Novela: Ardente traição. Capítulo 1
Capítulo 1 inspirado na canção "Paixão", de Kledir Ramil, interpretada por Kleiton e Kledir e, anos depois, por Fábior Jr e Claudia Leitte. Clique aqui para ler a letra.
Ardente Traição - Capítulo 01
O
apartamento estava abarrotado com tantos balões coloridos, comidinhas
açucaradas, musiquinhas esquisitas e crianças gritando e correndo por todos os
cantos. Uma taça de vinho tinto era a minha companheira num canto do sofá da
sala, com um pratinho de salgadinhos ao lado. Festas infantis não eram as
minhas favoritas, mas meu filho comemorava seus dois aninhos e valia o
sacrifício naquele sábado à noite. A mãe do pequeno Samuca era o segundo motivo
por eu ter permanecido ali até o fim. Aisha já teria me expulsado da casa, se
dependesse dela, mas teria que aguentar o ex-namorado. Eu seria o último a sair
da festinha e ainda ajudaria a arrumar toda aquela bagunça. No início, ela
poderia até não gostar, no entanto a culpa era dela. Dela e de seus olhos cor de mel,
tão penetrantes e sérios, que me intimidavam no primeiro instante que me
encaravam. Era culpa dela, dos seus olhos, do seu sorriso contido, bochechas
discretas, do seu corpo branquelo e seus lábios carnudos... Ah, seus lábios
carnudos... E a roupa que Aisha usava me seduzia a cada olhada minha; uma blusa
azul colada que se laqueava com um fecho éclair e sua calça jeans apertada,
realçando seu bundão avantajado.
Um ano e dois
meses de namoro que poderia ter durado mais se não fosse um insignificante mal
entendido. Fofoca, para ser mais direto. Eu jurei em nome de toda a minha
família e de todos os santos que eu não a traí (embora vontade não me faltasse)
naquela tão tentadora despedida de solteiro do meu primo Roan, com sua noiva
Taila, mas Aisha não acreditou em mim e menos ainda nos convidados da festa;
preferiu dar ouvidos à sua colega Cassandra. Porque Cassandra, sim, descobriu
que levou um belo par de chifres de Jairo na despedida de solteiro e, com o
veneno escorrendo pelos lábios, tentou e conseguiu infernizar o nosso namoro
para não ficar sozinha com galhos na cabeça. Meus argumentos, por mais válidos
e sinceros, não a convenceram (e minha fama de ex-galinha também) e Aisha
deixou bem claro que, ao contrário de Cassandra, que perdoou Jairo, não
reataríamos e que eu era tão safado quanto meu amigo. E ela ainda dizia, quando
namorávamos, que era alucinadamente apaixonada por mim... E eu por ela. Pela
sua voz sedutora, sua pele cheirosa, sua cor branquinha, com sardas nas
bochechas, seus cabelos levemente avermelhados e sua boca carnuda... A boca
carnuda era meu maior tesão! Contudo, não estávamos mais juntos. E como
vingança, a primeira oportunidade que tive, dormi com uma colega dela... a tal
Cassandra.
Ainda assim, eu sentia falta de Aisha. Quando estávamos juntos, eu a achava mais sorridente e amável, e mais magra. Ela engordou um pouco, o rosto e o corpo ficaram mais inchados e vivia indo ao médico. Pensei que Aisha tivesse entrado em depressão por causa do término, se afogando na comida pra disfarçar a fossa. Mas não. Descobri pela mãe dela que eu me tornaria pai de um menino. Sem namorada, mas com um filho... Porém, eu a teria nos meus braços de novo, porque eu era teimoso. Um dia, um dia...
- Quer
comer um mousse de limão, seu Narciso? – perguntou-me, gentilmente, Mila, a mais
nova babá do meu filho. Ela era uma garota novinha, morena, de um bundão
chamativo e olhar inocente, mas o meu foco era outro. Meu foco era Aisha, e
se ela percebesse que eu estava flertando a babá do Samuca as chances que eu
sonhava ter com ela seriam nulas.
Aceitei o
mousse de limão e Mila voltou à cozinha. Engatinhando, Samuca chamou minha
atenção e eu o carreguei no colo. Ele tinha os cabelos vermelhos como
os da mãe e os lábios finos que lembravam os meus.
- Filho,
você acha que o papai ainda tem uma chance com a mamãe?
O pai de
uma criança bisbilhotava com curiosidade. Samuca me respondeu com uma risada
gostosa de bebê. Porém, o momento ícone da festa foi ao cantar os “parabéns a
você”, quando a minha ex-sogra, dona Nina, insistiu para que fizéssemos uma
foto juntos: Aisha, Samuca e eu.
- Pare de
se fazer de difícil, Aisha! – gritava, minha querida ex-sogra. Com um sorriso
forçado, Aisha pousou para a foto. As esperanças de que a mãe do meu filho um
dia voltaria a me tratar com mais delicadeza ainda não haviam morrido.
Os
convidados se despediam de dois em dois, até que eu fui o único que sobrou.
Antes de ir, dona Nina cochichou no meu ouvido:
- É agora
ou nunca, Narciso! – e me deu uns tapinhas na costa. Pelo visto, eu ainda tinha o apoio de minha sogra para reatar com Aisha.
Aceitei
mais um copo de vinho oferecido por Mila, dei um beijo de boa noite em meu
filho, que foi levado pela babá para o seu quarto, e fui até a cozinha. Aisha estava
debruçada sobre a pia, lavando talher por talher, prato por prato e,
educadamente, ofereci ajuda. E ela, nada educadamente, me respondeu:
- Não.
Aliás, o que você ainda faz aqui, Narciso?
- Vim oferecer
ajuda, te fazer companhia... – fiz que nem senti a patada.
- Não
precisa, Narciso. A Mila me ajuda... – Aisha parou por um segundo, analisou a
pilha de louça na pia e decidiu: - Quer saber? Dane-se. Lavo amanhã de manhã.
- A Mila
já foi dormir? – perguntei, interessado. Aisha retirava uma taça limpa do
armário da cozinha.
- Por
quê? – servindo-se de vinho. - Você vai dar em cima dela, também? – bebeu, logo
em seguida e eu a acompanhei até a sala.
- Eu não
dei em cima de ninguém, Aisha! E pare de ser tão grossa! – tentei me defender.
A mãe do meu filho retirava algumas outras louças sujas que estavam na sala e
levava à cozinha. – Quando você vai acreditar em mim? Não aconteceu nada
naquela despedida de solteiro do Roan!
Aisha me
olhou como se eu a tivesse ofendido.
- Narciso, você quer que eu caia nessa? – retornando para a sala, e eu a seguindo.
- Não
sei, mas uma coisa eu posso afirmar... – e deduzi, convicto. – Pra você tocar
nesse assunto, depois de tanto tempo, é porque você ainda se importa. E a sua mãe ainda gosta de mim. Ela sabe que a gente deve ficar junto. Não é?
Um urso
de pelúcia estava nas mãos de Aisha quando ela ouviu minha pergunta. Ela fez pose
de metida e não respondeu. Pôs todos os brinquedos num canto da sala e pegou a
taça de vinho. Antes de beber, Aisha respondeu não respondendo:
- Você é
ridículo. E minha mãe tá ficando caduca. – e bebeu de uma vez só. Sem que ela percebesse, fui por trás dela e
a abracei. Sussurrando em seu ouvido, iniciei o charme:
- Pare
com isso e se entregue logo.
- Para. –
tentava se soltar.
- Você sabe
que eu ainda te amo. Que Amo a sua voz sedutora, a sua cor, seus cabelos
vermelhos...
- Para,
Narciso... – e se soltou, quase derramando minha taça de vinho.
- Se você
não quisesse nada comigo, para início de conversa, você já teria me expulsado
do seu apartamento. – aleguei.
- A festa
é do seu filho, também, e não sou mal educada. – argumentou, friamente. Aisha
bebia mais vinho. Inveja daquela taça.
- Mas você tocou nesse assunto besta de traição, e eu não te traí coisa alguma.
Aisha
cruzou os braços e seus seios me sequestravam a órbita. Incrédula e num tom
irônico, perguntou:
- Quer
dizer que você nunca me traiu?
- Nunca.
- Você é
um mentiroso.
- Você
não tem provas que eu te traí, Aisha! Você deu ouvidos a uma fofoca besta da Cassandra! – foi o meu melhor argumento. Aisha abriu
a boca, tentando revidar, mas a frase ficou presa no ar. Não sabia o que dizer.
Nem tinha o que dizer. Ela realmente não tinha provas. – Mas eu tenho uma
prova. – a abracei por trás novamente, e a beijei no pescoço. Dessa vez ela não
hesitou. Com uma pegada que eu sei que ela curtia, virei-a de frente para mim e
a beijei. Aisha tentou desvencilhar, mas se entregar foi a alternativa mais
fácil.
A saudade
que eu tinha daquele beijo era imensurável. Um beijo capcioso, devastador, louco para não ter fim. Até que me soltou e bebeu um gole de vinho da minha
taça. Serviu-me um pouco mais de bebida e, rindo, comentei:
-
Cuidado, você sabe que quando eu bebo eu perco juízo.
- Sei bem
disso. – resmungou.
- E eu
não vou me responsabilizar... – beijei-a no pescoço de novo. – Nem por mim, nem
por você.
Seus
cabelos ruivos me inebriavam, e eu vasculhava suas curvas alucinantes enquanto
eu beijava sua nuca. Beijei seu rosto e novamente meus lábios se encontraram
nos dela. Outro beijo aconteceu, simplesmente, com mais profundidade, mais excitação. Pude ver aquelas sardinhas mais de perto e senti seu perfume levemente
doce. Porém, mesmo assim, ela me empurrou e saiu correndo em direção ao seu
quarto. Aisha tentou fechar a porta na minha cara. Eu fui mais forte e a
impedi.
- Aisha,
por que você resiste tanto? - entrei no quarto, ofegante.
-
Porque... – ela arquejou e, com um certo sacrifício, admitiu, num tom mais fraco,
já que no quartinho ao lado, separado apenas por uma porta sanfonada de
plástico, Samuca dormia: - Eu prometi a mim mesma que nunca mais... Faria o que
fiz...
- E... O
que você fez? Não tô entendendo.
- Tudo
bem, Narciso... – ela se sentou na cama, desolada. – Eu acredito quando você diz que não me
traiu naquela despedida de solteiro.
- Ah, que
bom...
- Não me
interrompa...
- Tá...
- Eu
aproveitei a fofoca da Cassandra para terminar com você, pra jogar uma culpa
que você não tinha.
- E por
que você terminou o nosso namoro? – fechei e tranquei a porta do quarto dela,
esperando ansiosamente uma resposta.
- Porque
você sempre foi um galinha, Narciso, sempre. Não acreditei que você pudesse
mudar. Então por isso, eu... Eu... Te traí.
- Você...
Me traiu?
- Sim, eu
te traí porque eu tinha certeza que você também me traía ou já deu em cima de outras mulheres. Por isso terminei.
Acho que não seria justo continuar o nosso namoro daquela forma, desconfiando de você e depois de ter te traído.
- Posso
saber com quem você me traiu, ao menos?
- Pode.
Foi com... Jairo. - ela reconheceu, sem graça. Contive a risada. Não, não contive.
Ri com gosto.
- Com
Jairo?! Então além de ele ter traído a Cassandra na despedida de solteiro de
Roan, ele a traiu com você?!
- Sim,
mas só fiz isso porque você sempre foi um galinha! Eu tinha certeza que você me
traia e...
- Aisha,
você é... Doida! Isso tudo que você tá dizendo é uma doidera só! Eu sempre fui
fiel a você! Nunca dei em cima de mulher nenhuma e nunca te traí... Tá, vontade até tive... Na festa de despedida,
então... Mas nunca te traí! – mudei de assunto porque notei uma expressão nada
amigável no rosto dela depois de ouvir minha sinceridade - E você fez tudo isso
porque eu tinha fama de galinha? Que motivo mais... Espera! – lembrei-me de
algo importantíssimo. – Samuca é realmente meu filho, não é?
- Claro
que é!
- Bom,
nesse caso... – aproximei-me dela e a beijei outra vez. O beijo rolava, e minha
mão tentava, com dificuldade, abrir aquele maldito fecho éclair. Eu estava
perdendo para um fecho éclair!
- Você me
ouviu? Eu te traí! – Aisha repetiu a informação, sem se esquivar.
- Ouvi,
sim. E, de raiva, eu dormi com a Cassandra dias depois que você terminou nosso
namoro. Ou seja, estamos quites. – e a beijei.
- Que
confusão... E o Jairo sabe disso?
- Não. E
acho que ele nem se importaria, pra ser bem honesto. Ele ficou com uma garota
na despedida de solteiro. E Cassandra disse não iria ficar com um outro homem de novo. É doida de amores por ele.
- Safados.
Vocês dois.
- Só um
pouco – a tornei a beijá-la, ainda tentando abrir o fecho éclair.
- Você
dizia que estava na fossa! – e me bateu no rosto. Não doeu tanto.
- Eu
estava na fossa, mas eu ainda estava vivo. E pode me bater. Eu gosto. – eu
ainda lutava contra o fecho éclair. Irritado, puxei-o com tanta força que
rasguei a blusa dela. – Foda-se! – e nos beijamos com mais ardor. Arrastei-a
até a parede e seus pés, sem querer, empurraram o tapete para debaixo da cama.
Tirei a minha camisa e a joguei no chão. Meus lábios matavam a saudade de seus
seios, seu umbigo, cada parte do seu corpo, até que tirei, calmamente, sua
calça jeans. Aisha, como eu desejava havia meses, estava inteiramente nua e
somente para mim. Seus seios branquinhos e redondos recebiam minhas mordidas e
meus chupões, e eu ouvia seus gemidos, seus suspiros em falsetes coisas que não
sabia dizer o que eram. Meu corpo poderia queimar de tanto ardor, tanto tesão,
mas eu o explorava, juntando nossas mãos numa só e nossas pernas interligadas.
Deitados na cama dela, aumentamos essa febre louca gerada dos nossos
corpos entrelaçados, arrepiando cada pelo do meu corpo. A cama de casal ficou
pequena para tanto prazer.
- Você
sabe que só saio daqui amanhã de manhã. – avisei, no seu ouvido. – Vou passar a
noite grudado em você.
- Fique à vontade.
Tanto
tempo separados nos provou que nossa noite como amantes foi a melhor do que
todas as que tivemos quando namorávamos. Era o fogo que faltava para aquecer
nosso desejo quase tão debilitado. Mas foi uma transa foda demais para se
resumir somente em uma. Eu queria que ela se repetisse sempre. Toda noite.
Todos os dias. Aisha e eu passaríamos uma borracha no nosso passado, nas
traições, nas confusões e desconfianças. Para que isso acontecesse, porém,
tínhamos que voltar de cabeça erguida e consciência limpa.
Eram
cinco da manhã. Encharcamos a cama de suor, nossos cabelos pingavam e ainda não
estávamos satisfeitos, mas logo Samuca poderia acordar e estávamos preparados
para isso. Eu estava preparado também para fazer de Aisha a mulher mais feliz,
em todos os sentidos.
- Essa
noite não pode terminar aqui. – comentei, tocando nas suas costas nuas com
minha mão saliente.
- O que
você quer dizer com isso? – perguntou, olhando-me nos olhos e encostando a sua
mão na minha.
- Quero
voltar pra sua vida, Aisha, mas não com essa imagem de galinha ou como uma
paixão mal resolvida. Como uma paixão reacendida, mas isso não depende só de
mim. – e a beijei no rosto.
- Não
quero pensar nisso agora.
- Você
quer pensar no que, então?
- No que
fizemos hoje. Eu não lembrava como você era gostoso. – riu com safadeza e me
mordeu o pescoço, deixando uma marca vermelha e me fazendo levitar com essa dor prazerosa.
- Se eu
pudesse, ficaria aqui até o fim do dia. – voltando a tocar suas costas,
descendo para sua bunda, tão deliciosa...
- Mas não
temos muito tempo. Você sabe... – ela me lembrou.
- Vamos
ficar. Só mais um pouco... – eu pedia, beijando-a na nuca, arrancando seus
suspiros mais bobos. – Eu estava com saudade desse cabelo, desse corpo tão
preciso, tão... Tão lindo. O mais lindo de todos os mortais.
- Não
sabia que você era romântico.
- Quando
se trata de você, posso ser.
- Nossa!
Você tá bem saidinho... – ela dizia, abobalhada, nas nuvens.
- A culpa
é sua.
- Minha?
- Sim.
Aisha, você tem algo que mulher nenhuma tem. Tem um... Não sei explicar, um não
sei o que de paraíso, de inferno, de pecado, de pureza, de doçura. Tudo numa
mulher só. E tem... – e a beijei nos lábios lentamente. – Tem uma beleza
infinita, incomum, que me deixei fascinado até hoje.
- Eu
sabia que você sempre foi louco por mim.
- Fui e
sou. Uma paixão ardente. E o que mais me enlouquece em você, se é que é
possível, é a sua boca. – a beijei, mordendo-a com carinho nos lábios. – É a
boca mais suculenta, mais delicada e mais... Gostosa – sussurrei – que a minha
já beijou.
- Então beije ela de novo, antes que...
Alguém
batia na porta com violência.
- Dona
Aisha! O Samuca quer a senhora! – a voz de sono de Mila, do outro lado da porta,
com Samuca nos braços. O quartinho de meu filho ficava de frente para o quarto
que a babá dormia, ao lado do de Aisha. Samuca chorava e nem sequer ouvimos.
- Vamos
acabar por aqui. Samuca chorava aqui ao lado e nem prestamos atenção! – ela
disse, mais séria. – Mas se você quiser voltar amanhã... Volte. Seu
ridículo!
Comentários
calor rsrsrs
O texto muito envolvente mesmo! Parabéns cunhaduxo ! A-do-rei! ����
O Machado de Assis inventou de morrer antes de responder se o Bentinho era mesmo pai do Ezequiel, tu pode acabar com o nosso tormento agora, cara, rs...
Muito bom o texto.
As relações humanas e suas complexidades são um tema que você gosta de abordar, e o faz muito bem. Inspirado por boas músicas, incrível o que vc eh capaz de fazer!
O conto inteiro tá bem a tua cara, tem todo seu estilo. Bem gostoso de ler.
O Samuca é um fofo hehehe. E eu fiquei torcendo pro final feliz desse casal!!!