto e viril.
Lírio pegou em minhas mãos, beijou-as e me abraçou.
- Diana. – disse, com doçura. – Você é linda! - e me beijou. Um beijo guardado há tempos, que estava mais do que na hora de ser vivido. Sentamo-nos no mesmo banco em que eu estava e Lírio, olhando-me fixamente, disse:
- Diana, quero que faça uma coisa.
- O quê? – perguntei, curiosa.
- Quero que você olhe bem nos meus olhos e diga o que você vê agora.
Eu sabia que Lírio pediria algo assim. Com bastante atenção, pousei meus olhos nos dele, que eram mais escuros, mais densos. Eram sinceros e mais ativos. Pessoalmente, eram mais felizes, enérgicos e alinhados, como a sua caligrafia.
Respirei fundo e respondi:
- Olho nos seus olhos e lembro muito das cartas que você me escrevia. Então, o que eu posso ler é que... – com um pouco de timidez, mas com franqueza, continuei – Eles ficam ainda melhores quando eles me leem. – ele riu e eu, ainda segurando suas mãos com firmeza, perguntei: - E você, Lírio?
- Eu? Bom, nesse calor quase sufocante que está fazendo aqui... – eu ri, e ele prosseguiu: - Olho nos seus olhos e sinto que você faz eles brilharem como o astro rei.
- Você é sempre tão poético? – perguntei, com timidez.
- É apenas a verdade. – respondeu, brandamente. – Porque se você olhar nos meus olhos, o que você vai ver será seu rosto iluminado à lua de um além.
- Lua?
- Lua, sim. Eu quero te ver à noite.
- Não podemos, você sabe disso. – lembrei-o, tristemente. – Nem sei quando vamos poder nos ver de novo.
- Mas eu quero você pra mim.
- Eu sou sua. Mas eu não posso ser e você sabia disso.
- E sou seu, mas ninguém pode saber? Não gosto disso.
- Eu também não. Mas não há nada que...
- Venha comigo. Fuja comigo. – alucinou. “Ele ficou louco”, pensei.
- Fugir?
- Sim. Levante suas asas. Liberte-se. E liberte-se comigo. 
- Mas, Lírio...
- Ou você não me quer? Diana, amor, eu te proíbo de não me querer. – Lírio disse, brincando e me roubou um outro beijo.
- Eu te quero sim, mas... - por um instante, parei. Aquilo estava errado. Eu não podia me prender unicamente porque minha família era contra o meu relacionamento. Havia somente duas alternativas para isso:
- Faremos assim: você vai à minha casa e eu te apresento à minha família.
- E se eles não me aceitarem?

- Daí, eu fujo com você. Faremos uma fuga. – e dessa vez quem o beijou foi eu. Levantamo-nos, pegamos um táxi e seguimos até a minha casa. O que Lírio não sabia era que independente da reação de minha família, eu iria fugir com ele do mesmo jeito. Então, antes de sairmos do carro, olhei-o nos olhos e o beijei mais vez. Por um momento, enquanto nos beijávamos, abri meus olhos. Eu o vi tão apaixonado e isso, de certa forma, me assustou. “Meu Deus, que linda imagem me atormenta”, pensei.
Saímos do carro e, em frente à casa, girei a chave na fechadura, encostei minha mão na maçaneta, abrindo-a. Sem pensar duas vezes, beijei-o novamente. Quando acabamos de nos beijar, notei que havia alguém nos observando. Era minha mãe. E pelo olhar dela, pelo que os seus olhos representavam, eu pude ter a certeza que a fuga era a melhor opção. E eu percebi que ele também pensava a mesma coisa que eu, e de uma única maneira: olhando nos seus olhos.




Acompanhe a letra clicando aqui.

Comentários

Unknown disse…
Meu amigo, que honra participar deste conto. Minhas poesias ganham outro valor em meio às suas palavras. O conto é maravilhoso e você como pessoa e escritor é mais ainda! Um abraço!
Nay Amaral disse…
Parabéns meu amigo, sempre que leio suas publicações meus olhos brilham! Isso que é o bom, quando sentimos na alma, quando a pele arrepia, quando somos tocados verdadeiramente!
Parabéns mais uma vez.
Tu navegas por águas tempestuosas que temo em adentrar. Eis minha admiração por você, meu nobre amigo. O romance é algo que não consigo desenvolver com tanta destreza como você.

E a poesia do Dilon só tornou a obra mais preciosa.

Parabéns pelo texto e que essa e outras parcerias sejam formadas
Anônimo disse…
que maravilha de conto !!! Me fez viajar nos "olhos de ressaca de Capitu" Lembrei a cena envolvente entre o Bentinho e sua amada ! rs ! Parabéns amigo ! E que esse seja apenas o primeiro de muitos contos seus que terei o prazer de ler !!! E a poesia do Andrei é magnífica! Francisco Andrade
Vanessa disse…
Lindão cada vez melhor,viajei aqui também....amei esse conto romântico,vc sabe que eu gosto haha.
Muito sucesso sempre meu amigo,Parabéns!!!
Beiijos
Com tantos comentários poéticos, me sinto até intimidado em escrever essas linhas.
Apenas digo que o poema é muito bonito e o texto, muito bem escrito. Conto bastante interessante e romântico, na mais completa definição da palavra.
Thyago Santos disse…
Acho incrível suas inspirações em musicas, cara. Parabéns o conto está incrível.
Parabéns também ao Andrei Odilon. É a primeira produção dele que leio. e vejo que tem um grande poeta dentro de si. Infelizmente ele teve que se ausentar do grupo "A sociedade dos portas mortos" no whatsapp.

mas gostaria muito de lê-lo mais..
Parabéns aos dois, a união dos textos ficou perfeita.
Abraços.

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