Conto: O ombro amigo

Esse conto foi inspirado na música "Quando a dor de corta", criada e gravada por Leoni. Clique aqui para ver a letra. 

Foi o pior dia da minha vida. Ivan, meu melhor amigo, passava por um dos momentos mais tristes da vida dele, senão o pior. O irmão dele, Júlio, havia falecido há em decorrência de um problema sério no coração. A situação dele se agravara com o tempo e, naquela tarde nublada de domingo, não resistiu.
 Ivan costumava tecer elogios a mim por eu ter sempre uma palavra amiga nas horas mais difíceis. De fato, eu tinha facilidade em expressar meus sentimentos, como, por exemplo, quando eu queria me declarar para uma garota. Eu compunha letras de música e depois criava a melodia no violão; ou então poemas românticos para deixar a menina caidinha por mim. Para nos tirar do tédio, eu logo procurava uma série ou filme interessante para assistirmos. E quando Júlio estava internado no hospital, eu orava com toda a minha fé para que se recuperasse logo. Mas, dessa vez, nem oração, nem poema, nem música, nem televisão iriam ajudá-lo naquele momento.
Ver meu amigo ferido por dentro me fazia ficar mudo, sem saber como agir, o que pensar, sem saber como consolá-lo. A dor que cortava o coração de Ivan, de certa forma, cortava o meu também. Porque, além de tudo, eu não me considerava um bom amigo por não ter nada a dizer para acalmar ou ampará-lo. Sentia-me um verdadeiro inútil. E esse corte só não era mais profundo em mim porque jamais tive uma experiência como essa. Somente Ivan sabia o que estava sentindo.
Egoísta, eu me preocupava com outra coisa: um artigo científico que eu devia entregar naquele dia a um professor, na universidade. Porém eu não tinha condições de ir à instituição enquanto Ivan estivesse precisando do meu apoio. Eu ficaria ao lado dele, pois naquelas horas nada mais importava. Só quem importava era ele.
Nos dias em que Júlio estava deitado em uma cama de hospital, creio que eu soube como reagir àquela situação. Houve dias em que ele apenas ouvia o que nós dizíamos, deixando-nos todos desesperados. Os pais dele oravam. Os tios, amigos, colegas de trabalho faziam correntes de orações. Alguns acreditavam em milagres, uma cura repentina. Qualquer coisa que fosse, mas ele iria se curar.
A dor, contudo, vinha feito enchente quando os resultados dos exames de Júlio mostravam o pior. Admito, eu já começava a perder a esperanças. Obviamente, eu não comentava com ninguém, mas não acreditava que ele sobreviveria. Ele estava preso naquele quarto taciturno e eu já não tinha tanta certeza que sairia de lá com vida. Era possível que Júlio não voltasse a ver a luz do sol novamente, e seria carregado pela escuridão. Eu balançava a cabeça para tentar afastar tais sentimentos negativos, que não faziam bem àquela atmosfera que tanto necessitava de bons fluídos.
Nessas horas é que se pergunta até aonde vai a justiça divina. Por que se tira a vida de uma pessoa tão boa, honesta, e que não tem coragem de maltratar uma formiga sequer, enquanto há tantos criminosos soltos e saudáveis? Pena ou raiva. Nem um, nem outro. Nem raiva pela perda, nem pena pelos que perderam. Os sentimentos eram de uma tristeza que pareciam não ter fim.
Eu, enfim, vi Ivan, de longe. Meu amigo estava sentado em um banco, no corredor do hospital. Sozinho. “Talvez quisesse ficar só”, pensei. Mas, ele que me desculpasse, eu não permitiria que isso acontecesse, mesmo porque eu preferia não ficar sozinho. E acho que a melhor companhia para mim seria a dele. Sentei-me ao lado de Ivan sem que ele percebesse. Ele chorava desesperadamente, soluçando. Quando me viu, me abraçou, sem que eu tivesse tempo de dizer alguma coisa. Me abraçou com força, chorando em meu ombro e umedecendo minha camisa. Ivan e eu ficamos abraçados por uns longos minutos, como se aquele abraço pudesse trazer o irmão dele de volta. Eu estava nervoso, ainda por não saber o que dizer quando ele me soltasse.
- Ele se foi, Dan, ele se foi! – chorou, ainda abraçado a mim. – Ele não resistiu e se foi. Se foi. O meu irmão se foi! - repetiu Ivan, com dor. Ele tinha que dividir a dor dele comigo, era a melhor forma de consolo que eu poderia transmitir.
Soltei Ivan, enxugando as lágrimas que cobriam o rosto dele. Os olhos estavam vermelhos, sofríveis. Pus minha mão, carinhosamente, sobre o peito dele, o qual estava suado. O coração saltava, apertado. Os braços tremiam e também estavam suados, talvez molhados de tantas lágrimas. O corpo de Ivan exigia a mesma atenção, o mesmo cuidado e carinho que ele.
Ivan me abraçou novamente. Afaguei os cabelos dele, pois era só o que eu podia fazer. Não adiantava, afinal, ele saber o quanto eu sentia, o quanto eu lamentava pela morte do irmão. Ivan sabia disso, pois seria mais problema do que uma solução. Cobrindo-o com o meu abraço talvez disfarçasse a minha aflição. Talvez. Meus problemas, meus trabalhos acadêmicos de nada mais valiam. Só o que eu poderia dar a ele era exatamente isso: meu tempo e minha inútil compaixão. E claro, a minha presença e amizade.
- Cara, desculpe, mas... Eu nem sei o que te dizer. – assumi, envergonhado. – Você sempre disse que eu sou o tipo de amigo que tem tudo na ponta da língua, sempre sabe o que dizer nas horas mais difíceis, mas...
- Não precisa, Dan... – disse, tentando sorrir. Eu pus meu abraço por trás dele e o fiz deitar sobre o meu colo.
- Ivan, como seu amigo, não vou sair daqui, não vou te deixar... É o máximo que posso fazer: vou esperar do seu lado até essa tempestade passar. Porque, cara, infelizmente, eu só posso esperar. Mas vou esperar aqui do seu lado.
- Obrigado. – agradeceu, choroso. – Era só o que eu precisava ouvir.

Era bem possível que essa tempestade nem passasse, e com o tempo, tornar-se-ia um tempo com chuvas finas. Porém, a dor de perder o irmão não curaria. E eu fiquei ali, ao lado do meu amigo para oferecer meu ombro e meu abraço. Sozinho, ele não ficaria.


Comentários

Este comentário foi removido pelo autor.
VANESSA disse…
Hey lindão,quanto tempo to pra vir aqui...
Perdão pela ausência. Sempre com belos textos e junto deles boas músicas :)
Lindas palavras ao amigo,como é bom ter verdadeiras amizades e você é um exemplo disso.
Saudades!! Todo sucesso sempre (L)
Thiago Cruz disse…
Um texto que nem parece ficção, mas sim um relato verdadeiro, saído de algum diário.
Palavras bem posicionadas e frases bem construídas transmitiram ao leitor a emoção que os personagens sentiram.
É muito bom ter um amigo assim, que está conosco nos momentos bons e nunca nos abandona nos momentos que realmente precisamos. Melhor do que ter, é SER um amigo assim.
Obrigado por publicar um texto tão singelo e belo.
Thyago Santos disse…
Amizade é tudo!
Valorizo muito esse sentimento.
Parabéns pelo conto, Victor.
Tá muito bom mesmo! Mesmo sendo um conto, é um perfeito retrato da realidade.
Pois nunca sabemos lidar com a morte.. isso é algo que nunca aprendemos.

Abraço!!

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