Novela: Ardente Traição. Capítulo 2

Ardente Traição - Capítulo 2

- Mas se você quiser, eu fico aqui para te ajudar com o Samuca. – forcei, mas ela não deu o braço a torcer. Aisha se vestiu apressadamente e agiu como se a noite que passamos juntos tivesse sido estritamente casual. Poderia até ser para ela, mas não para mim. “O melhor da briga é fazer as pazes”, eu ouvia dizer. Naquele momento havia dado certo, nós nos entendemos, mas dali em diante eu não tinha tanta certeza do que aconteceria. Iria depender muito mais de mim e das minhas atitudes.
Aisha vestiu um roupão, prendeu seus cabelos avermelhados e gritou para Samuca: “Já vai, filho!”. O nosso bebê chorava desesperado pelo colo da mãe.

- Se vista também, Narciso! – ordenou-me e me apressei o máximo que pude. Mila, a jovem babá de Samuca, não poderia me ver daquele jeito. Pegaria mal. – Anda, Narciso! Calma, filho! Não acredito que ele chorou aqui ao meu lado e eu não ouvi... – reclamava-se.
Com a roupa toda amarrotada, mas me vesti. Aisha abriu a porta e imediatamente pegou Samuca no colo, e ele imediatamente se calou. Mila arregalou os olhos quando me viu, virou a cara e tentou disfarçar.
- Pode voltar a dormir, Mila. Eu fico com ele. – dispensou Aisha. Mila me deu uma última olhada, bem discreta, e se retirou. A garota deveria ter uns dezoito anos, com um jeito de menina, mas um corpo de mulher. Ela me atraía, porém eu só conseguia me concentrar em Aisha e me lembrar da nossa noite. Trinta anos de idade, e me sentia como um garoto de quinze, dezesseis, encantado com aquele mulherão.
Aisha deitou-se novamente na cama, posicionou Samuca no colo e ficou acariciando os cabelos claramente avermelhados dele. Iguais aos dela. O nosso bebê, de dois aninhos agora, era tão parecido, tão bonito quanto a mãe. Seu rosto angelical e suas lágrimas na bochecha me comoveram. Toquei nele também e o beijei na costa. Samuca estava perfumado, meio suado, mas com um aroma leve de perfume de criança. Ele, no colo de Aisha, formava uma imagem das mais poéticas. Fiquei ali, feito idiota, sentado numa posição torta, deixando minha coluna pior do que já era, mas os observava. Eles estavam na minha frente, e eu estava meio longe, nos meus próprios devaneios. Era a mãe de meu filho e meu filho juntos, os dois quase adormecendo, até que Aisha despertou.
Minha ex-namorada piscou várias vezes, posicionou-se melhor junto ao travesseiro, acomodou Samuca e me contou, baixinho:
- Se tudo der certo, vou fazer uma apresentação hoje à noite, na Praça Ramalhete, lá pelas sete horas.
- Você está me convidando para te ver dançar? – perguntei, contente e cheio de esperanças. A Praça Ramalhete era uma das mais arborizadas e bem movimentadas da cidade de Dia Branco, onde Aisha e o grupo de dança que participava se apresentavam com frequência. Foi a primeira vez que recebi um convite dela. Aquela arrogância se distanciava. – Você está me convidando? – repeti a pergunta. Ela riu como se eu tivesse dito que ainda creditava em Papai Noel e respondeu:
- Não. Acontece que... – ela parou e voltou a falar, porém um pouco mais alto – não sei se a mamãe vai poder ficar com o Samuca e a Mila vai para a casa dela daqui a pouco. Então...
- Tudo bem, eu fico com ele, sim. – de prontidão. O meu domingo à noite não seria ao lado de minha ex-mulher, mas de meu filho. Do meu garotinho. Eu estava feliz do mesmo jeito. Aisha sorriu aliviada para mim e agradeceu.
- Eu te confirmo mais tarde.
- Certo. Vou indo, então. – beijei meu filho nos cabelos e em seguida a beijei nos lábios. Um selinho. Um selinho para finalizar aquela manhã. Aisha me sorriu rapidamente e voltou a dar a atenção ao nosso filho.
Saí do prédio com a cabeça nas nuvens. Nem me lembro de ter entrado no meu carro. Sentia-me outra pessoa. Uma noite vendo meu filho brincar e dormir e a madrugada entrelaçado com a minha ex-mulher me deixou um bocado emotivo e bastante confuso. Pensativo. Piegas. Nem eu estava me reconhecendo. Parecia outra pessoa, o que não era algo realmente ruim. A dura realidade, no entanto, bateu à porta assim que eu a abri. Entrei no meu apartamento, que não estava realmente bagunçado, e me deparei com alguns notebooks e netbooks em cima da mesa da sala, os quais eu já deveria tê-los consertado.
Danilo, meu amigo e ex-colega de universidade, e eu éramos sócios da loja “Associação dos Notebooks” e tínhamos a meta de restaurar não somente essas máquinas, mas outras relacionadas à informática. Danilo era um pouco mais novo que eu (ele com 25 e eu com 30), e vivia cheio de ideias novas e se dependesse dele teria ampliado a Associação havia muito tempo. Alguns clientes diziam que nós éramos irmãos, pois nossa pele morena, nossos cabelos curtos e o corpo meio forte faziam as pessoas pensarem que tínhamos algum parentesco, embora não houvesse nenhum. Uma única diferença entre nós dois: ele era mais falante e bem mais namorador que eu. Meu coração ficou um tempo quase fechado por não estar mais com Aisha. Quase fechado.
Entrei no banheiro e tomei um banho sem azáfama. A água não seria poupada naquele banho. Por mim, permaneceria debaixo do chuveiro por mais uns longos minutos, mas a água era um líquido quase em extinção e não poderia ser desperdiçada assim. Depois que saí do banho, vesti apenas uma cueca e um short, me perfumei e fui tomar café. A fome nocauteava meu estômago. Dava-me um apetite de touro depois do sexo. E devorei dois mistos quentes com café enquanto assistia a um filme na TV a cabo.
Com o estômago farto, peguei um dos notebooks para consertar. Havia dois na sala e um no meu quarto. Um era de uma prima que não sabia a utilidade do antivírus e o infestava de vírus a cada vídeo que baixava, outro de um vizinho barulhento e o terceiro era de uma garota negra, de longos cabelos e de corpo sarado, que tive um caso curto. Suspeitei que ela, Raquel, estivesse ficado comigo apenas porque precisava de alguém para dar um jeito no computador. Ela foi à Associação, mas a loja já estava fechando e eu sugeri que o levasse, verificasse o problema em casa e a procuraria para notificar o defeito. Daí, marcamos de nos encontrar em um barzinho, nós ficamos e o conserto foi de graça, porém, não tivemos nada sério e agora que já não estávamos mais tendo nada o reparo seria cobrado. Eu iria cobrá-la, com um desconto, mas iria. Boa parte do que eu ganhava com a clientela de fora, eu dividia com Danilo. Era justo, na minha opinião. Todos sabiam da loja, e sabiam que dessa forma, sendo reparado por mim, por fora, o valor não seria tão alto.
Levei a manhã toda para consertar o notebook da ex-ficante. Eu não cobraria mais caro, embora eu guardasse uma certa mágoa dela, e nem motivo aparente eu tinha, já que fui eu quem decidiu que não ficaríamos mais. Ela me chamou de imaturo e cínico, unicamente porque o sentimento que eu tinha por Aisha ainda era vivo e eu tinha a esperança de que estando solteiro e mostrando que eu não a havia traído com ninguém nós voltaríamos a namorar. Raquel, além de ter dito que de nada adiantaria eu esperar por Aisha, ficou um tempo sem falar comigo, mas depois me pediu, friamente, para verificar um novo problema em seu notebook. Ela falava de Aisha como se a conhecesse, mas eu sabia que as duas nem sabiam da existência uma da outra. Mas Raquel era passado. Aisha era presente e também fazia parte do passado. Aliás, minha ex-namorada não me ligava, mesmo que fosse apenas para uma simples informação, eu queria ouvir a voz dela de novo, mas ela não telefonava.
Esquentei o almoço que a diarista havia deixado na tarde do dia anterior, almocei enquanto assistia uma série americana, depois voltei para consertar um outro computador. Era uma peça simples que estava com defeito, nele não demorei tanto. No último, tive que fazer mais instalações, remover peças, trocar placa, enfim, problemas técnicos. Eram quase cinco da tarde quando estava praticamente no fim da restauração, e justamente quando meu telefone celular tocou: era meu primo Roan.
- Primo, preciso falar com você. É urgente. – Roan, com voz chorosa. Assustado, pedi que fosse até meu apartamento. – Então abra a porta. - Ágil, meu primo já estava do lado de fora. Assim que a abri, ele me abraçou abruptamente. Chorava no meu ombro. Dei uns tapinhas na costa dele e fechei a porta. Deixei-o chorar. Não era a primeira vez. O motivo era o mesmo de sempre.
- Brigou com a Taila de novo? – e o soltei.
- Como você sabe? – Roan secava os olhos, soluçando. Parecia uma criança chorando por ter caído de bicicleta.
- Porque não precisa ser esperto pra deduzir. – servi-o com um copo de água, e bebeu de uma vez só. Antes de perguntar qual o motivo da briga dessa vez, sentei-me em frente ao computador e voltei ao restauro. Faltava pouco para que ele ficasse em perfeito estado. Apenas mais uns programas para instalar. – Pois bem, o que houve dessa vez?
Perguntei, mas não dei muita atenção nos lamentos de Roan. Jairo e eu estávamos acostumados a ouvir os desabafos dele. Enquanto eu ainda tinha uns flertes, embora não esquecesse Aisha; Jairo agia como na época que namorava Cassandra: traindo-a; e Roan era quase um santo; jamais negava nada o que Talia desejava, mas sempre brigavam e quem mais sofria era ele.
Verifiquei se havia alguma mensagem ou ligação de Aisha. Nada.
- Ouviu? – Roan perguntou, afobado. – Você nem tá me ouvindo, primo!
- Desculpa, Roan. Tô esperando ligação da Aisha. Ela disse que...
- Pelo menos você ainda vai receber ligação dela. Taila terminou comigo e eu nem sei o porquê. Foi morar na casa dos pais e só. Não me deu uma explicação coerente: disse que a gente precisava se separar. Saiu e pronto. Cara, tô sem chão. – e se afundou no sofá. Era um texto batido. Os dois brigavam e voltavam. Só que dessa vez, ela saiu de casa.
- Pronto. Terminei de consertar o último computador. – comemorei.
- Porra, você nem tá me ouvindo, Narciso! – reclamou mais uma vez e com razão. Pedi desculpas e Roan amarrou a cara. Meu celular, enfim, vibrou. Uma mensagem de Aisha. Algo me dizia que eu a veria mais uma vez, ainda que fosse para receber meu filho. Li o texto e vi que eu estava errado. Samuca iria ficar com dona Nina, minha sogra.
Roan se levantou, sacudiu meu ombro e fez um convite que se tornou irrecusável, já que eu não seria mais babá do meu filho:
- Vamos beber! Preciso afogar as minhas mágoas.
Esperto, fiz um charme.
- Não sei...
- Vamos, preciso afogar minhas mágoas, descontar na cerveja... Eu pago!
- Tá ok. Vou me arrumar. – com essa proposta eu não negaria o convite.
- Narciso?
- Oi?
- Você ainda gosta mesmo da Aisha, né? – Roan segurava um porta-retrato que estava na estante, com uma foto minha, ao lado de Samuca e Aisha. Confirmei e o deixei na sala.
Tomei um outro banho, escolhi a camisa azul menos amarrotada, perfumei-me e saímos. Roan já visitara minha casa antes, sentia-se tão à vontade que logo usara meu perfume e meu desodorante. Cada um foi no seu carro até o Bar das Onze, que dispunha dos ambientes externos e internos, localizado próximo ao prédio onde eu morava. O lugar estava agitado, mesmo para um fim de tarde de domingo e imediatamente liguei para Jairo. Ele, Roan e eu sempre que podíamos nos reunimos para sair à noite. E tinha uma conta para acertar com ele. Jairo dormiu com Aisha e nunca me contou. Sem vergonha.
Ao chegarmos, o garçom, conhecido nosso, logo trouxe uma cerveja e dois copos sem antes saber o que queríamos. Ainda angustiado, Roan me perguntou o que havia de errado consigo. A separação dos dois, pelo que ele me explicou mais uma vez, parecia ser definitiva. Era comum que discutissem, mas não era comum que Taila saísse de casa e ainda por cima sem dar devidas explicações. Era como se estivesse fugindo de Roan e não dava motivos sensatos para isso. Eu tinha liberdade para falar o que quiser a ele, pois além de ser o meu primo e amigo, eu era também seu padrinho de casamento. Franco, lembrei que eles casaram ainda muito jovens, com vinte e cinco anos, com menos de um ano de namoro. Jamais acreditei que Taila o amasse de verdade.
- E por que você não me disse isso antes? – perguntou-me, revoltado.
- Por que você iria ficar furioso comigo.
- Iria mesmo.
A minha tática era de fazê-lo tirar Taila da cabeça ao menos por alguns segundos e Jairo, enérgico, chegou naquele exato momento. A chegada dele chamou a atenção das mulheres que estavam sentadas nas mesas ao lado e mais ainda na mesa do nosso lado esquerdo. Uma moça de cabelos negros e meio gordinha nos olhou de esguelha e voltou a beber um copo de suco – eu tinha a suspeita de que a conhecia de algum lugar. Jairo realmente era um rapaz bonito, de cabelos loiros, quase brancos, um rosto afável e um corpo de atleta. Um tipo de galã. Isto é, se a intenção era de ir a uma balada para paquerar garotas ele não era uma boa companhia, pois ele sozinho já tirava a concentração das mulheres do local.
- Bebendo uma hora dessas! É assim que eu gosto! – e nos abraçou, falando alto. Notei que a moça gordinha nos observava. Aquilo estava me incomodando. Jairo pediu um copo e mais uma cerveja. Roan teve que contar tudo de novo sobre sua briga com Taila e disse ainda que estava ganhando muito melhor no seu novo emprego, numa concessionária. Tornou-se gerente e contribuía para um faturamento da empresa, apesar de uma crise financeira que o país enfrentava. Como ele estava na minha frente, meu primo não percebia a moça gordinha na mesa ao lado, de costas pra ele, o fitava, já na companhia de outra amiga. Não era de espantar. Roan era um cara de chamar atenção de qualquer pessoa com seu charme. Jairo estava bem arrumado, com os cabelos loiros penteados, como um mauricinho, e seu perfume exalando a distâncias. Ou talvez elas estivessem interessadas em mim. Quem sabe. Sendo modesto, eu até que era um rapaz interessante. Mas ainda assim, a única que me interessava era Aisha.
Marcava mais de sete da noite, o Bar das Onze estava fervilhando e eu estava feliz porque Roan já nem tocava no nome da Taila. A única pessoa, talvez, que entendia o que acontecia com Taila seria Aisha, que eram amigas havia muito tempo. Jairo, com álcool na cabeça, e de olho em uma moça que estava dentro do bar, destilava asneiras atrás de asneiras. Ele e Roan exigiam que eu contasse em detalhes sobre a minha noite com Aisha. Quanto mais meu primo e meu amigo bebiam, mais indiscretos ficavam. “Ela é gostosa pra caralho, né, meu primo? Aqueles cabelos vermelhos... Aquela boquinha... Nossa! Vocês devem ter fodido a noite toda”. Jairo não se controlava e completou:
- Sabe que eu sempre tive vontade de transar com a Aisha? Aquele corpo, nooossa...
Esse comentário falso me lembrou do que Aisha me revelara. Olhei-o com reprovação e disparei:
- Você é repleto de cinismo.
- Eu? Por quê?
- Jairo, a Aisha já me contou que vocês transaram.
Jairo engoliu em seco. Desconcertado, passou a mão no rosto e bebeu mais um gole da cerveja.
- Não fique sem graça, parceiro. – e, com a paz no coração, assumi: - Eu já fiquei com a Cassandra também. – e ele se espantou do mesmo jeito. Roan permanecia calado. Jairo não reprimiu a gargalhada, que chamou atenção de todos, inclusive da moça ao nosso lado. – Mas acho que essa foi a única vez que Cassandra te traiu, cara. Ao contrário de você, que a traiu na despedida de solteiro do Roan, e ela ainda te perdoou!
- Graças a Deus!
- Mas não arrisque tanto, cara. – aconselhou Roan.
- Então vamos fazer um brinde a essa parceria! – propôs Jairo, de olho para o interior do bar. E brindamos, rindo como três patetas. – Agora, continue contando sobre sua noite com Aisha.
Com o álcool na minha cabeça, eu ainda acrescentava mais detalhes íntimos. A minha curiosidade, contudo, falou mais alto e perguntei a Jairo:
- Se você soubesse que a Cassandra continua te traindo? O que você faria, hein?
Jairo afastou o copo de cerveja, se aproximou mais de mim, e, circunspecto, me respondeu:
- Cassandra não continua me traindo. Não vou perguntar o que deu em você, que é meu amigo, para ficar com a minha mulher, e também não vou perguntar a ela, unicamente por consideração a você. Mas o que vocês fizeram foi errado, principalmente ela, que é minha mulher e me deve respeito. Acho que foi um momento de fraqueza dos dois, e tenho certeza que isso não vai mais se repetir. – terminou, ainda mais sério. Foi esporádico, em tantos anos de amizade, que o vi falando com tanta rigidez.
Até que Jairo deu um pulo, eufórico, e disse que iria se encontrar com uma moça que estava dentro do bar.
- A gente se vê depois, meus amigos! – e nos deixou, empolgado. Era comum Jairo fazer isso: abandonar os amigos para ir atrás de mulher, e que não era a dele. Mais um chifre que Cassandra levaria. Ela era um verdadeiro alce. E Jairo, o pior dos sacanas. O machismo dele me surpreendeu. 
A moça de cabelos pretos enviava mensagens no celular.
Sobrávamos apenas Roan e eu, como no início e ainda iríamos beber mais para afogar nossas mágoas. Ainda tínhamos muito a nos divertir. Mas a minha alegria murchou quando vi uma moça alta, morena e de cabelos curtos vindo atrás dele e na nossa direção. Era Taila. Com todo respeito à mulher (ou ex-mulher) de Roan, ela era linda demais. Estranhando por ter encontrado o marido (ou ex-marido) ali, num bar, Taila o cobrou, sem ao menos me cumprimentar:
- O que você faz aqui, Roan?
Meu primo levou um tremendo susto.
- A gente mal se separa e você já vem para um bar encher a cara? – quis saber Taila, com as mãos na cintura, num tom irônico.
- Dê ao menos um “Oi” ao Narciso. – exigiu Roan. Ela me deu um sorrisinho forçado e refez a pergunta a ele. – Vim beber. Você disse que queria se separar, foi embora para a casa de sua mãe e eu vim beber. Era pra eu ficar chorando por sua causa?
Um orgulho dos grandes pulsou no meu peito com a defesa do meu primo. Era dos meus. Roan, em muito tempo, não se rebaixou.
- Não, mas tô surpresa. Achei que você foi rápido demais. Parece que está feliz com a nossa separação. Mas tudo bem. É assim mesmo.
Chata, metida e incoerente. Taila ficava ainda mais bonita. Não sei como ela e Aisha eram tão amigas.
- Não tô entendendo, Taila. O que você quer de mim? – questionou meu primo.
- Eu estava ali numa mesa, lá atrás e vi que tem duas assanhadas aqui atrás só de olho em vocês. – enciumada, contou. Roan e eu rimos, confusos. – Quer saber? Vou entrar. Estou esperando umas amigas. Continuem bebendo e dando bola para essas aí. – desdenhou e entrou no bar. A área interna estava enchendo, tocando um sertanejo ao vivo e animado.
- Taila é estranha, não é? – Roan a observava entrar.
- As mulheres são estranhas, meu primo. – retifiquei. Roan não tirava os olhos de Taila. Eu sabia exatamente o que ele queria. – Vá atrás dela, primo. Vá.
- Mas e você, Narciso?
- Vá.
Roan sorriu, parecendo que havia achado 20 reais no bolso da calça, me abraçou amigavelmente e entrou. Nem me dei o trabalho de observá-los. Eu sabia que isso iria acontecer. Mais cedo ou mais tarde, Roan voltaria correndo para os braços da esposa. Mas não resisti a curiosidade. Olhei para trás e os vi. Taila o evitava, fazendo charme. Eram dois cafajestes. Meu parceiro de bebida entrou e me deixou sozinho.
- Oi. – uma moça cheirosa, atrás de mim. Era Raquel. A garota do notebook. A garota que eu dispensei, mas me procurou tempos depois querendo novo conserto para o notebook. Ela vestia uma calça jeans e uma blusa vermelha, que fazia uma combinação perfeita com sua pele negra e sua bolsa preta. Seus lábios carnudos e sua beleza exótica me sequestravam a atenção. Numa mulher, na verdade, o que eu mais notava era a boca. E a de Raquel era pura safadeza, mas perdia para Aisha. Levantei-me, nos cumprimentamos com um beijo no rosto e a convidei para sentar.
- Que surpresa te encontrar por aqui. – ela comentou, contente.
- É, vim tomar umas cervejas com meu primo e um amigo.
- E cadê eles? – perguntou, procurando-o.
- Eles entraram. Meu primo tinha brigado com a esposa, mas ela apareceu e eles já entraram pra ver o show. – expliquei, rindo. Raquel se mostrou surpresa. E estava cheirosa. Muito cheirosa.
- Ah, ele que é marido da Taila?
- É sim. - Raquel me contou que conhecia Taila, só não me disse de onde. Eu não fazia ideia disso. O mundo era pequeno demais, e a cidade de Dia Branco era ainda menor. Vendo que os dois já tinham se entendido, Raquel preferiu ficar me acompanhando na bebida e entrar alguns minutos depois. Nós conversamos bastante. Sobre seu notebook que dava defeito quase que o tempo todo; a sua segunda graduação, de veterinária; na pretensão de viajar par fora do Brasil para visitar os pais, entre outros assuntos. Eu já havia parado de beber quando verifiquei o horário: passava das nove. Espantada com a hora, Raquel perguntou:
- Bom, eu não vou trabalhar cedo amanhã. A gente poderia emendar daqui, se você quisesse. Você quer?
Qualquer outro cara na minha idade e solteiro, diria um sim. Um cara esperto. Eu não tinha nada com Aisha, mas as esperanças estavam vivas. Aceitar passar a noite com Raquel seria, para mim, meio que uma traição com a minha ex-mulher, ainda que não fôssemos namorados. Como um idiota, respondi, sem graça:
- Acho melhor não, Raquel. Eu... Preciso acordar cedo amanhã. Acho que você me entende.
- Tá legal. – disse, com tristeza. – Vou ao banheiro, dar um “oi” à Taila e já vou, então.
 - Deixa que eu pago.
Raquel sorriu e entrou. Aproveitei para verificar no celular. Nas redes sociais, para tentar disfarçar a mancada de dar um fora numa mulher linda feito Raquel, que, aliás, levava um fora meu pela segunda vez. Corajosa, e deveria estar de fato interessada em mim. Mas eu, não sei por que, não achava certo me relacionar com outra mulher que não fosse Aisha.
Eu ainda bisbilhotava as redes sociais quando Raquel voltou. O facebook estava na mesma chatice daqueles dias: ora difamavam o PT, ora discutiam sobre o filme “Batman vs Superman”.
- Bom, eu já vou. Há um táxi ali. Vou logo nele. – informou-me com Raquel. Beijou-me no rosto e pude sentir seu perfume mais uma vez. Sentir seus lábios carnudos no meu rosto. Eu perderia essa chance, mas era melhor assim. – Amanhã eu vou ao seu apartamento e pego o notebook. – disse e se retirou.
Sentei-me novamente e voltei a rolar pela página do facebook. Teria sido melhor desligar o celular. Aisha havia postado uma foto com outro cara. Um rapaz negro, bem apessoado. Eu não teria sentido ciúmes nenhum se eles não estivessem na maior intimidade, mesmo que fosse apenas um selinho. Não dava pra saber o nome, pois não foi marcado na publicação. Sem pensar duas vezes, levantei-me fui até o táxi que Raquel estava. Fiz o motorista parar de dirigir.
- Fui muito burro. Muito burro, Raquel.
- Han?
- Fui. Muito burro. Você ainda aceita emendar a nossa noite? Ainda quer?
Raquel sorriu, mas não respondeu.

Comentários

Legal ver que a repercussão de um conto curto foi tão boa que gerou continuação! Empolgado lendo os novos capítulos.
Relacionamentos humanos são complexos hehehe.

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