Conto: Amigos do Crime (capítulo 6)

Capítulo 6 – O telefonema
(revisão de texto - Jéssica Katarina)

- Você vai ou não vai com a gente, Osví? – perguntou Tabaco, na porta da casa de Osví, na noite do dia 31 de dezembro. Ele usava uma camisa branca e uma bermuda jeans roubada de um playboy. Assim como no Natal,a Rua 8 fervilhava.

                                   ***

Tabaco, Raposa e Tucano esperavam Osví na entrada da Rua 8, naquela manhã do dia 25 de dezembro, já sem os capuzes e luvas, mas ainda com as roupas escuras. Japonês, o negrinho brasileiro, e Raposa estavam com um ferimento na testa, cada um. Tucano ultrapassou todos os limites possíveis de velocidade ao fugirem do Condomínio Coqueiro Verde e não soube usar o freio. Ouviam o som da sirene e o maior pavor do grupo era que fossem pegos. Até que Tabaco avistou um bêbado tentando inutilmente entrar em seu carro e pediu para que Tucano freasse. O bêbado foi nocauteado e atirado na calçada. O automóvel de Tucano foi abandonado numa casa distante da Rua 8.
Osví chegou na entrada da Rua 8, em frente à casa de Raposa, já com o movimento fraco, com a camiseta molhada de suor no seu ombro, o revólver no bolso da bermuda e a sacola com praticamente tudo o que havia no quarto do playboy do Condomínio Coqueiro Verde nas costas. Largou a bicicleta e, enfurecido, tirou satisfações com os “amigos do crime”.

- Vocês deixaram Lisandra e eu sozinhos naquele casarão, seus filhos da puta! Nós não fomos pegos por muito pouco!
- Nós também, Osví. Nós também. – Raposa, com indiferença. Japonês entrou na casa da garota. Depois que Tabaco relatou o perrengue que eles passaram até chegarem à Rua 8, estendeu umas das sacolas cheias de objetos caros roubados do casarão.
- É todo nosso, garoto. – Tucano jogou uma sacola pra Osví. Nela havia pequenos porta-joias e roupas femininas e masculinas, todas amassadas. – Vamos ver o que fazemos com isso depois. Mas digo logo que essa camisa branca é minha. – mostrando uma camisa branca ao rapaz. – Vou usá-la na virada de ano.
- Agora vamos tomar uma e comemorar mais uma vitória contra os riquinhos. – Japonês chegou com vários copos descartáveis e uma garrafa de cerveja. – Vamos brindar!
Após o brinde e o longo gole, Japonês levou uns tapas e socos dos comparsas. Osví soube que o “amigo de crime” os avisou que na casa não tinha câmeras de segurança porque os donos não haviam instalado, porém no restante do condomínio e na portaria havia registro de imagens. Japonês descobriu quando foi à portaria servir Rui com um refrigerante dopado, na bicicleta que ele havia roubado dias atrás. Assim que ele percebeu, quebrou os aparelhos que ligavam às câmeras e voltou para tomar os pertences da família de Selton. Por sorte, Raposa, Japonês, Osví e Tabaco estavam escondidos no banco de trás e Rui, concentrado em dar atenção para Lisandra, não pediu o documento com foto dos outros.
- Quer dizer então que vocês me levam para assaltar uma casa que tinha câmeras de segurança?! – zangou-se Osví. Os “amigos do crime” iniciaram um disparo de xingamentos culpando uns aos outros, numa discussão que parecia não ter fim.
Raposa já estava se irritando com a briga dos amigos pivetes e, para cortá-los, cobrou uma resposta de Osví.
- Você matou mesmo aqueles riquinhos? Ou eu ouvi coisas? Por que, se matou, quero que você me explique o que deu em você!
- Vou te dizer uma coisa, Raposa. – começou Osví, sendo servido de mais cerveja por Japonês. – Nem eu sei o que deu em mim.
- Eu sei. – disse Tabaco. – Foi aquela putinha da Lisandra, não foi? E, cara, ela me dava umas olhadas...
- Ela não é putinha. – defendeu-a, espantando os outros. – Mas sim, acho que foi ela. Se eles vivessem, poderiam reconhecer Lisandra e ela corria risco de ir presa. Dois deles já a conheciam, então...
- E daí? – perguntou Raposa, com desdém.
- Esse não é o mundo dela. Não merece ficar atrás das grades, embora ela tenha procurado encrenca. Sem contar que foi o primo dela que roubou uma grana do pai dele e do pai dela. Ou algo assim.
- Como é que é? Você deu uma de justiceiro com uma garota que nem conhecia direito? – inquiriu Tucano.
- Não sei bem como é a história do roubo. Só sei que ele deveria ter transferido um dinheiro para o pai dela, mas ficou pra ele e forjou a comprovação do banco. E não dei uma de justiceiro, não. E sei que... O pouco que eu conheci da Lisandra, eu gostei... – ele explicava olhando para o céu ensolarado. Junto com o amanhecer, veio o arrependimento por ter apontado a arma para Lisandra. – E sobre o tiro... Me vi na obrigação de atirar naquele mauricinho. Esqueci, não sei como, o que aconteceu com meu pai e atirei.
- E... Você achou ruim? Achou ruim de ter atirado? – perguntou Japonês. Osví deu uma alta gargalhada, bebeu mais um longo gole de cerveja e respondeu:
- Nem um pouco! Foi a melhor sensação de todas. Não sei, não sei explicar. Mas sei que na próxima vez que formos assaltar alguém. – ele sacou a arma da cintura e apontou para os amigos. – Não vou carregar essa arma à toa.

                                     ***

- Você vem ou não?
Tabaco chamava Osví na porta da casa do garoto. Entediado, e ainda sem camisa, respondeu:
- Não, obrigado.
- Vamos logo, porra! A sua mãe já foi, os outros também. Depois da virada de ano vamos procurar uns bestas pra assaltar. Vamos logo! – atiçou o “amigo de crime”. Osví disse que iria depois e Tabaco saiu. Ele mergulhou a cabeça no sofá e só se levantou para pegar seu celular. As notícias sobre as mortes dos três jovens no Condomínio Coqueiro Verde ainda lideravam os links na internet e circulavam nas redes sociais. Metade dos condôminos se mudava ou decidiram se mudar depois da tragédia. A ausência de câmeras, de um síndico ruim e de um porteiro com mais profissionalismo também contribuíram para o fracasso na gestão. E Rui teimava em dizer que entrou uma amiga de uma ex-namorada de um dos mortos. Ele lembrou do nome, porém. Mas a garota repetia à imprensa a mentira de que estava na casa de Brícia. E a polícia, após algumas investigações, descobriu que Vicente, meses depois que voltou dos Estados Unidos e corroborou o que o rapaz confessou antes de morrer: ele forjou uma nota do banco com um amigo hacker e ficou com o dinheiro que deveria ser transferido para o tio. O rapaz induziu o tio policial a desconfiar do irmão, e como ambos já tiveram outras discussões, foi fácil criar a intriga. Não foi a primeira vez que Vicente passou a perna em alguém família. Tio Araujo o trouxe de volta para o Brasil para ver se ele tomava jeito, mas não deu certo. Nesses casos, Osví concluiu que ele e seus “amigos do crime” tiram outros rivais no segmento vilania.
Rolando as postagens de facebook, o celular de Osví tocou. Era um número desconhecido. Desconfiado, atendeu.
Uma voz familiar na outra linha. Osví se viu sorrindo ao cumprimentar Lisandra.
- O que deu em você pra me ligar? Aliás, você está viva, garota. Seus pais não te mataram?! – sentando-se no sofá, disposto a conversar com Lisandra.
- Contei a minha mãe que eu estava com Brícia. Ela acreditou. 
- Só não entendi uma coisa: a sua amiga Brícia confirmou que você estava com ela?
- Eu disse à Brícia que estava com o Marcelo, lembra? Ninguém pode saber que eu estava com o Marcelo, meus pais não gostam muito...
- E esse Marcelo? Tá sabendo que você utilizou o nome dele?
- O Marcelo? - Lisandra deu uma risada de zombaria. - Ele pensa que realmente foi me buscar. Ele acreditou em tudo o que eu contei. Tava bêbado, não lembrava de nada. 
- E seus pais e a Brícia acreditaram em tudo isso? Eu ia ficar com o pé atrás...
- Eles confiam em mim e vão acreditar em qualquer coisa que eu disser. Aliás, Brícia está arrasada com a morte do ex-namorado dela. – informou, sem nenhum remorso.
- Seu primo também morreu e você, pelo visto, não está com remorso. – deduziu Osví, lembrando do rosto da garota na televisão, falando que não esteve presente na tragédia.
- Por ele eu não estou mesmo. Quase ninguém da família e importou com a morte dele. Meu pai descobriu que Vicente ficou com o dinheiro da transferência. Ele foi um tremendo bandido. Fez coisas parecidas no Estados Unidos.
- Ah, ele, onde quer que esteja, deve estar bem feliz com o elogio. – Osví roubou uma risada de Lisandra. Ele ainda não havia percebido que estava com saudade da garota. – E você? Vai passar o réveillon aqui mesmo em Poço dos Olhos?
- Vou sim. Estou de saída para o Acqua Clube com a minha família. – respondeu, tristonha.
- Você não parece muito a fim de ir.
- Realmente não estou. Eu não gostava do meu primo, mas o Selton era um cara legal. E eu queria mesmo poder sair com a minha amiga Brícia, se é que você me entende... – sugeriu Lisandra, de um jeito provocante e murmurando. Osví entendeu, apesar de não acreditar, na deixa.
- Então me confirma o endereço do clube e eu dou um jeito de aparecer por lá logo depois da meia noite. O que você... acha? - Osví hesitou no convite. Achava que Lisandra o negaria.
- Certo. Ah, você... Você anda atirando muito por aí? – perguntou Lisandra, com receio.
- Por que? Você pode ir parando, que você não vai matar ninguém!
- Você tá doido?! Eu não quero matar ninguém, não. Isso é função sua. Mas se você quiser me ensinar a atirar...
Uma fisgada de orgulho ascendeu em Osví.
- Vai ser um prazer...
- E... E o Tabaco? Ele tá por aí... também? – Osví sentiu um certo interesse na pergunta. E não o agradou.
- Por que você quer saber dele? Qual a tua, garota?!
- Nada, só perguntei. Vou desligar agora. E vou te esperar. Se você não aparecer no Acqua Clube depois da meia noite você vai se arrepender, garoto.
Lisandra confirmou a Osví o local e exatamente a hora para ele aparecer. Osví desligou o telefone e foi até seu quarto para se vestir. Iria se arrumar para encontrar seus “amigos do crime” para a virada do ano. Porém, só no que ele pensava era em encontrar Lisandra, a sua riquinha mimada. 

Comentários

Pensei que Lisandra ia consertar o Osvaldo, mas pelo visto esse mundo do crime tá atraindo a garota.
Muito curioso pra saber mais a respeito desse casal do crime e o desfecho dessas aventuras!
Sem dúvida, seu melhor conto.
Personagens sem escrúpulos, mas com motivações e carisma - fico muito feliz que você tenha aprendido a fórmula dessa vez! Parabéns!!! :)

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