Conto: A noite (quase) perfeita
Esse conto foi inspirado na canção "A noite perfeita", criada e gravada por Leoni e George Israel.
Aquele
foi o banho mais demorado de Alice, mesmo sabendo que ainda tinha que se
maquiar, arrumar o cabelo, se vestir... E o vestido não era o dos mais simples.
Era bonito, sem exageros; elegante, sem babados. Era sexy sem ser vulgar. Tudo
isso, porém, exigiria tempo e paciência. O problema era esse: Alice estava
nervosa e ansiosa. Afinal, aquela seria a comemoração dos seus dezoito anos,
com uma balada na boate mais cara, com mais de duzentos convidados e a presença
do rapaz mais gato que já conhecera. A festa de sua maioridade teria que
superar o fiasco de seus quinze anos. Teria que ser uma grande noite. Uma noite
perfeita.
Alice
precisava de uns minutos de sossego. Ainda de toalha, foi até a janela para ver
o movimento. A cidade estava tão parada e silenciosa, que dava para contar os
poucos carros que riscavam o asfalto. Dava pra identificar o tamanho, as cores
e até a marca, quando alguns diminuíam a velocidade. Alice direcionava seu
olhar para um poste com a lâmpada apagada e não tirava os olhos dele. Porém,
Alice só pensava na festa que aconteceria em alguns instantes. Na verdade, era
a única da casa que faltava se vestir. Mas não conseguia tirar os olhos do
poste. E se assustava com o tamanho de seu nervosismo. O coração aos saltos.
A melhor
maneira de espairecer era ouvindo música. Alice selecionou uma Rádio FM que
tocava a música eletrônica mais agitada. Enquanto se arrumava, a aniversariante
dançava e cantava, assassinando não somente a canção, mas o idioma. Ela não era
boa no inglês, nem em canto, e nervosa era ainda pior. Pra piorar, seu vestido
vermelho não entrava, e todo o regime de meses não havia surtido efeito. Pelo
visto, a única forma de manter a calma era com um pouco de
bebida alcoólica. Pegou, então, uma vodca que ganhara de presente de sua
melhor amiga. Amigos são pra essas coisas. A vodca era barata, estava quente e
seria ingerida sem acompanhamento. Seria pura, mas Alice achava que não faria
mal algum tomar uns golinhos. Abriu a garrafa e ingeriu como água. O coração
acelerou, a cabeça girou e uma ardência percorria a garganta. A música
eletrônica agora era elétrica, e Alice cantava como profissional. Pronto, a
noite seria perfeita. Ou talvez não.
- Vamos,
filha! Só estamos esperando por você! – gritou a mãe de Alice.
- Já
estou quase pronta. – e era verdade. O vestido, depois de muito sacrifício,
entrou. A maquiagem e o cabelo até que ficaram legais, mas ainda não estavam
como queria. “Vou beber só mais um pouco de vodca”, pensou, já com a garrafa na
boca. Alice, mesmo com trauma, não hesitava em beber. Seu pai pegou um porre na
festa de quinze anos dela por ter misturado várias bebidas. Um desastre. Era
melhor nem lembrar.
Alice
sorria olhando-se no espelho, para fingir que estava bem. Mas não estava, porque
além de ser a sua balada, também teria a chance de ficar com um dos carinhas
mais cobiçados da universidade. Ela demorava a lembrar o nome, por ser um tanto
estranho: Austeclino, mais conhecido por Lino. O que o nome tinha de esquisito,
ele tinha de bonito, forte e charmoso; e o melhor de tudo: era heterossexual. Sim,
pois um hetero já era quase uma raridade. E mesmo que ele fosse feio, magrelo e
sem sal, não tinha problema. Ele era divertido, gentil, inteligente e o
principal: estava fim dela. Havia até sonhado com o tal Austeclino. Mas no
sonho, ele não era tão bonito, nem tão forte e menos charmoso e parecia meio
afeminado. Enfim, era melhor voltar à realidade.
- PORRA,
ALICE! SAI DESSA MERDA DESSE QUARTO E VAMOS EMBORA!
Depois de
seu irmão mais velho pedir com tanta educação, Alice saiu do quarto.
Entrou no carro muda e saiu calada. E a primeira coisa que fez ao
pisar na boate foi pegar um copo de cerveja. Bebeu num só gole e gritou:
- Agora,
vamos cantar o “parabéns” pra mim!! – a mãe logo notou a animação da filha e a
advertiu:
- Já vi
que você bebeu. Ou você se comporta, ou eu cancelo essa festa agor!.
Em pouco
tempo, Alice se acalmou. Cantaram os “parabéns”, o DJ tocava as músicas mais
agitadas e ela parou de beber. A noite seguia perfeita, embora ainda
estivesse um tonta. Até que o garoto de nome bizarro se aproximou dela. O
Fulano, sorridente, a ofereceu um drink. Alice negou, mas ele usou um forte
argumento: “Vamos! A noite é uma criança”.
Alice
bebeu e eles começaram a dançar. Estaria tudo tranquilo se ela não tivesse
esquecido o nome dele e a tontura não tivesse aumentado. Só lembrava o apelido:
Limo. A química, então, rolava e eles se divertiam ainda mais. E ela bebia e
falava sem parar. Ele pediu para que a aniversariante adicionasse seu número de
telefone no celular dele. Tudo certo.
E Alice
bebia mais e falava mais. Até que a tontura piorou, veio a dor de cabeça e uma
vontade de por tudo pra fora. Empurrou o tal Limo e correu para o banheiro. Mas
estava escuro. Não via nada. O rosto das pessoas não passava de um borrão.
Alice mal teve tempo de abrir a porta. Caiu lá mesmo. Apenas ouvia chamarem seu
nome, de longe. E apagou.
De manhã
cedo, Alice acordou com uma dor de cabeça estridente, como se tivesse dormido
sobre uma bigorna. Sentia-se cheirosa, mas com um bafo pútrido, e estava de
pijama. O sol forte invadia seu quarto. Demorou alguns minutos para raciocinar:
só lembrava que apagou totalmente na porta do banheiro em plena festa de
aniversário. Perdeu a balada, o garoto, e ainda iria ouvir a maior bronca dos
seus pais. Restava apenas dormir de novo. Até que ouviu o toque de mensagens do
celular. Com muita dificuldade, foi até a cômoda, onde estava o aparelho. Teve
mais dificuldade ainda para ler. O nome disso? Ressaca.
Clicou na
tela do celular e viu que era um tal de Limo. Não lembrava quem era. Deveria
ser Lino, o carinha da faculdade de nome esquisito. E a mensagem dizia:
Acho que
a noite de ontem não foi tão perfeita como você tanto queria...
Aline
interrompeu a leitura. Não lembrava de ter dito aquilo a ele. Na realidade, não
lembrava de quase nada da noite passada...
E
continuou:
Acho que a noite de ontem não foi tão
perfeita como você tanto queria, mas ainda temos a noite de hoje. Eu te convido
para tomar um suco comigo. Aceita?
PS.: Mas, por favor, sem álcool!
Comentários
Legal seu conto, e bacana a mensagem que ele passa, de que momentos lindos podem ser arruinados pelo álcool.
Espero que a protagonista tenha aprendido a lição hehehe
Muito bom o conto, mano.
Abraços.
Vamos tomar uma?! Rsrsrs