Conto: No Dia Dos Namorados

O poema incluso no conto foi escrito pelo brevense Francisco Andrade.


           Aquele dia 12 de junho estava sendo um verdadeiro tormento. Passei quase a tarde toda jogado na cama, numa vasta tristeza. Eu agarrava o travesseiro como se se ele fosse minha amante. Isso? Carência. Fazia mais de um mês que Carla e eu terminamos o namoro e mesmo sabendo que a decisão foi minha, os dias eram bastante depressivos. Foram mais de dois anos juntos. Os nossos dias dos namorados foram os melhores possíveis e eu já não me via passando essa data sem ela. Porém, naquele momento eu estava sozinho. Sem a minha namorada como companhia. Pra me beijar, me abraçar. Para me trazer intensas noites de sexo e prazer. A carência estava me perturbando.
Para aumentar ainda mais a saudade e a nostalgia, encontrei um pedaço de papel dobrado com poema escrito nele. Encontrei não. Procurei, essa era a verdade. Pois quando se está na fossa, é como se procurássemos mais motivos pra sofrer. Peguei, então, o poema e comecei a ler:

Sou cão sem dono
Rei sem trono
Mago sem magia
Poeta sem poesia
Ou poesia sem poeta?
Sei lá!
É só virar a seta

Li-o apenas o início. Não tive coragem de finalizar. Além de minha feiosa caligrafia, ainda lembrava os meus dezessete anos de idade. Eu era romântico ao extremo. Carla me pediu uma declaração de amor e eu a fiz, com todo o meu carinho e esforço, mesmo não sendo bom em poesias. Para piorar, lembrei que Carla sussurrava alguns dos meus versos no meu ouvido antes de transarmos. Ela sabia que isso me dava um baita tesão. Mas assim que ela arranjou um novo namorado, devolveu-me o papel. Para ela, se tornou apenas isso: um papel. E senti meu coração despedaçado. E eu não pude fazer nada. Foi uma decisão dela.
 De repente, a porta do meu quarto se abriu e uma garota entrou como um furacão. Era Maísa, minha amiga de pelo menos uns dez anos. Jamais pensei que a encontraria daquele jeito. Seus olhos negros derramavam lágrimas sem cessar. Ela me abraçou desesperadamente, quase arrancando meu pescoço.
- Maísa, meu pescoço... – balbuciei. – Tá pra sair do lugar.
Maísa me soltou e pediu desculpas. Pude ver melhor seu belo rosto: estava inchado de tanto choro. Deve ter sido assaltada ou alguém de sua família morrera...
- Ele terminou comigo, Gê! – "Gê" foi o apelido carinhoso que ela me deu. Uma abreviação de Roger, meu verdadeiro nome. - O Mathias terminou comigo! – gritou. Sequei suas lágrimas que não paravam de sair e pedi desculpas. Sentei-a na cama e pedi que me explicasse o motivo do término.
- Mathias e eu marcamos de nos encontrar em um restaurante pra comemorar essa merda de dia dos namorados. – iniciou, visivelmente irritada. – E ele me veio com esse papo de que não sabia como me dizer isso, mas queria terminar comigo, porque estava a fim de outra pessoa. Na verdade, os dois já estavam juntos, ele só queria mesmo termin... – e Maísa recomeçou o choro. Pus a cabeça dela no meu ombro e pedi que chorasse, que desabafasse. Minha amiga estava pior que eu. Ao menos Carla não tinha terminado comigo em pleno dia dos namorados. Não era assim tão maquiavélica.
- E ainda gastei dinheiro comprando uma camisa para aquele filho...
- Calma, Maísa. Calma... – pedi, abraçando-a. Ela me soltou, enxugando as lágrimas e encontrou o poema amassado na cama. Perguntou o que era e antes de eu responder, desdobrou-o e leu em voz alta os últimos versos do poema:

Você é a magia
Da minha poesia
Que me faz vivo
As palavras do meu livro
Dona da minh´alma
Me afoga e acalma
Domina sem pudor
[pausa]
Meu reino de amor

Maísa leu “Meu reino de amor” aos prantos e me abraçou de novo. Minha camisa estava encharcada de seu choro e meu pescoço quase saindo do lugar.
- ELE TAMBÉM ESCREVIA POEMAS PARA MIM! – lembrou-me, berrando. Sem saber como consolar, apelei para um clichê.
- Maísa, você vai encontrar um cara muito melhor que ele.
- Que cara, Gê?!- ela gritava. O desespero tomou conta. - Mathias foi o único que se apaixonou por mim. Em todos os meus vinte anos, só ele se apaixonou por mim. E foi meu único namorado!
- Você é linda, Maísa. Vai ter outros caras babando por você. – fui franco. Maísa era realmente uma garota bonita e atraente. Só ela não achava isso. Era como se o espelho a mostrasse o oposto.
- Você diz isso só pra me agradar. Só porque é meu amigo.
- Claro que não!
- Claro que sim!
- Claro que não!
- Claro que sim! - gritou mais forte. - E para de mentir!
Para calar a boca de Maísa, com uma mistura de pena, de carência e desejo, puxei para perto de mim e a beijei. Seus lábios estavam úmidos, porém macios, leves... O beijo foi correspondido e isso o tornou mais gostoso. Jamais imaginei que minha amiga de tantos anos beijasse tão bem. Na verdade, jamais imaginei que eu a beijaria um dia. Muito menos numa situação como aquela. E pensando nisso, larguei-a e pedi desculpas.
- Tá vendo? Até por ter me beijado você pede desculpas! – disse Maísa. Ela ia me deixar maluco.
- Não foi isso que eu quis dizer... – senti-me à confortável em falar a verdade, já que éramos amigos de tantos anos. – Acho que eu também tô carente, sentindo falta de alguém e... Sei lá... – ensaiei uma explicação.
- Tudo bem... Que droga! – gritou – Eu só queria ter um dia dos namorados decente. Nem sequer desejei “feliz dia dos namorados” ao Mathias.
- Ainda bem. Ele não merecia, não é? – perguntei, com um leve sorriso.
- É. – ela concordou, tentando sorrir.
- Se te serve de consolo, você beija muito bem. – elogiei, aproximando-me.
- Você também, Gê.
Nossos olhos se cruzaram por segundos. Meu coração corria acelerado. Era como se estivesse de frente à minha grande amiga pela primeira vez. Não sei se era isso que eu realmente devia fazer, mas... Beijei-a novamente. Dessa vez, com mais volúpia, mais audácia. O beijo se perdeu no tempo. O tesão esquentou nossos corpos. Minhas mãos percorriam o corpo dela, sem escrúpulos. E dar uns amassos em Maísa, uma amiga que eu nunca vi com malícia alguma, fazia o prazer aumentar. Ela não era somente minha amiga. Mas uma mulher que me despertava desejos que eu não imaginava em mim.
- O que está acontecendo com a gente? – ela perguntou, beijando-me de novo.
- Não faço ideia. – respondi, sentindo suas mãos levantarem minha camisa. Eu a permiti que tirasse. Sem perceber, eu estava melado de suor. Beijei-a novamente e nos jogamos na cama. Ela beijava meu pescoço enquanto eu tirava a sua blusa.
Paramos de nos beijar por um instante. Olhei-a com seriedade e disse:
- Nossa amizade vai pro beleleu.
- Se depender de mim, não. – ela assegurou, apenas de sutiã.
- Nem de mim. – e voltamos a nos beijar, com mais vontade e pressa. Como se o mundo fosse acabar ali. E aquelas eram as últimas horas que tínhamos para aproveitar um ao outro.
- Você tem certeza? Será que isso vai dar certo? – teimei, inseguro. Maísa foi aos meus ouvidos e sussurrou, com uma voz delicada e muito sexy:

Me afoga e acalma
Domina sem pudor

Nem a deixei terminar os antigos versos que eu mesmo fiz. Beijei-a novamente. Mas antes que continuássemos a sacanagem, falei o que realmente precisava ser dito naquele dia:
- Feliz dia dos namorados!

Comentários

Nay Amaral disse…
Perfeito! Parabéns meu amigo por mais uma bela publicação.
Unknown disse…
Ameii mano,está de parabéns,textos assim me fascinam!!
Anônimo disse…
Cara ! Que prazer ver meu humilde poema ganhar vida em seu conto!!! Simplesmente maravilhoso! Obrigado amigo Seu conto deu vida ao meu poema...Não sei te explicar a sensação de vê-lo ganhar vida!!! Maravilha de conto! Parabéns amigo!
Francisco Andrade
Lindo texto, bonito sem ser piegas e ousado sem ser vulgar.
Impressionante como sua prosa se aperfeiçoa a cada texto, vc tá escrevendo de modo mais maduro.
Seu conto de hoje me lembrou Chandler e Monica, casal muito querido da série estadunidense Friends.
Bastante parecido com o início do relacionamento deles, impossível não sorrir de modo nostálgico.
Keep up the good work! Meu conto favorito até agora.
Vanessa disse…
Lindãoo,demorei a vir aqui...mas aqui estou rs. E nossa que belo conto,mandou demais!
Gostei muito,tá de de parabéns! E tá vendo só, o amor pode estar do nosso lado rs.
Um Beijãoo

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