Análise: O lado feminino nas canções de Chico Buarque (2)

Chico Buarque, além de ser um dos mais fodásticos compositores brasileiros, é o artista que tem uma vasta vertente feminina em suas canções. Poucos demonstram conhecer tão bem a mente da mulher, principalmente quando o eu-lírico é feminino, e o autor de “Apesar de você” tem um potencial imbatível nesse quesito. O eu-lírico pode ter característica romântica, erótica, mãe, submissa, enfim, um desfile de personagens criadas por Chico Buarque, descrevendo nas formas mais abrangentes e ricas este ser tão belo e cheio de mistérios: a mulher. E em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, vamos ao encontro de três dessas moças musicais aqui no blog Outras Palavras:







 “Chico Buarque de Hollanda – volume 2” (1966) traz “Com açúcar, com afeto”, a primeira canção com o eu-lírico feminino e foi criada para a cantora Nara Leão, como explicou Chico Buarque no livro “Para seguir minha jornada”, de Regina Zappa[1]: “‘Eu quero uma canção que fala da mulher que sofre, uma mulher que espera o marido, etc..’. Eu fiz pra Nara Leão e pro tema exato que ela pediu”. Um clássico da MPB, “Com açúcar, com afeto" narra a trajetória da esposa que fica em casa esperando pacientemente pelo marido enquanto ele trabalha, bebe com os amigos e ainda “fica olhando as saias/ de quem vive pelas praias/ coloridas pelo sol”. É o retrato da mulher submissa, conformada com a vida que leva, ciente do que o cônjuge “apronta” fora de casa, mas ainda assim faz as suas vontades, como nos versos: “Logo vou esquentar seu prato/ Dou um beijo em seu retrato/ e abro meus braços pra você”. Graças a Deus, muito diferente da mulher atual, que põe o marido na linha se ele não tomar jeito. Além de Nara e Chico, Maria Bethânia, Zizi Possi, Roberta Sá e Fernanda Takai também regravaram essa obra.


                          “Folhetim”, do “Ópera do Malandro”, de 1979, também representa um eu-lírico feminino, mas não como uma esposa ou no sentido de submissão, e sim como um tipo ainda rejeitado por uns e aclamado por outros: a prostituta (ou puta, para os íntimos). Nesse caso, é a mulher que tem o poder nas mãos (e no corpo todo), dessas “que só dizem sim” e que “se tiveres renda/ aceito uma prenda, qualquer coisa assim”. Aqui, ela vira o jogo, e vai manipular o homem, usando-o como bem entender por uma única noite e depois simplesmente o despacha: “... pois já não vales nada/ és página virada/ descartada do meu folhetim”. Ou seja, ela é dessas e não daquelas. Nos dias de hoje, a mulher tem direitos e sabe se posicionar como superior ao homem; ela tem mais voz, mais autonomia, e é mais ativa. E Chico Buarque sabe como dar vida ao feminino. Ele saca dos paranauês, como dizem. Ah, Nara Costa, Gal Costa, Tânia Alves, Luiza Possi e o próprio Chico já interpretaram “Folhetim”.


                  A última canção analisada aqui não está em um eu-lírico feminino e vem num sentido trágico; é “Angélica”, de 1981, no “Almanaque”. Essa canção conta a história real de Zuzu Angel, uma mãe que lutou até o fim de suas vidas – no sentido literal – para desvendar o caso de desaparecimento e morte do filho Stuart Edgard Angel Jones, preso político em 1971. “Angélica” difere das demais obras, por estar numa função oposta, de denunciadora da injustiça e da repressão máxima à vida, que é o do assassinato e da tortura; e acima de tudo, é mãe. Na letra, o narrador se pergunta “Quem é essa mulher?” e vai se explicando nos versos, como em: “Quem é essa mulher/ que canta sempre esse lamento?/ Só queria lembrar o tormento/ que fez o meu filho suspirar”. O filme “Zuzu Angel”, de 2006, estrelado por Patrícia Pillar e Daniel de Oliveira, explora o drama da personagem da canção de Chico Buarque, e no fim, ainda tem “Angélica” na trilha sonora.
A mulher já passou e ainda passa por muitas mudanças e é o ser que mais deve ser respeitado na sociedade, mas, infelizmente, nem todos tem consciência disso. Ela tem muitas facetas, como nas mais diversas músicas de Chico Buarque ou de outros artistas nacionais e internacionais, e essa foi a maneira que tive, através do blog, para homenagear a todas vocês, suas lindas, gatas e cheirosas! ;)

Letras:







[1] ZAPPA, Regina. Para seguir minha jornada: Chico Buarque. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.  

Comentários

Unknown disse…
Amei ������
Gosto muito das composições de Chico! Ele é explendido!
Realmente demonstra que não somos e nem devemos ser o que querem que sejamos. Somos acima de tudo seres humanos, vivenciamos nossas experiências peculiares...
Podemos ser mãe, mas não somos menos se não o quisermos ser..
Podemos casar, mas não deixamos de poder ser felizes se não o quisermos..Podemos ser donas de casa, saber cozinhar, mas continuamos sendo dignas se simplesmente optarmos por não fazê-lo. .Enfim, só queremos a liberdade. Eh eh
Adorei a homenagem. Parabéns cunhaduxo!

Postagens mais visitadas